Um dos objetivos das emendas parlamentares ao orçamento é cumprir compromissos assumidos pelos deputados em suas bases eleitorais, como melhorias de vias públicas
Para Doutor Jean Freire, o cidadão é o mais indicado para avaliar as necessidades de cada região
O especialista Lucas Cunha alerta que esse instrumento legislativo também pode ter um aspecto negativo

Emendas parlamentares ajudam a direcionar recursos públicos

Instrumento legislativo modifica o Orçamento do Estado com o intuito de melhorar a provisão de bens e serviços.

04/08/2017 - 11:00

Uma via pública asfaltada, uma quadra esportiva ou praça pública reformada, móveis e equipamentos novos para uma escola. Esses são exemplos práticos do que os recursos públicos podem fazer, quando são aplicados em benefício da sociedade.

O que muitas pessoas não sabem é que eles podem ser fruto de um instrumento legislativo, utilizado para redirecionar o planejamento orçamentário do Estado, com foco na melhor alocação dos recursos. Esse instrumento é conhecido como emenda parlamentar.

Todo ano, o Poder Executivo encaminha à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), até o dia 30 de setembro, o projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA), que estima as receitas e prevê as despesas do Estado para o ano seguinte.

A Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) tem o prazo de 60 dias para emitir seu parecer sobre a matéria e sugerir alterações. É exatamente nesse momento, especificamente nos 20 primeiros dias do prazo, que é possível apresentar emendas ao Orçamento do Estado.

Essas emendas parlamentares visam influir na alocação dos recursos públicos. Em outras palavras, constituem-se como um instrumento de representação, na medida em que propõem alterações para a melhor provisão de bens e serviços públicos e para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo deputado junto às suas bases eleitorais.

Participação dos cidadãos é fundamental

Essas alterações podem ser propostas não apenas individualmente, mas também por bancadas ou blocos parlamentares, pelo relator do projeto na FFO e pelas comissões. Nesse processo, a Comissão de Participação Popular exerce um papel de destaque, já que antes de vencer o prazo para a apresentação das emendas realiza audiências públicas para ouvir as principais demandas da população.

Essa dinâmica, que começou no fim de 2003, permite que o cidadão tenha um canal de diálogo e negociação com o Poder Executivo, podendo influir na forma de aplicação dos recursos do Orçamento do Estado.

As propostas populares são, então, aprovadas e consolidadas pela comissão na forma de emendas ao orçamento. Essas, por sua vez, são submetidas à análise da FFO, juntamente com as outras apresentadas ao longo do processo.

Na avaliação do deputado Doutor Jean Freire (PT), que preside a Comissão de Participação Popular, o povo mineiro é quem melhor conhece as necessidades de cada região. Por isso, ele considera fundamental o envolvimento dos cidadãos, de modo a orientar os parlamentares quanto às áreas para destinar os recursos.

“É aí que entra a Comissão de Participação Popular, que tem por objetivo, além de propiciar o aperfeiçoamento de nossa vida democrática, ser também um instrumento de educação cívica, ao estimular as pessoas a se perceberem como agentes políticos e coautores das leis que regem suas próprias vidas”, explica.

Despesas são realocadas

A emenda parlamentar não cria novos gastos ou investimentos, mas anula despesas inicialmente previstas no orçamento, realocando-as em outras áreas. Além disso, apenas um pequeno percentual da LOA pode ser objeto de emenda, já que a maioria dos recursos têm destinação específica.

Embora não exista um limite financeiro, o valor que tem sido praticado nos últimos anos é de R$ 1,5 milhão por parlamentar e de R$ 13 milhões para a Comissão de Participação Popular. Também não há um limite do número que podem ser apresentadas, mas há uma orientação técnica para que o valor de cada uma delas não seja inferior a R$ 20 mil, para não inviabilizar a execução.

O prazo para a liberação dos recursos vai até o dia 31 de dezembro do ano seguinte, embora a entrega do bem possa, eventualmente, ultrapassar esse limite. Caso não seja colocada em prática dentro desse prazo, a emenda perde a validade.

É importante lembrar que a emenda parlamentar não tem caráter impositivo, ou seja, a sua apresentação não obriga a sua execução pelo Poder Executivo. Isso vai sempre depender da disponibilidade de recursos do Executivo.

Recursos beneficiam diversas áreas

Atualmente, grande parte das emendas têm contemplado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Municipal (Padem). Trata-se de uma ação mais genérica e flexível, que tem capilaridade estadual e abarca diversas áreas de atuação.

Dessa forma, os recursos podem ser aplicados na conservação de uma ponte ou na aquisição de equipamentos hospitalares, por exemplo. Por outro lado, o parlamentar também pode contemplar outras ações elencadas no orçamento, bem como instituições e organizações da sociedade civil.

É o caso, por exemplo, de uma emenda da Comissão de Participação Popular ao Orçamento de 2017, que destinou R$ 60 mil ao projeto Caminho do Sertão, organizado pela Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Rio Urucuia.

Segundo a secretária-executiva da agência, Irene Gomes Guedes, o projeto trabalha com o turismo de base comunitária, percorrendo várias comunidades tradicionais entre o distrito de Sagarana (Arinos) e o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (Chapada Gaúcha), para promover a cultura e transformar o percurso em rota turística das regiões Noroeste e Norte de Minas. Os recursos financiam a logística, a infraestrutura e a comunicação do projeto.

Uma emenda da Comissão de Participação Popular, no valor de R$ 280 mil, beneficiou a AgriMinas, feira promovida pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg). Outras abarcaram ações como ampliação e manutenção de programas de segurança pública, construção de refeitório escolar, reforma e ampliação de hospitais regionais, reestruturação de espaços esportivos e construção e adequação de rodovias.

Políticas públicas - Para o cientista político e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Lucas Cunha, as emendas parlamentares são um mecanismo importante de incremento das políticas públicas. Na sua avaliação, elas possibilitam que o parlamentar direcione os recursos orçamentários para atender determinadas demandas.

Em contrapartida, esse instrumento também pode ter um aspecto negativo. “As emendas podem ser utilizadas como moeda de troca, levando a um padrão de comportamento clientelista. Isso não é positivo do ponto de vista democrático”, alerta.