Luciene Fonseca (centro) fez a denúncia na Delegacia de Mulheres, na Justiça, no Ministério Público e na Comissão Extraordinária das Mulheres da ALMG
Segundo Ermelinda (centro), os assassinatos de mulheres aumentaram após a Lei Maria da Penha

Vereadora denuncia ser vítima de violência contra mulheres

Problema só será superado quando forem atacadas as suas causas, alertam participantes de audiência em Vespasiano.

03/04/2018 - 23:58 - Atualizado em 04/04/2018 - 11:47

A violência contra as mulheres não será superada com medidas que ignorem a raiz do problema. Esse comportamento está arraigado culturalmente na sociedade brasileira e precisa ser enfrentado com coragem e determinação. A afirmação é da vereadora de Vespasiano (Região Metropolitana de Belo Horizonte) Luciene Fonseca (PPS), que denuncia ter sido agredida por vereadores na Câmara Municipal nos dias 11 e 12 de dezembro do ano passado.

A parlamentar foi a personagem principal da audiência pública que a Comissão Extraordinária das Mulheres da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou no município na noite desta terça-feira (3/4/18).

A reunião teve como objetivo debater a violência de que teria sido vítima a parlamentar e discutir os diversos tipos de violência sofridos por mulheres no município. O requerimento do evento foi assinado pelas deputadas Marília Campos (PT), presidente da comissão, e Geisa Teixeira (PT) e pelos deputados Antônio Jorge (PPS) e Geraldo Pimenta (PCdoB).

“Até hoje, não entendi por que fui agredida. Será que é porque sou mulher, pelas bandeiras que eu defendo?”, questionou Luciene Fonseca. Ela disse que nunca tinha sofrido tamanha violência e humilhação como aconteceu na noite do dia 11 de dezembro.

“Fiquei envergonhada com tanto desrespeito, baixaria e agressividade”, completou, acrescentando que, no dia seguinte, foi novamente à Câmara Municipal, ainda com vergonha, e foi novamente agredida verbal e fisicamente.

Denúncia - Após esses episódios, a vereadora fez a denúncia na Delegacia de Mulheres, na Justiça, no Ministério Público e na Comissão Extraordinária das Mulheres da ALMG. Na comissão, ela foi ouvida no dia 19 de dezembro e acusou de agressão os vereadores Ederaldo Boffo (PSDB), Betão do Cabra (PRB) e Reinaldo Motorista (PMDB).

Também apresentou áudios mostrando comentários sexistas sobre ela. Segundo a denúncia, os três diziam que não votariam nenhuma proposta de Luciene Fonseca na Câmara. Um deles, Ederaldo Boffo, teria agredido a vereadora fisicamente durante reunião do Plenário.

Após pedir um minuto de silêncio em memória da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro, Luciene Fonseca considerou-se uma “sobrevivente”, levando em conta o alto índice de violência contra as mulheres.

Mapa da Violência mostra aumento do feminicídio

“O Mapa da Violência divulgado depois de dez anos de aprovação da Lei Maria da Penha foi um tapa na nossa cara”, afirmou Ermelinda Ireno de Melo, superintendente do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania Mulheres das Gerais.

Segundo ela, os assassinatos de mulheres aumentaram após a lei, “mostrando o quanto é sexista e racista o Brasil”. O documento de 2016 informa que diariamente 13 mulheres são assassinadas no Brasil.

Ermelinda acrescentou que o levantamento traçou os cem municípios mais violentos para as mulheres no País, dentre os quais sete são de Minas Gerais. “Isso mostra por que os assassinatos de mulheres negras ainda não nos chocaram tanto, pois em sua maioria acontecem em municípios com menos de 20 mil habitantes”, alertou.

Patriarcado - A pesquisadora acredita que uma mudança nesse quadro de violência só será possível com a inversão da "lógica assassina que dizima minorias", como mulheres, negros e LGBTs. Essa lógica, segundo ela, resulta do modelo patriarcal, implantado pelo grupo dominante, que é masculino, heterossexual, burguês e branco. “Quando Luciene e Marielle sofrem violência é porque denunciam esse sistema”, concluiu.

Com essa linha de pensamento, a psicóloga Cássia Costa de Oliveira defendeu que o feminismo pode ser a resposta para a atual crise. “A crise ética se mostra em todas as instituições criadas pelo patriarcado. O feminismo é a solução, mas sem propor o matriarcado, e sim uma luta radical em favor dos direitos dos excluídos”, analisou.

Violência deve ser combatida diariamente

Na opinião da deputada Marília Campos, a violência contra a mulher deve ser combatida diuturnamente. “Fico feliz de estar aqui hoje para auxiliar essa vereadora e tentarmos construir uma cultura de mais respeito, de forma que os agressores sejam punidos. Com atitudes como essa é que conseguiremos inibir esse tipo de violência”, argumentou ela, defendendo que a violência contra vereadoras seja considerada falta de decoro.

Por outro lado, a deputada lembrou que algumas vitórias para as mulheres foram obtidas na ALMG: a aprovação de projeto que combate o assédio moral e a inclusão da quebra de decoro parlamentar para deputados que agredirem ou inferiorizarem a mulher.

Ela lembrou que a bancada feminina luta pela aprovação de duas propostas: a que obriga a Mesa da Assembleia a ter, pelo menos, uma mulher (Proposta de Emenda à Constituição 16/15); e a transformação da Comissão Extraordinária das Mulheres em comissão permanente (Projeto de Resolução 49/17).

O deputado Antônio Jorge (PPS) disse estar chocado com o grau de violência contra as mulheres. “Infelizmente, vivemos um cenário em que parece que nos acostumamos com a violência. Quando se trata de violência contra mulheres, é ainda pior. Quanto maior esse tipo de violência, maior é nosso afastamento de patamares civilizatórios aceitáveis”, afirmou. Sobre as denúncias apresentadas pela vereadora Luciene Fonseca, ele defendeu a apuração completa dos fatos e a punição dos agressores.

O deputado Fabiano Tolentino (PPS) afirmou que a violência não pode ser tolerada. “Precisamos de uma mudança de visão, para que busquemos um Brasil de igualdade e justiça”, destacou.

Consulte o resultado da reunião.