Comissão de Educação realizou debate sobre medidas objetivas para tornar a escola um ambiente de acolhimento da diversidade, e não gerador de exclusão e evasão
Augusta Mendonça anunciou será lançado programa de formação em diversidade
Adriana do Valle está à frente do projeto do TransEnem, cursinho para transexuais e travestis em BH
Parlamentares defenderam que a discussão sobre a base curricular nacional contemple a diversidade

Convivência pacífica com a diversidade ainda desafia escola

Secretaria diz que nome social será em breve garantido em norma. Transexuais e travestis seriam os mais discriminados.

13/04/2016 - 17:58 - Atualizado em 13/04/2016 - 19:12

O estudante Diogo Oliveira Gomes, hoje com 22 anos e integrante do Coletivo Mooca de Direitos Humanos, apanhava dos colegas quando criança e, numa das vezes, chegou a ter seu nariz quebrado. Por algum tempo, fingiu estar doente para não voltar à escola. Apesar das dificuldades, conseguiu fugir das estimativas que apontam para uma evasão escolar de 73% entre o público LBGT e hoje é universitário do curso de Relações Internacionais.

Relatos como o de Diogo e também da professora Sayonara Naider Bonfim Nogueira, que passou por quatro escolas públicas da rede estadual antes de encontrar uma que respeitasse sua identidade de gênero, marcaram a audiência pública realizada nessa quarta-feira (13/4/16), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), para discutir "Os desafios da diversidade – transexualidade e homossexualidade - no ambiente escolar”.

O debate foi realizado na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a requerimento do presidente, deputado Paulo Lamac (Rede), e teve o objetivo de discutir medidas objetivas para tornar a escola um ambiente de acolhimento da diversidade, e não gerador de exclusão e evasão, conforme depoimentos dos convidados.

Garantir o uso, nas escolas, do nome social pelo qual transexuais e travestis preferem ser chamadas, foi uma das principais reivindicações feitas na reunião. Segundo a professora Sayonara, esse direito está assegurado a servidores do Estado como ela - que podem usar o nome social no ambiente da administração pública, conforme resolução da Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão (Seplag) –, mas o mesmo não acontece com os estudantes, estando Minas Gerais atrás de vários estados nessa questão, como São Paulo, Pará, Goiás Alagoas e Piauí.

Segundo a subsecretária de Estado de Desenvolvimento da Educação Básica, Augusta Aparecida Neves de Mendonça, também presente à audiência, essa realidade está perto de mudar. Ela garantiu que, em breve, será remetida, ao Conselho Estadual de Educação, instância normativa para assuntos relacionados à área, uma norma estadual que garanta esse direito a toda a comunidade escolar. Atualmente, a Secretaria de Educação analisa e defere apenas os casos que chegam ao conhecimento do órgão envolvendo pedidos de alunos para o uso do nome social.

Para a professora Sayonara, lacunas como essas, aliadas a situações de preconceito e discriminação, expulsam trans e travestis das escolas e do mercado de trabalho e alimentam o ciclo de violência. Segundo pesquisa do organismo europeu TGEU, do qual a professora é colaboradora, o Brasil ficou em primeiro lugar em número de assassinatos de transexuais e travestis na América, entre 2008 e 2015, ficando Estados Unidos e México nas segunda e terceira posições, respectivamente. De 1.500 assassinatos ocorridos no período na região pesquisada, mais da metade (802) foram cometidos no Brasil.

"Não há políticas de educação e de mercado de trabalho", frisou Sayonara, para quem a escola ainda é um motor de exclusão e a prostituição, embora seja uma profissão, surge como saída, e não como escolha ou opção profissional. Também consultora acadêmica e secretária nacional da Rede TransBrasil, a professora informou que há, na rede estadual de Minas, apenas três professores travestis, que no Brasil não passariam de 80 no total.

Educação terá programa de formação em diversidade

A subsecretária Augusta Mendonça anunciou, também, durante a audiência pública, que o governo deve lançar ainda nesse semestre programa de formação em diversidade para gestores do sistema educacional e, na sequência, também para educadores e demais profissionais do ensino. "A secretaria tem adotado o princípio da equidade, que está ligado à igualdade de direitos, em que todos e todas têm que ser acolhidos. Mas o caminho é longo e os desafios não são poucos", admitiu.

Segundo ela, um dos desafios está em mapear a realidade nas escolas. O Estado, afirmou Augusta, não dispõe de nenhum estudo a respeito e terá que investir em levantamentos sobre a situação para conhecer até mesmo índices de abandono e evasão escolar em função de discriminação por identidade de gênero. Entre medidas já adotadas e que podem contribuir para reverter o abandono escolar, ela citou a ampliação em 27% do ensino noturno para jovens; a revitalização de Centros de Estudos Supletivos e Educação Continuada (Cesecs); e o­ início, em 1.600 das 3.600 escolas do Estado, do Programa Escola Aberta, iniciativa em que a rede estadual acolhe a juventude numa interface mais próxima com a comunidade.

A subsecretária observou que, do início do governo atual até hoje, não foi encontrado nenhum dado ou sinal de que essa temática era tratada pela pasta da Educação. "Vamos mapear também as práticas que escolas estão desenvolvendo e aprofundar a discussão sobre a formação do professor", adiantou. "Por falta de contato com temátivas tão importantes no dia a dia da escola, como a da diversidade sexual, o professor chega em sala como se vivesse em outro mundo", admitiu a representante do Governo.

Cursinhos isolariam grupos, mas são alternativa possível

Histórias de sofrimento também foram relatadas pela advogada e presidente da Comissão de Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Adriana Ribeiro Alves do Valle. Segundo ela, a falta de políticas públicas efetivas para trans e travestis dão a essa parcela da população uma expectativa de vida inferior à do menor país africano, de 35 anos.

Além de advogada, ela está à frente do projeto do TransEnem, cursinho montado para transexuais e travestis em Belo Horizonte. "No primeiro dia de aula tivemos alunos passando mal, com a pressão abaixando e a ponto de desmaiar, tal o trauma que devem ter enfrentado na escolas", disse. Para ela, melhor seria que não houvessem escolas separadas, o que também foi consenso entre os presentes, apesar do apoio dado à iniciativa. "Seria melhor, mas não há quem aprenda equação de segundo grau num ambiente de chacotas e piadas", frisou Adriana.

Eduardo Salabert, professor de Literatura e criador do Projeto TransVest, outro curso que também prepara para o Enem, relatou ter ficado surpreso com as críticas recebidas, durante a montagem do projeto, de que oTransvet também estaria discriminando alunos que não fossem trans. "O conservadorismo da sociedade é tão grande que busca eliminar iniciativas que empoderem essa população", criticou. Segundo o professor, o projeto tem crescido, mas ainda faltam voluntários para dar as aulas. "Mas faltam sobretudo ações do governo para que não sejamos a principal oferta para o público trans", cobrou.

Segundo acrescentou o professor de Filosofia no TransEnem e integrante do Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos), Thiago Alves da Silva Costa, há mais de mil grupos de pesquisas nessa direção cadastrados no Ministério da Educação. Muitos dos estudos, informou, mostram que quanto mais é discriminatório o ambiente escolar, pior é o rendimento dos alunos.

Ele também fez críticas ao Plano Municipal de Educação de Belo Horizonte, do qual teriam sido retiradas, durante a tramitação na Câmara Municipal, menções à evasão escolar por motivo de discriminação por identidade de gênero. "Isso é preocupante e não pode se repetir nessa Casa", registrou.

Construção - O coordenador especial de políticas públicas de diversidade sexual da Subsecretaria de Participação Social da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Douglas Miranda, frisou que o debate em torno da escola que respeite a diversidade tem que ser construído em conjunto com os movimentos sociais. "Isto é importante porque sabemos que a estrutura do governo é machista e homofóbica", justificou, defendendo, ainda, que as famílias se envolvam na discussão. "A escola não tem o papel de ensinar o aluno sobre sua identidade de gênero, e sim de ensinar o respeito", esclareceu.

Fórum permanente - O coordenador do Núcleo dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH), Marco Aurélio Máximo Prado, afirmou que, ainda que tenham havido avanços e que existam iniciativas locais ou isoladas em outra direção, todos os levantamentos sobre a questão apontam para o mesmo resultado: que a escola tem sido um ambiente hostil à diversidade, sobretudo para transexuais e travestis.

Segundo ele, o último levantamento do núcleo mostrou que menos de 60% de travestis entrevistadas chegaram ao ensino médio e menos de 6% à universidade. "Isso mostra que o funil vai só piorando", advertiu ele. Além da formação de professores para lidar com a diversidade, sejam eles LGBTs ou não, Marco Aurélio defendeu que o Estado tenha um fórum estadual LGBT permanente para escuta de todas as partes. 

Questão se reflete em planos de educação

O presidente da Comissão de Educação, Paulo Lamac, explicou que discussão do tema é importante diante do acirramento de ânimos que tem chegado ao conhecimento da ALMG, a exemplo do fórum realizado em março passado, sobre a violência contra a mulher, quando três transexuais relataram situações de discriminação.

"Na discussão de vários planos municipais também se deu a disputa por utilização de termos relacionados ao assunto, colocando um manto de polêmica em torno de questões objetivas", também afirmou o deputado Paulo Lamac. "Há manifestações no sentido de que a não acolhida da adversidade fechava a perspectiva de continuidade na escola e abria as portas à prostituição", reforçou, defendendo que a discussão atual sobre a base curricular nacional contemple a questão da diversidade.

O deputado Professor Neivaldo (PT), por sua vez, lembrou ter sofrido críticas quando, em folheto para campanha a vereador, mencionou a necessidade de respeito à diversidade sexual. Para o deputado, debates como esses não pretendem doutrinar ninguém, apenas defender o respeito. "Esperamos que as pessoas não precisem criar projetos isolados", defendeu, embora apoiando a iniciativa dos cursinhos relatada na reunião.

Conselho LGBT - A deputada Marília Campos (PT), por sua vez, lembrou de avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 quanto à não discriminação por qualquer razão para afirmar que hoje há um processo contrário, de estagnação de processos legislativos sobre a questão. Nesse sentido, ela anunciou que propôs, em projeto de lei de sua autoria, a criação do Conselho Estadual LGBT. A proposta, contudo, por ser de iniciativa do Poder Executivo, deverá ser incluída em legislação que trata de políticas públicas relacionados à temática, conforme adiantou a deputada. Pretende-se, assim, que a medida resulte no envio à ALMG, pelo Executivo, de projeto de lei criando o conselho.

Público - Na fase de participação do público, várias pessoas pediram que as escolas discutam a transexualidade com os alunos. Entre eles, Diego Hernandes, da Associação de Pais de Família, fez a ressalva de que ninguém pode também ser taxado de fascista por ter pensamento contrário à homossexualidade. José Geraldo, da Ordem dos Cavalheiros do Santa Cruz, chamou de barbaridade alguém atacar outra por ser homossexual e avaliou que os pais têm direito de criar os filhos do jeito que quiserem, sem intervenção do Estado.

Já Libernina, transexual, disse que chega a não sair na rua com medo de ser agredida e defendeu a implantação de banheiros unissex em diversos espaços, não para uso coletivo, conforme esclareceu, mas para uso de uma pessoa por vez. Maria Catarina afirmou que muitas mulheres trans do Brasil são prostitutas porque sofrem violências psicológicas e físicas de alunos, professores e funcionários das escolas.

Consulte o resultado da reunião.