As comunidades filosófica e científica concluíram recentemente que os animais possuem emoções e consciência, o que trouxe alterações no Código Civil de alguns países
Samylla Mól questionou o comércio de animais em espaços insalubres, como o Mercado Central de BH

Proteção jurídica dos animais avança, mas ainda há desafios

Opinião é da pesquisadora Samylla Mól, que participou de audiência pública sobre biodireito nesta quinta-feira (10).

10/08/2017 - 20:07

A Comissão Extraordinária de Proteção dos Animais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) recebeu, nesta quinta-feira (10/8/17), a pesquisadora Samylla Mól, que fez uma apresentação sobre o direito aplicado à defesa dos animais.

A conclusão da especialista é de que, apesar de a legislação ter de fato evoluído, ainda há desafios não só para que todas as normas sejam efetivamente cumpridas, mas também para que não haja retrocesso no arcabouço jurídico.

Samylla, mestre em direito ambiental, expôs uma perspectiva histórica da relação dos homens com os animais, que teria se iniciado com a concepção antropocentrista de muitas sociedades. Ou seja, se o homem é visto como o centro do universo, ele tem o direito de conviver como bem entender com o mundo que o cerca, sem levar em consideração nada além daquilo que lhe convém.

Essa visão, ainda de acordo com a pesquisadora, foi sendo analisada e revista durante os séculos, até a mais recente conclusão das comunidades filosófica e científica de que os animais possuem emoções e consciência.

O reconhecimento de que eles são seres vivos dotados de sensibilidade trouxe, inclusive, alterações no Código Civil de países como a França e Portugal, no sentido de estabelecer que animais não são coisas. Com o mesmo intuito, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Federal 3.670/15, do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG).

Legislação brasileira remonta à década de 1920

Samylla Mól fez um breve histórico da proteção jurídica dos animais, composta por normas que remontam à década de 1920, como um decreto que proibia atividades que causassem sofrimento aos animais em espaços de entretenimento públicos.

Dos anos 1930 até a última década, foram regulamentadas leis que tipificaram os crimes de maus-tratos, classificaram como contravenção a crueldade contra animais e a sua exploração para trabalhos excessivos, proibiram a caça de animais silvestres e trouxeram normas de proteção da fauna, entre outras medidas.

Conforme explicou a pesquisadora, os pilares dos direitos dos animais atualmente são diretrizes da Constituição Federal de 1988, delimitadas na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605, de 1998), que, de forma geral, proíbem práticas que coloquem em risco o equilíbrio do meio ambiente, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Avanços – Entre propostas já aprovadas ou ainda em discussão, Samylla apontou, além da proposição que muda o status dos animais no Código Civil, o Projeto de Lei Federal 631/15, do ex-senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que institui o Estatuto dos Animais; o Projeto de Lei 2.844/15, dos deputados Noraldino Júnior (PSC) e Fred Costa (PEN), que veda o uso de animais para testes de cosméticos e produtos de higiene; bem como a Lei 21.970, de 2016, que proíbe a eutanásia para o controle populacional de cães e gatos.

Práticas culturais violam proteção jurídica

Se a letra fria da lei traz uma respeitável legislação em defesa dos animais, não é difícil constatar como no dia a dia várias proibições são desrespeitadas em práticas que até mesmo já fazem parte do universo cultural brasileiro.

Como exemplo, a pesquisadora Samylla Mól citou apresentações de circo, rodeios e zoológicos, que violam, cada atividade à sua maneira, as regras que ela considera fundamentais para o bem-estar dos animais: serem livres de fome e sede; de dores, lesões e doenças; do medo e do estresse; de um ambiente não condizente com sua natureza; e para exercer seus comportamentos naturais.

Samylla também cobrou uma reflexão sobre o comércio de animais em espaços insalubres (como o Mercado Central de Belo Horizonte), a criação de animais para o consumo e a permissão para o uso de carroças.

Como símbolo de eventuais retrocessos no avanço das leis, ela apontou a Emenda à Constituição Federal 96, de 2017, que viabiliza a prática da vaquejada, e o Projeto de Lei 6.268/16, do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), que pretende liberar a caça de animais selvagens.

Ordenamento jurídico precisa ser atualizado

O deputado Noraldino Júnior (PSC), que solicitou a audiência, destacou que as leis devem acompanhar a evolução da sociedade. Nesse sentido, ele lembrou seu engajamento na proibição do uso de charretes, mesmo em lugares em que a atividade é considerada um patrimônio cultural, como em Tiradentes (Região Central do Estado).

“Antigamente, não havia as opções de transporte que existem hoje”, pontuou, para defender que não há mais sentido em submeter cavalos ao desgaste físico para transportar seres humanos.

O parlamentar é o autor, também em companhia do deputado Fred Costa, do PL 2.856/15, que deu origem à Lei 22.231, de 2016, a qual determina punições para a prática de maus-tratos contra animais no Estado. A norma foi elogiada por ativistas durante a reunião.

Consulte o resultado da reunião.