Falhas provocam mortes de pacientes de doenças raras
Problemas no fornecimento de medicamentos, falta de informação e de assistência agravam sofrimento de vítimas.
28/02/2018 - 18:44 - Atualizado em 01/03/2018 - 14:51A morte de Margareth Pérola, aos 45 anos, em decorrência da falta de um medicamento a que ela tinha direito por decisão judicial, é exemplo e símbolo do drama vivido hoje por vítimas mineiras de doenças raras. Para discutir essa questão, uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi realizada nesta quarta-feira (28/2/18), Dia Mundial das Doenças Raras.
Margareth Pérola sofria de hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) e dirigia uma associação que representava pacientes da doença em Minas. Mesmo com sua experiência em lidar com a burocracia, acabou morrendo depois de ficar três meses sem o medicamento Soliris, indispensável para o tratamento. Uma liminar judicial que determinava o fornecimento do remédio pela União não foi capaz de solucionar o problema e evitar o falecimento de Pérola, ocorrido em fevereiro de 2018.
A falta de protocolos clínicos que regulamentem o fornecimento regular de medicamentos para doenças raras, sem a necessidade de judicialização, foi um dos problemas relatados, durante a audiência pública, pela advogada Mariana Resende Batista, da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG).
Autor do requerimento para realização da reunião e presidente da comissão parlamentar, o deputado Duarte Bechir (PSD) disse que os encontros agendados na ALMG têm o objetivo de garantir que os pacientes e pessoas com deficiência tenham o apoio necessário. “Principalmente garantir o direito aos medicamentos e o acesso aos avanços científicos”, afirmou.
Também integrante da comissão, o deputado Nozinho (PDT) afirmou que a Assembleia pode atuar de maneira a evitar que casos como o de Pérola continuem ocorrendo. “Se tivesse acontecido antes uma audiência como essa, talvez essa moça não tivesse morrido”, afirmou o parlamentar.
Falta de informações gera sequelas e mortes
De fato, se as doenças são raras, as mortes não são. Durante a reunião desta quarta (28), Cláudia Maria Portela Eleutério relatou outro falecimento, de um bebê nascido em janeiro de 2018, em Sete Lagoas (Região Central), vítima de epidermólise bolhosa, outra doença rara que afeta a pele, provocando diversas complicações.
Cláudia Eleutério também sofre da mesma doença e preside a associação que representa 55 pacientes mineiros. Durante a reunião, mostrou suas mãos, atrofiadas em decorrência da enfermidade. Muitas dessas complicações, segundo ela, são evitáveis e acontecem por tratamentos inadequados e ignorância, tanto de familiares quanto de profissionais de saúde. No caso do bebê de Sete Lagoas, a ajuda da associação chegou a ser solicitada, mas já era tarde. “Mas outro bebê nascido em Várzea da Palma (Norte de Minas) está saudável”, relatou.
Viúva de uma vítima de esclerose lateral amiotrófica, Consuelo Gonzaga disse que as pessoas estão se sentindo desamparadas. “Estamos desacreditando em nossas leis. O que está valendo a Justiça?”, questionou, referindo-se à liminar favorável a Margareth Pérola, que se mostrou inútil. O deputado Duarte Bechir disse que a comissão buscará uma ação conjunta com OAB e outros órgãos para evitar que casos como esses se repitam.
Maryane Rodrigues Ferreira, dirigente regional da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), disse que as vítimas mineiras de diversas doenças, raras ou não, precisam sobretudo de exames complementares para monitoramento da doença e de transporte para os locais de consulta e tratamento.
No caso da talassemia, que é um tipo de anemia hereditária, é necessário um exame periódico para monitorar o acúmulo de ferro no organismo. Esse exame não é realizado em Minas. Segundo Maryane, ele é realizado gratuitamente em Campinas (SP). A reivindicação é de que o exame passe a ser realizado no Estado ou que o poder público financie o transporte dos pacientes a Campinas. Em Minas, segundo ela, são de 30 a 40 vítimas em tratamento.
Gerente do Instituto Mineiro de Gastroenterologia (Imeg), Mário Celso Lanas Cavaca lamentou falhas no sistema público de saúde, que poderiam ser sanadas se houvesse uma troca de informações e cooperação entre as diversas instituições. Ele relatou que medicamentos caríssimos se perdem por falta dessa cooperação.
Já o representante da Coordenadoria Especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência (Caad), Eustáquio José de Oliveira, chamou atenção para a falta de informação sobre as doenças raras. “Quantas pessoas estão passando por isso? Como está isso no interior de Minas? Quantas pessoas precisam morrer para que as ações passem a ser preventivas, não reativas?”, questionou.
Assistência – Para as vítimas de talassemia, a Abrasta divulgou seu telefone: 0800-773-9973. O número é o mesmo da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale). Também foi divulgado o contato da Associação Mineira dos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais (AMDII): (31) 97560-9304, com a ressalva de que as ligações devem ocorrer após as 14 horas.