PPAG prevê novo programa de assistência social em 2018
Discussão participativa acelerou regulamentação do Sistema Único de Assistência Social em Minas Gerais.
23/10/2017 - 11:20A criação de um novo programa na área da assistência social é uma das novidades propostas pelo Governo do Estado por meio do Projeto de Lei (PL) 4.665/17, do governador, que trata da revisão para 2018 do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) 2016-2019. O projeto está tramitando na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e é tema de uma discussão participativa aberta à sociedade civil organizada e cidadãos interessados.
O programa proposto para a área social é a Rede Cuidar, que visa apoiar técnica e financeiramente as unidades da rede socioassistencial que apresentem maior situação de fragilidade. A nova proposta confirma uma tradição antiga do processo de discussão do PPAG: o protagonismo e a forte participação do segmento da assistência social nesse debate, desde seu início, em 2003.
“A própria criação da Comissão de Participação Popular e da revisão do PPAG foi fruto de uma mobilização do segmento da assistência social”, afirma o presidente da Comissão de Participação Popular (CPP), deputado Doutor Jean Freire (PT).
Um dos motivos dessa participação intensa é que o início do processo de discussão do PPAG coincide com o período de implantação do Sistema Único de Assistência Social (Suas).
De acordo com o deputado André Quintão (PT), que presidia a CPP na época, a implantação do Suas é resultado da conferência nacional de 2003, que levou à aprovação da Política Nacional de Assistência Social, em 2004. Logo em seguida, Minas Gerais foi o primeiro Estado a regulamentar o Suas.
“Quando, em 2005, o governo Lula edita a norma operacional básica do Suas, que prevê uma política integrada entre os três níveis de governo, nós aprovamos, em Minas Gerais, uma emenda popular ao PPAG de cofinanciamento da assistência social para os municípios, com recursos estaduais”, recorda André Quintão.
Corte federal ameaça setor
Para os dois deputados, o engajamento dos representantes da assistência social na discussão do PPAG é mais uma oportunidade para fortalecer o setor, no momento em que ele sofre uma de suas maiores ameaças: o anúncio de um corte de 98% no orçamento federal para a área, em 2018.
“O corte federal pode significar a morte do Suas. Na estrutura federativa, o governo federal, ao longo dos anos, responde por 77% a 78% do orçamento geral da assistência social. Um corte de 98% significa, praticamente, deixar à míngua os Estados e municípios, que terão responsabilidades, mas não recursos”, lamenta André Quintão.
Para Doutor Jean Freire, é o momento de reforçar a mobilização. “A cada ano, o segmento da assistência social é um dos que mais se faz presente, de forma a valorizar esse poder que lhes foi dado. Acho que eles têm que ser empoderados cada vez mais. É o momento de fazer essas cobranças, tanto para discutir as propostas em nível estadual quanto para levar nosso clamor, em nível federal”, defende.
A secretária de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Rosilene Rocha, explica que a Rede Cuidar é uma forma de aproveitar melhor os recursos em tempo de crise.
“É a primeira vez que temos em Minas um programa público de incentivo voltado sobretudo para as ONGs. Mesmo num cenário de crise financeira grave no Estado, houve a priorização dos poucos recursos que temos para atendimento aos mais pobres, e a Rede Cuidar é um exemplo disso”, afirma.
Novo programa terá recursos da Loteria Mineira
A Rede Cuidar deverá receber recursos da Loteria Mineira, beneficiando entidades que acolhem crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, em situação de rua ou que estejam sob medidas protetivas. A secretária Rosilene Rocha destaca que o principal objetivo é apoiar unidades responsáveis por abrigar pessoas em maior situação de vulnerabilidade e sem vínculos familiares.
O Estado tem a segunda maior rede de assistência social do País, com 1.854 unidades, sendo 75% delas não governamentais. Os dados são de diagnóstico feito pela Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social (Sedese), responsável pela gestão da Rede Cuidar.
Conforme o PL 4.665/17, a previsão é atender 333 unidades em 2018, por meio de duas ações: incentivo financeiro e material; e gestão e monitoramento. Nessa primeira fase, serão priorizadas as unidades de acolhimento, que atendem um total de 21.237 pessoas, sendo quase 5 mil crianças e adolescentes e mais de 12 mil idosos.
Para Rosilene Rocha, a revisão do PPAG é uma oportunidade para fortalecer o setor. "Estando debilitada no aspecto financeiro, a assistência social precisa da mobilização da sociedade. Um processo tão democrático como a revisão do PPAG é um momento muito importante para isso", avalia.
Ex-moradora de rua atua na reintegração social de pessoas
O esforço pela preservação da política pública de assistência social pode ser simbolizado por pessoas como Marcela Viana de Brito, vista como um exemplo de superação pelos próprios moradores de rua que hoje ela ajuda a resgatar.
Vinda do Rio de Janeiro há cerca de 10 anos, Marcela chegou a Belo Horizonte para se prostituir e, depois de algum tempo, tornou-se usuária de drogas. Em virtude do vício, não conseguia pagar a diária do local onde morava, até que foi expulsa e foi viver na rua.
Foi na rua que Marcela engravidou de sua filha. Mas o convívio com a criança não durou mais do que dez dias. No Hospital Odilon Behrens, onde nasceu em 2014, a menina foi encaminhada para a adoção. “Aí eu me afundei mais ainda. Perdi um pedaço de mim”, conta.
Depois disso, ela engravidou novamente, mas sua história tomou um caminho diferente. Após o nascimento do filho na Santa Casa de Belo Horizonte, em janeiro de 2016, a criança pôde ser registrada, graças ao direcionamento dado pela equipe de assistência social. Em maio de 2016, Marcela conseguiu uma vaga no Abrigo Granja de Freitas, no bairro de mesmo nome, onde mora até hoje com o filho.
Para Marcela, tudo mudou na sua vida após sua chegada no abrigo. “Os funcionários aqui me acolheram bem. Quando cheguei, tinha oficina de pano de prato, aprendi a bordar, pintar, comecei a vender meus panos de prato. Me encaminharam para o Bolsa Família, para o posto de saúde e terminei de tirar meus documentos”, conta.
Hoje é Marcela quem ajuda outras pessoas em situação de rua a se reerguerem. Desde setembro de 2017, ela acompanha uma equipe técnica que faz a abordagem desse público. “É ótimo. Os moradores de rua me veem trabalhando, com outra aparência, e falam: 'Que bom que você mudou. Será que eu consigo também?' Consegue, eu respondo, é só querer”, diz.
Resgate de direitos - De acordo com a assistente social Denise Viana Fernandes, que trabalha no Abrigo Granja de Freitas, o serviço oferecido pela entidade insere-se na política de assistência de alta complexidade. O local é gerido pela Cáritas Brasileira, em convênio com a Prefeitura de Belo Horizonte.
O abrigo atende a dois tipos de público: um advindo de áreas de risco, encaminhados pela Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), bem como aqueles que se inserem na política de assistência social, ou seja, pessoas vindas das ruas ou que chegam a uma situação extrema de violação de direitos.
A instituição disponibiliza 102 moradias, das quais 93 encontram-se atualmente ocupadas, com 287 pessoas. Dessas 93 moradias, 20 são destinadas ao público da assistência social, que soma 56 pessoas.