Moradores das ocupações participaram do encontro e relataram as dificuldades enfrentadas
Aylton Magalhães lembra que a PBH é a autora da ação de despejo e o ente que deve amparar as famílias
Paula Ramalho diz que as famílias estão felizes por estarem juntas, mesmo em condições precárias

Audiência de mediação pode evitar despejo de famílias

Na ALMG, autoridades pedem diálogo sobre reintegração de posse no bairro Copacabana, em BH, agendada para 31 de maio.

19/05/2016 - 16:45

Uma audiência de mediação pode ser a saída para a iminente reintegração de posse das ocupações Maria Vitória e Maria Guerreira, que somam 120 famílias, no bairro Copacabana, em Belo Horizonte. Essa é a expectativa de autoridades que participaram, nesta quinta-feira (19/5/16), de audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O despejo está marcado para o próximo dia 31, mas, até lá, completa-se o prazo de um ano da distribuição das ações de reintegração e, nesse caso, o novo Código de Processo Civil prevê a mediação. A dificuldade, segundo os participantes, é que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), proprietária das áreas, não foi a nenhuma das reuniões de conciliação realizadas até agora.

A audiência da ALMG tratou também da ocupação Novo São Lucas, no bairro de mesmo nome, onde 12 famílias instaladas em área privada estão ameaçadas. Nesse caso, porém, a Polícia Militar ainda está realizando o planejamento para reintegração, e a data não foi marcada. O desembargador Alberto Diniz Júnior, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), explicou que os três processos, com liminares ratificadas pelo TJ, determinaram a retomada das áreas, mas, como o prazo “se esticou”, seria necessária que o Tribunal chamasse as partes envolvidas para uma mediação. “Cada magistrado tem independência e autonomia para analisar as questões”, observou.

Aylton Rodrigues Magalhães, do Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria Pública, reforçou que, no dia 31 de maio, data prevista para o despejo, a audiência de mediação já seria obrigatória. Segundo ele, a medida já foi solicitada, mas ainda não houve despacho. “Nosso objetivo é que a reintegração aguarde esse desdobramento”, enfatizou. O defensor ressaltou que o caso das ocupações do Copacabana tem um agravante porque a PBH é a dona do terrenos e, logo, a autora da ação de reintegração. Mas é também o ente que deveria amparar as famílias removidas. “No caso de uma audiência de mediação, ela seria duplamente convocada. Mas ela assume só o lado de proprietária”, criticou.

O desembargador Alberto Diniz sugeriu que a Defensoria apresente também requerimentos aos desembargadores que cuidam desses processos para que suspendam a desocupação até que haja a mediação, conforme determina o código. O deputado Jean Freire (PT), vice-presidente da comissão e autor da solicitação para o debate, anunciou requerimentos que serão formalmente recebidos na próxima reunião da comissão. Entre eles, está o de encaminhamento de ofício ao TJMG para que defira o pedido da Defensoria e realize a audiência de mediação.

Ausência da PBH é duramente criticada

Quase todos os participantes da audiência na ALMG integram também uma mesa de negociações sobre reintegração de áreas ocupadas, criada pelo Executivo estadual e conduzida pela Companhia de Habitação do Estado (Cohab). Eles criticaram a Prefeitura de Belo Horizonte por não comparecer a nenhum dos encontros já realizados, o que deve ser objeto de requerimento de Doutor Jean Freire, com pedido de justificativa. Élcio Borges, secretário-executivo da Mesa de Diálogos, enfatizou que todos são convidados por e-mail, a exceção da PBH, que recebe ofício. “Na próxima terça-feira, dia 24, teremos nova reunião sobre os Marias Vitória e Guerreira. Mas não sei se há alternativas caso a PBH não compareça”, lamentou.

"Desde que estou na mesa, a PBH nunca se fez presente, e as políticas púbicas de moradia pertencem a ela", reforçou o desembargador Alberto Diniz. Ele ressaltou que as famílias migraram de área particular, após acordo com o proprietário, para área pública. "Pensei que seria mais fácil de resolver. Mas parece que demos um tiro no pé", afirmou. Cláudia do Amaral Xavier, promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Controle Externo das Atividades Policiais, atribuiu a distância da PBH a uma “opção política”. “Temos um plano municipal de habitação de interesse social, que está sendo rediscutido agora. Lá tem uma fala do Poder Público, que diz 'desconhecer' as ocupações que se instalarem a partir de 2009. A ausência na negociação prova isso”, disse.

Luiz Fernando Vasconcelos, advogado do Coletivo Margarida Alves, citou programa da PBH que está promovendo leilão de terrenos para administradoras de parcerias público-privadas (PPPs), enquanto as ocupações são removidas. “A prefeitura não fez sequer o cadastro das famílias, não sabe quais serviços eles acessam”, apontou, cotando a condição de “não cidadãos” dos moradores. Já Isabela Miranda, representante das Brigadas Populares, ameaçou “ir pra cima” se as famílias forem removidas sem uma alternativa de nova habitação. “Não há condição para a desocupação. Os abrigos não são uma alternativa digna, e nem há abrigos em Belo Horizonte”, afirmou.

O vereador de Belo Horizonte Adriano Ventura (PT) também criticou as PPPs que estão sendo firmadas pela prefeitura, além do que chamou de “demissão em massa”. “Há um projeto que aguarda sanção e que permite a demissão de 6 mil cobradores de ônibus. Já foram notificados 520 vigias de escolas e Umeis, que serão demitidos. No lugar deles, serão instaladas câmeras de monitoramento eletrônicos”, revelou. No caso da habitação, de acordo com o vereador, há entre 12 mil e 16 mil de famílias nas ocupações da Capital, enquanto a PBH, em oito anos, construiu menos de 3 mil moradias.

Moradores relatam dificuldades

Representantes das ocupações relataram a situação nas comunidades. Paulo Rodrigues, da ocupação Novo São Lucas, fez um apelo dramático. Pai de duas filhas, ele mora em uma casa simples de madeira e sonha com um local melhor e mais organizado. “Nossa 'precisão' fez com que estivéssemos aqui. Temos família e precisamos fazer um ninho. Se fosse para pagar um aluguel e um medicamento, não daria para comer”, afirmou. Segundo ele, a terra hoje ocupada estava “a Deus dará”, mas os donos surgiram depois da ocupação.

Paula Ozana Ramalho, da Maria Vitória, reforçou que as famílias, mesmo em condições inadequadas, estão felizes por estarem juntas. Ela contou que teve que usar endereço falso para conseguir matricular sua criança na escola. “Ninguém está ali para passar o final de semana. A necessidade nos fez chegar a esse ponto”, afirmou. Já o representante da Maria Guerreira, Juliano Rego dos Santos, afirmou que as famílias querem apenas o direito de morar na cidade e que não podem ser jogadas na rua. “Eu sou jardineiro, aqui temos empregadas, carpinteiros, pedreiros. Nós construímos essa cidade”, reforçou, referindo-se aos moradores presentes à audiência.

“O que vocês vivem não pode ser descrito num processo judicial, num relato do Ministério Público. A falta de moradia, de um endereço, leva junto a falta de luz, água, saúde, trabalho, escola”, reconheceu a promotora Cláudia Xavier. Oficiais da Polícia Militar também estiveram na audiência e enfatizaram o papel de “coadjuvante” da PM nas desocupações. O tenente-coronel José Antônio, que atua nas negociações, ressaltou a determinação interna da corporação de tentar sempre o diálogo. “Não sentimos prazer em fazer isso. A PM recebe ordem e, se não cumpre, tem que responder em juízo”, completou o major Cláudio Alves e Silva, que comanda a área onde estão as ocupações no Copacabana.

Betim – Na fase de debates, moradores da ocupação 1º de Maio, de Betim (RMBH), denunciaram ações truculentas da Polícia Militar no município, inclusive no momento em que se realizava a audiência na ALMG. “A PM passa à noite, atirando, tentando forçar nossa saída”, denunciou Lidiane Pereira dos Santos. Outra moradora, Rosane Evangelista de Souza, contou que o terreno ocupado estava há 20 anos abandonado e era local de estupros, roubos e esconderijo de bandidos. “Nós limpamos, construímos e esperamos a visita das autoridades há 24 meses”, afirmou. Segundo ela, após reunião entre a PM e os donos do terreno, os moradores foram chamados apenas para conhecer os termo do despejo. “Ninguém nos defendeu. Estamos pedindo socorro. Estão nos tirando a nossa casa”, afirmou, chorando.

Doutor Jean Freire anunciou requerimentos também com o objetivo de apurar essas denúncias em Betim. Ele afirmou que há muitas referências às ocupações como sendo “invasões”, mas que, se a terra não tem serventia ou não é produtiva, não se pode falar em invasão. “Cada um deve ter seu espaço”, afirmou, relatando o caso de um descendente de quilombola de Almenara (Jequitinhonha), que parou de comemorar o aniversário aos 86 anos. “Ele me disse não querer que o tempo passe, para que ele não morra sem que sua comunidade receba o título das terras, griladas há décadas”, contou o parlamentar.

Jean Freire também se solidarizou com os moradores de Betim e considerou que há um tratamento desigual para os pobres. “Política é espaço para homens e mulheres de bem, espaço de cuidar das pessoas. Quando cuidamos de moradia, cuidamos das pessoas. Se não for assim, está errado”, definiu o deputado.

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