Com a supensão do processo, os índios vivem hoje em uma área que corresponde a apenas 0,3% da que foi identificada para a demarcação
Vanessa informou que os índios não possuem mais água potável

Preservação de tribo Kaxixó esbarra em demarcação de terras

Processo foi suspenso pela Justiça, o que prejudica plano de gestão ambiental e solução para crise hídrica.

15/12/2016 - 15:42

Embora pronto, o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) do Povo Kaxixó tem como grande desafio a efetiva demarcação do território indígena. O impasse deve-se a uma ação judicial contrária, movida pelo Estado e pelo município de Martinho Campos (Centro-Oeste de Minas), onde está a aldeia.

“Com a judicialização da questão, o processo foi suspenso e os índios vivem hoje em confinamento, ocupando somente 0,3% da área identificada para a demarcação”, alertou nesta quinta-feira (15/12/16) a coordenadora do PGTA, Vanessa Caldeira, durante audiência pública da Comissão de Participação Popular destinada à apresentação do plano na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Vanessa expliou que o PGTA é fruto da Política Nacional para os Povos Indígenas Brasileiros, conforme edital aberto em 2014 pelo governo federal. O plano para os Kaxixós, ressaltou ela, é um dos primeiros gerados no País fora da região Amazônica e voltados para os biomas da Caatinga e do Cerrado. Foi aprovado recentemente no Ministério do Meio Ambiente e na Fundação Nacional do Índio (Funai).

A coordenadora do plano cogitou que a posição contrária do Estado junto à Justiça Federal estaria apoiada no fato de que, uma vez demarcado o território indígena, sua gestão passaria para a esfera da União. Ela lembrou que a área já esteve no centro de um projeto, hoje suspenso, de instalação de uma hidréletrica que inundaria parte do território identificado para a demarcação.

“É preciso ter atenção aos processos de licenciamento ambiental que envolvem a região, lembrando que Minas se tornou um ícone no assunto com o desastre ambiental de Mariana”, avaliou Vanessa, em referência ao desmoronamento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, ocorrido em novembro do ano passado.

Índios estão sem água potável

A despeito da ação judicial, Vanessa e Kaxixós presentes à reunião advertiram que a demarcação, aliada ao plano em execução, é fundamental para conter graves danos ao meio ambiente e à qualidade de vida que já atingem o território indígena, nas margens do Rio Pará.

Segundo a coordenadora do PGTA, os diagnósticos feitos para a formulação do plano, elaborado em conjunto com a comunidade Kaxixó, mostraram que os índios não dispõem mais de água potável, dependendo de caminhões pipa para abastecimento. O problema estaria relacionado ao desvio irregular de córregos por fazendeiros.

Foi ainda constatado que a região abarcada pelo PGTA também sofre com a erosão de terras, com a sobrepesca e com a tendência à monocultura do eucalipto, que já ocuparia boa parte da área. Além da existência de dois loteamentos irregulares que, segundo Vanessa, estão dentro do território indígena identificado para a demarcação e cuja área total é de 5.411 hectares.

“De que adianta dinheiro se não vai ter a água, o Cerrado, o ar?”, questionou o vice-cacique da comunidade Kaxixó, Altair Teodoro da Silva. “O PGTA é um plano rico para a nossa cultura e para preservar a natureza e o meio ambiente”, acrescestou o cacique Nilvando de Oliveira. Segundo eles, 98 índios moram hoje na aldeia, mas mais de 400 vivem no entorno ou na cidade.

Sem assistência - Admitindo desconhecer a falta de água potável para os índios, a coordenadora técnica estadual da Emater-MG, Márcia Zanetti, classificou como preocupante o fato e defendeu esforços urgentes dos vários órgãos envolvidos para buscar alternativas e projetos que venham reverter a situação.

“Mas é preciso financiamento, e também não dispomos de técnicos suficientes para arcar com um PGTA dessa natureza”, frisou Márcia. Ela acrescentou que a própria Funai não providenciou a contratação de assistência técnica indígena, sendo necessária, ainda, uma articulação entre as esferas de governo e os vários órgãos afetos à questão para viabilizar o acesso dos índios às políticas públicas.

Manobras para alterar regras são denunciadas

Durante a audiência, os presentes classificaram como manobras contra direitos dos índios mudanças pretendidas na legislação brasileira, entre elas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, em tramitação na Câmara dos Deputados.

A PEC transfere a competência da Funai na demarcação das terras indígenas para o Congresso Nacional e possibilita a revisão das terras já demarcadas.

Conforme denunciou Poliane de Oliveira, do Conselho Missionário Indigenista, ainda estariam em curso articulações recentes para que as novas regras propostas na PEC venham a ser adotadas por meio de alterações no Decreto Federal 1.775, de 1996, que trata da demarcação de terras indígenas.

“Com isso, as demarcações passariam a ser feitas por critérios políticos, e não técnicos”, avaliou Maria Elisabete dos Santos, presidente do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), entidade responsável pelo PGTA dos Kaxixós.

Deputada alerta para risco de retrocesso

A presidente da comissão, deputada Marília Campos (PT), que pediu a audiência, defendeu uma mobilização da sociedade contra a mudança nas normas, que, para ela, significariam um retrocesso.

“Temos agora mais uma luta em nossa agenda política, porque direitos estão sendo violados”, frisou a parlamentar, anunciando que encaminhará à aprovação da comissão requerimentos:

  • Ao Governo do Estado, para que reveja seu posicionamento na ação judicial que suspendeu o processo de demarcação;
  • À Funai e à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, dando ciência do conteúdo da audiência pública.

Consulte o resultado da reunião.