O ciclo de debates é realizado como parte das reflexões propostas pelo Legislativo mineiro a partir do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março
Pesquisa aponta que 61% dos homens acreditam que uma mulher solteira que vai pular carnaval não pode reclamar de ser cantada
O Instituto Albam promove grupos de reflexão para homens punidos pela Justiça por violência contra a mulher
Segundo a psicóloga Rebeca Rohlfs, a violência contra a mulher faz parte do cotidiano

Casos de violência contra a mulher em pauta na ALMG

Ciclo de debates nos dias 2 e 3 de março discutirá os vários tipos de violência que vão muito além da agressão física.

23/02/2016 - 10:00 - Atualizado em 24/02/2016 - 16:00

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realiza, nos próximos dias 2 e 3 de março, o Ciclo de Debates Dia Internacional da Mulher - Mulheres contra a Violência: Autonomia, Reconhecimento e Participação, no Plenário. O evento, que começa às 16 horas na quarta (2/3) e às 9 horas na quinta (3/3), está sendo realizado como parte das reflexões propostas pelo Legislativo mineiro a partir do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março. No painel “Múltiplos olhares sobre as violências contra as mulheres” serão recebidas diversas especialistas para discutir os tipos de violências que as mulheres enfrentam cotidianamente. A programação completa do ciclo de debates está disponível no Portal da ALMG.

A agressão física é apenas a ponta do iceberg, conforme ficou claro em 2015 a partir dos depoimentos publicados no Facebook por milhares de brasileiras, com as hashtags #MeuAmigoSecreto e #MeuPrimeiroAssédio. De acordo com a Organização Não Governamental Think Olga, que luta para que as mulheres possam "ter mais escolhas", a série de depoimentos pessoais foi motivada por internautas que publicaram ofensas contra uma das crianças participantes do programa televisivo MasterChef Júnior Brasil, usando adjetivos sexuais para se referir à garota.

Em protesto, os relatos de mulheres tratavam de quando elas sofreram assédio pela primeira vez em suas vidas, revelando que a idade média do primeiro assédio é aos nove anos. A hashtag #MeuAmigoSecreto foi replicada mais de 100 mil vezes no Twitter. Já com a hashtag #MeuAmigoSecreto, atitudes machistas do cotidiano, que muitas vezes passam despercebidas e são vistas como corriqueiras pelos homens, foram denunciadas, com grande repercussão e 170 mil menções no Twitter.

Essas campanhas estimularam as usuárias a usarem suas redes sociais de maneira contínua para denunciar situações de assédio e violência que enfrentam. Foi o caso de Camila Rodriguez, que começou o Carnaval deste ano relatando situação constrangedora vivida no Bar Astor Rio, em Ipanema, no Rio de Janeiro (RJ).

Segundo o depoimento que publicou no Facebook, ela foi abordada, junto com duas amigas, em diversos momentos durante a noite, por estrangeiros de diversas nacionalidades. Foi agredida verbalmente e não teve nenhum tipo de ajuda ou suporte dos donos do estabelecimento. “Eu tô cansada de ter que escrever sobre isso pra ver se alguém se importa. De ter que me preocupar com isso. De isso ser um problema. Eu só quero ser eu. E eu só quero que você me deixe ser quem eu sou e respeite meu espaço. Física e emocionalmente”, escreveu. 

Sem pena - A advogada Adrina Poubel explica que o fato de não existir uma pena a ser aplicável a quem pratica assédio dificulta bastante a punição desse tipo de agressor. “Não há tipificação de crime de assédio (no sentido de cantada grosseira ou importunação verbal) praticado por pessoas que não sejam do âmbito familiar. Ou seja, não há na lei penal uma definição para assédio”, afirma.

A advogada explica que o mais perto de uma penalização, no caso de Camila, seria se o relato se encaixasse em contravenção penal (importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor) ou crime de injúria (ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro), ambos com pena de multa.

“Quando a situação se reverte para contato físico agressivo, aí é outra história. Pode ser lesão corporal ou até mesmo tentativa de estupro, dependendo da situação. A Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340, de 2006) tipifica apenas os casos de violência no âmbito familiar e doméstico, ou seja, apenas quando a vítima possui relação de parentesco ou afetiva com o agressor”, analisa.

Mas, mesmo quando a agressão é física, a penalização dos culpados infelizmente nem sempre acontece. Como no caso de Ludmylla de Souza Valverde, nutricionista de 27 anos que foi agredida com um copo durante o Carnaval de Salvador (BA). Segundo a nutricionista, dois homens abordaram ela e a irmã, com as mãos na cintura e na boca da irmã. Ludmylla então pediu para que os foliões se afastassem, mas foi empurrada por um deles.

"Eu pedi para ele sair, mas ele se irritou. Disse que eu era ignorante, que não sabia brincar, e me empurrou no meio do povo. Em seguida, eu revidei e empurrei ele também. Depois, o colega dele atirou o copo de acrílico e pegou no meu rosto", explicou. 

Dano moral - A advogada Adrina explica ainda que, na esfera cível, um assediador pode ser enquadrado em dano moral, caso hajam provas concretas e testemunhas, sendo este definido como “tudo aquilo que nos causa sofrimento ou abalo psicológico". "Assim, quando alguém sofre dano moral, pode propor uma ação de reparação civil, objetivando se ver compensado financeiramente pelo abalo que sofreu”, pondera.

Foi o caso de uma cliente do Banco Itaú na cidade de Erechim (RS). Em maio de 2014, ela foi assediada por um atendente ao ir à agência atualizar os dados cadastrais. O funcionário enviou mensagens assediando-a pelo celular e a correntista voltou ao banco e reclamou da conduta do funcionário à chefia. Depois de procurar a polícia, ela ingressou com ação indenizatória contra o banco.

O caso ganhou repercussão nacional porque o juiz Luis Gustavo Zanella Piccinin julgou a ação indenizatória improcedente, dizendo que “cantada é conduta aceita e tolerada pela sociedade”. A decisão foi revertida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, com a desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira classificando a fundamentação da sentença anterior como “grosseira, quiçá, discriminatória".

O juiz havia sido autuado em 2013 por crime de desobediência e, na Lei Maria da Penha, por ameaçar a ex-esposa. O processo contra ele foi arquivado e ele foi promovido à Turma Recursal Criminal de Porto Alegre em 2015.

Violência contra a mulher não é só física

Durante o Carnaval deste ano, ganhou destaque na imprensa pesquisa feita pelo Instituto Data Popular, como contribuição à campanha "Carnaval Sem Assédio", do site Catraca Livre. Os dados mostram que 61% dos homens abordados acreditam que uma mulher solteira que vai pular carnaval não pode reclamar de ser cantada; 49% disseram que bloco de carnaval não é lugar para mulher “direita”; e 56% consideram que mulheres que usam aplicativos de relacionamento não querem nada sério. A pesquisa foi feita entre os dias 4 e 12 de janeiro, com 3,5 mil brasileiros com idade igual ou superior a 16 anos, em 146 municípios.

De acordo com o presidente do instituto, Renato Meirelles, o homem ainda tem uma visão de que a mulher é propriedade dele e que ela é feliz dessa forma, “como se a mulher tivesse que ser grata pela grosseria dele”. A pesquisa confirma a percepção distorcida do sexo masculino de que a mulher, ao participar de bloco de rua, quer ser assediada.

“Isso tem a ver com o processo histórico-cultural no Brasil”, disse. A sondagem revela também que, na percepção de 70% dos homens, as mulheres se sentem felizes quando ouvem um assobio, 59% acham que as mulheres ficam felizes quando ouvem uma cantada na rua, e 49% acreditam que as mulheres gostam quando são chamadas de "gostosa".

A pesquisa confirma o que diz a psicóloga Rebeca Rohlfs, do Instituto Albam, que, desde 2005, promove grupos de reflexão para homens punidos pela Justiça por violência contra a mulher. “Muitos chegam aqui sem saber que a violência contra a mulher não é só física. Cinquenta por cento dos denunciados que recebemos são por ameaças. Eles chegam dizendo que, depois de ameaçarem repetidas vezes a companheira, ela deveria saber que eles não falam sério. Quando são enquadrados por ameaças, sentem-se injustiçados. A violência contra a mulher faz parte do cotidiano”, denuncia.

De acordo com Rebeca, o trabalho do instituto, que foi pioneiro em Minas Gerais, atualmente pauta-se nas cinco formas de violência previstas pela Lei Maria da Penha: patrimonial, psicológica, moral, sexual e física. “Em primeiro lugar, os ajudamos a entender porque vieram até aqui. Depois, a perceberem o quanto as ameaças afetam o psicológico. Às vezes, no meio da reunião, eu jogo a prancheta no chão e eles se assustam. E eles dizem, você foi muito agressiva. E eu explico que eles fazem o mesmo, mas eles usam palavras e pressão psicológica”, conta.

Os homens são encaminhados ao instituto pelas varas da Justiça e pelo Juizado Especial, como parte da sentença, cumprimento de medida protetiva ou pré-requisito para relaxamento da prisão. Eles devem participar de 16 encontros, com duas horas de duração cada um. Os encontros são conduzidos por um homem e uma mulher, para a equidade dos gêneros.

Nova percepção - O estoquista Cléber Almeida da Silva participou dos 16 encontros e diz ter mudado sua percepção sobre o que é violência contra a mulher. “Eu entendi que a violência não é só física, que xingar, por exemplo, também é uma agressão. Aprendi que, mesmo que ela seja minha mulher, se eu me relacionar com ela sem ela querer, estou abusando dela. Mas, acima de tudo, aprendi que ninguém é dono de ninguém”, diz.

A psicóloga explica que o ambiente proporcionado pela terapia e o fato de os grupos serem abertos, com liberdade de ir e vir, deixa-os seguros para se expressarem, com uma média de conclusão do tratamento que chega a 83%. “É uma taxa excelente. Somos uns dos poucos institutos do tipo a atingir. Passa a resistência inicial e eles começam a entender a importância. Aqui temos um processo de responsabilização, de reconhecimento do comportamento agressivo, de melhora da comunicação e de mudança da cultura machista”, completou Rebeca.

Inscrições para evento na ALMG estão abertas

Até o dia 2 de março, os interessados podem se inscrever para participar do Ciclo de Debates Dia Internacional da Mulher - Mulheres Contra a Violência: Autonomia, Reconhecimento e Participação. Dentre os objetivos do evento, destaca-se a discussão acerca das diversas situações de violência que as mulheres enfrentam no dia a dia, com foco em questões relativas à raça, à orientação sexual, à faixa etária, à situação de privação de liberdade, às mulheres deficientes, às mulheres do campo e da floresta, às quilombolas e às profissionais do sexo. Será abordada também a importância da desconstrução do machismo na sociedade brasileira para o enfrentamento da violência contra a mulher.

Outra discussão será sobre os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha. Além disso, dados do Mapa da Violência 2015 serão analisados, no que diz respeito aos homicídios de mulheres no Brasil, em série histórica, e as suas variações por território, cor/raça e faixa etária, além de informações sobre o atendimento às vítimas de violência, com base nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan) e da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE. 

Mulheres na política - A presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres da ALMG, responsável pela organização do evento, deputada Rosângela Reis (Pros), disse que espera também que os debates passem pela importância da maior participação das mulheres na política brasileira. “A presença de lideranças, autoridades, convidadas e convidados de todo o Estado será de fundamental importância para que tenhamos debates produtivos, de forma que todos possam esclarecer as dúvidas e entender nosso propósito”, destaca.