Fazenda da Prata estaria destinada à reforma agrária
Defensoria Pública solicita que o Poder Judiciário estabeleça espaço de conciliação para solução consensual do caso.
03/11/2015 - 13:28A área do acampamento José Bandeira, localizada na Fazenda da Prata, em Pirapora (Norte de Minas), que valeria cerca de R$ 8 milhões, teria uma dívida fiscal de mais de R$ 45 milhões com a União, que estaria disposta a negociar o débito e destinar o local para a reforma agrária. Entretanto, recente liminar de reintegração de posse, expedida pela Vara Agrária do Estado, estaria dificultando uma solução consensual para a questão. As informações foram expostas durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta terça-feira (3/11/15).
Ocupada em 2003 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Fazenda da Prata tem uma área de 2.937 hectares e se encontrava abandonada há mais de um século. Após sete anos, as famílias foram despejadas, mas a área continuou abandonada por dois anos. Diante disso, em 5 de agosto de 2012, cerca de 180 famílias reocuparam o local, tornando a área novamente produtiva. Porém, nova decisão, expedida pela Vara Agrária do Estado, determina que a fazenda seja desocupada até esta quinta-feira (5). Data a partir da qual a Polícia Militar (PM) poderá iniciar os procedimentos para a desocupação.
Segundo a defensora especializada em Direitos Humanos, coletivos e socioambientais, Ana Cláudia da Silva Alexandre, da Defensoria Pública do Estado (DPE), a situação da área pode ser discutida fora de um processo judicial, sem necessidade de desocupação com uso de força policial. Ela afirmou que os próprios proprietários concordam com a conciliação pedida pela defensoria. A defensora pediu uma intervenção favorável do Estado, e que a Mesa de Diálogo seja novamente convocada e compareça a uma reunião agendada pela PM para esta sexta (6), em Pirapora.
“Neste momento, é importante que outras instâncias públicas favoreçam a tomada de decisões, levando em conta que o interesse público deve prevalecer sobre o privado. O Estado tem obrigação constitucional de proteger a vida e a dignidade das pessoas. A Defensoria já solicitou à presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a suspensão da liminar de reintegração, e também o estabelecimento de um espaço de conciliação, dentro do próprio TJMG, para uma solução consensual. O dinheiro público não pode ser investido para causar injustiça”, declarou a defensora, reafirmando que a dívida dos proprietários com a União é muito superior ao valor da área.
O procurador de Justiça do Ministério Público Estadual (MP-MG), Afonso Henriques de Miranda Teixeira, questionou a decisão da Vara Agrária de Minas Gerais. “De um lado, estão os direitos das 180 famílias - direitos básicos e protegidos pela constituição. De outro lado, interesses privados de um proprietário que tem uma enorme dívida com a União. Eu não consigo entender esta decisão”, afirmou o procurador, colocando o MP à disposição da luta dos moradores do acampamento José Bandeira.
Henrique Victor Pereira, chefe de obtenção de terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), apresentou um histórico sobre a área, lembrando tentativa de acordo com o proprietário. “O grupo detentor do imóvel possui dívidas fiscais com a União e já há processo de execução do débito pela Procuradoria da Fazenda Nacional, a quem o Incra já manifestou interesse em adquirir o terreno para a criação de um projeto de assentamento. Mas não há nada que o Incra possa fazer no curto prazo”, afirmou.
Moradores e movimentos sociais destacam produtividade da área
Geraldo Pires de Oliveira, coordenador Estadual do MST, apontou a situação de abandono em que a área ficou nos dois anos em que os acampados foram retirados. Ele mostrou imagens retratando o abandono, seguidas de outras para registrar o quanto a área mudou positivamente após o retorno das famílias. “A nossa produção é feita com recursos próprios e sem qualquer ajuda governamental, e é responsável pelo abastecimento de várias cidades do entorno”, afirmou.
O representante dos moradores também lembrou que mais de 400 hectares da área ocupada já pertencem à União. Lamentando a ausência de um representante do Governo do Estado, cobrou um posicionamento do Executivo favorável à manutenção do acampamento, e pediu um convênio do Estado com a União para concretizar o direito das famílias àquela terra.
Alexandre Gonçalves, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destacou que a Região Norte é aquela que possui as maiores concentrações de terra do Estado. “Essa decisão é um absurdo, esse juiz pretende expulsar quase mil pessoas para viverem debaixo da ponte. Faz mais de dez anos que o pessoal da região luta pela área. Este juiz é contra pobre e favorável a latifundiário. O Governo do Estado tem de se posicionar contra a desocupação, que é feita pela Polícia Militar”, declarou.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pirapora, Joaquim Nilson Soares Magalhães, disse que a Comissão de Direitos Humanos é foro ideal para debater a questão, uma vez que a decisão da Vara Agrária é um desrespeito a esses direitos. “Contamos muito com os encaminhamentos desta reunião e desta comissão para solucionar o caso”, ponderou.
Deputados, Prefeitura de Pirapora e MDA apoiam acampados
O secretário de Governo da Prefeitura de Pirapora, Marcos Dorival Pereira, afirmou que o município é favorável à continuidade do acampamento. Destacou, ainda, que a situação social de Pirapora é bastante difícil, e a retirada das famílias complicaria ainda mais a realidade da localidade, que já estaria em Estado de Emergência. Encerrou afirmando que a administração municipal não tem condições ou recursos para cumprir a ordem de desocupação.
“Estas pessoas vivem e sobrevivem tirando recursos de seu trabalho, o município tem levado água potável, transporte escolar, e dado todo o apoio para que permaneçam, porque para nós é importante que fiquem. O que vimos na decisão do juiz da Vara Agrária é a defesa de um latifundiário. Estamos preocupados com esta decisão da Justiça Agrária, que é impensada e trará consequências muito danosas não apenas às famílias, mas também ao município de Pirapora”, afirmou o secretário, reiterando o compromisso da prefeitura local em apoiar os trabalhadores rurais.
Posicionamento similar foi apresentado pela delegada federal do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em Minas Gerais, Adriana Veiga Aranha. “É possível um diálogo e não há necessidade de reintegração no próximo dia 5”, declarou, lembrando que a dívida dos proprietários com União supera R$ 45 milhões, enquanto a área vale cerca de R$ 8 milhões. A representante do MDA disse, ainda, que levará um relatório desta reunião ao ministro Patrus Ananias, e que as famílias podem estar certas de que, no que depender do Ministério, inclusive para dialogar com o Governo do Estado, a causa delas tem todo o apoio.
O deputado Professor Neivaldo (PT) também declarou apoio aos acampados e a todos os movimentos pró-reforma agrária. “A produção e organização que vocês mostraram rompe preconceitos e mostra a força dos assentamentos e a importância da reforma agrária”, avaliou. Ponderando sobre a importância de haver sensibilidade dos governantes em relação a essas causas, ele ainda destacou que nos últimos anos houve avanço em relação aos interesse dos trabalhadores e das classes menos favorecidas.
Responsável, com o deputado Rogério Correia (PT), pelo requerimento que originou a audiência, o deputado Doutor Jean Freire (PT) destacou a necessidade de saber ouvir, enfatizando os fóruns do Governo do Estado. “A gente escuta para fazer 'com', e não apenas para, as pessoas. Agir de forma diferente a partir das diferenças. Não é tirar de ninguém, e sim dar ao povo o que lhe é de direito, considerando as desigualdades e peculiaridades das camadas menos favorecidas da sociedade”, refletiu. Ele ainda elogiou a qualidade da produção mostrada nas fotos, afirmando que visitará a fazenda para ver a realidade local de perto.
Por fim, o deputado Jean Freire apresentou vários requerimentos, endereçados a diversos órgãos do Estado, ao Incra, à Fazenda da União e ao MDA, para que sejam tomadas providências em relação à questão.
Violência policial - Lembrando que a PM é um dos atores envolvidos, o deputado Rogério Correia aproveitou para lamentar denúncias em relação ao comportamento da PM, sobretudo durante manifestações de movimentos sociais. Ele, inclusive, apresentou requerimento para debater a questão em audiência pública, com a presença do secretário de Estado de Defesa Social e do comando da corporação. Por fim, recordou a recente oficialização de três assentamentos no âmbito do Estado, destacando que a reforma agrária sempre foi solução. “Onde há reforma agrária, há melhoria na vida das pessoas. Ela é essencial à produção agrícola e garante benefícios a toda a sociedade”, enfatizou o parlamentar.
A deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG) também abordou a violência policial, solicitando que a questão seja mesmo debatida no âmbito da comissão. Ela afirmou que foi testemunha desse comportamento agressivo da PM mineira durante uma manifestação de mulheres realizada no último sábado (31). Abordando a situação do acampamento, a parlamentar disse que é essencial que a comissão trabalhe para impedir a ação de despejo. “A Justiça Agrária se transforma em injustiça agrária. Afinal, todo mundo sabe que os proprietários nunca fizeram nada com aquela terra, que nas mãos das famílias está produtiva. Isto é um absurdo e precisamos lutar contra. Vou levar a questão destas famílias à Câmara Federal”, afirmou a deputada.