Projeto que muda Sisema divide opiniões em audiência na ALMG
Deputados, Executivo e ambientalistas divergem sobre alteração no Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos.
27/10/2015 - 16:53 - Atualizado em 27/10/2015 - 19:56Mudanças na estrutura do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) propostas pelo Projeto de Lei (PL) 2.946/15, do governador, foram discutidas em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião ocorreu nesta terça-feira (27/10/15) e foi promovida pelas Comissões de Administração Pública; Constituição e Justiça; Participação Popular; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Turismo, Indústria, Comércio e Cooperativismo; e Extraordinária das Águas.
Uma das críticas feitas foi com relação ao regime de urgência na tramitação do projeto na Assembleia, processo que foi considerado um meio de afastar a sociedade das discussões sobre a matéria. Parte do público presente no Plenário, onde ocorreu a audiência, pediu a suspensão da tramitação do projeto, que aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por outro lado, entidades como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e o Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra) defenderam a proposição.
Foram autores do requerimento para o debate os deputados João Magalhães (PMDB), Doutor Jean Freire (PT), Cássio Soares (PSD), Dilzon Melo (PTB), Rogério Correia (PT), Inácio Franco (PV), Wander Borges (PSB), Paulo Lamac (PT), Leonídio Bouças (PMDB), João Alberto (PMDB), Isauro Calais (PMN), Cristiano Silveira (PT), Iran Barbosa (PMDB), Antônio Carlos Arantes (PSDB) e a deputada Marília Campos (PT).
O Sisema integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, tendo como órgão central a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Além da Semad, integram o Sisema os seguintes órgãos e entidades: Copam, Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH-MG), Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Instituto Estadual de Florestas (IEF), Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), núcleos de gestão ambiental das demais secretarias de Estado, comitês de bacias hidrográficas e agências de bacias hidrográficas e entidades equiparadas de suas funções.
De acordo com a justificativa encaminhada pelo Executivo, as mudanças propostas no Sisema têm o objetivo de aperfeiçoar seu funcionamento e garantir que as políticas de meio ambiente e de recursos hídricos ocorram de forma articulada, integrada, coordenada, transversal e eficiente. O PL 2.946/15 estabelece ainda que as competências específicas dos órgãos e entidades que compõem o Sisema serão estabelecidas em decreto.
Deputados têm opiniões contrárias com relação ao projeto
O presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Cássio Soares, disse que a comissão tem "condição de discutir a fundo" o projeto de lei. "É necessário um debate profundo sobre a matéria, uma vez que é preciso fazer alterações nas questões administrativas e de licenciamento na Semad", frisou. Segundo ele, os procedimentos estão defasados. "Devemos respeitar a lei ambiental, e nosso parecer sobre o projeto levará em conta a participação da sociedade civil organizada", acrescentou.
A deputada Marília Campos também se mostrou contrária ao regime de urgência dado ao projeto. "Isso não combina com a matéria", acredita. Para ela, é preciso discutir com toda a sociedade de forma democrática. "Queremos uma política ambiental avançada que preserve seu aspecto democrático e que crie um novo modelo de desenvolvimento em Minas Gerais", pontuou.
O deputado Rogério Correia defendeu o projeto por entender ser necessário promover mudanças no Sisema. Sobre o regime de urgência, disse que ele é indiferente a isso, mas sugeriu que a matéria seja aprovada até o fim deste ano. Ele lembrou ainda o novo papel do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), definido pelo projeto. "Vejo um fortalecimento do Copam em vários aspectos, entre eles, com a criação das câmaras técnicas, que abrem mais espaço para as entidades se manifestarem", destacou. Ele ainda afirmou estar disposto a negociar com os interessados mudanças no projeto.
Já Durval Ângelo (PT) lembrou que, nos 12 anos de governo tucano, foi imposto um modelo que não garantiu a preservação ambiental e, ao mesmo tempo, setores do empresariado reclamavam que as licenças demoravam anos para sair. "Isso significa que o sistema estava errado", detectou ele, acrescentando que o Copam nesse processo também não contribuiu para a preservação ambiental. Por isso, Durval defendeu a tramitação do projeto, com os aperfeiçoamentos necessários.
Antônio Carlos Arantes disse que é preciso conciliar produção e preservação ambiental. "Precisamos de desenvolvimento com seriedade e respeito ao meio ambiente, mas preservando a família e os trabalhadores", disse. Em sua opinião, o projeto é importante para o desenvolvimento do Estado. "Lutaremos pela evolução dessa matéria, que é positiva para Minas Gerais", concluiu.
Críticas - Já Antônio Jorge (PPS) criticou a matéria, afirmando que "a área técnica, a sociedade civil e os políticos não podem perder sua primeira instância deliberativa, que é o Copam". Também questionou a desvalorização da Polícia Militar de Meio Ambiente, que estaria embutida na proposta. Segundo o parlamentar, ela seria substituída por uma dita polícia administrativa, ainda a ser criada. "Vamos abrir mão de mais de mil homens que atuam na Polícia Ambiental para criar uma suposta polícia administrativa?", questionou, pedindo a retirada do regime de urgência.
João Leite (PSDB) também criticou a proposição, afirmando que ela lembra o corredor canadense Ben Johnson: "Esse projeto é rápido, mas é viciado". Para ele, além disso, a matéria não atende aos interesses da população. Leite aproveitou para criticar o governador Fernando Pimentel que, quando prefeito, teria lutado para acabar com a área de recarga do Cercadinho, manancial de água no limite entre a Capital e Nova Lima. Na opinião do deputado, o projeto atual vai também nessa linha de desrespeitar o meio ambiente.
Por sua vez, Dilzon Melo declarou que é preciso realmente avançar na área de meio ambiente. Por outro lado, disse que o avanço deve se dar com coerência, melhorias na gestão e descentralização de poder. "E por que não melhora? Porque estão retirando a polícia ambiental do Sisema? É para jogar para as cobras o que funciona? Onde este governo quer chegar?", indagou, acrescentando que está aberto à discussão para aperfeiçoar a proposta.
CCJ deve apresentar substitutivo à proposição
O deputado Sargento Rodrigues (PDT) também criticou o regime de urgência. "Com isso, não se consegue ouvir a opinião da população", acredita. Ele disse ser contrário à extinção da função de fiscalização da Polícia Ambiental, e lembrou que o projeto "centraliza no Executivo as decisões sobre o meio ambiente".
Para Iran Barbosa, o Sisema precisa, sim, de uma reforma, mas que isso não signifique a flexibilização total da lei. "É preciso criar um sistema no qual a responsabilização seja clara e objetiva. Não podemos também excluir a população do processo de licenciamento", destacou.
Leonídio Bouças, relator do projeto na CCJ, disse que a comissão vai apresentar um substitutivo à proposição. "Haverá adequação do texto do projeto às técnicas legislativas de forma a eliminar redundâncias e repetições. Entre outras coisas, o substitutivo tratará de definições de competência de órgãos do meio ambiente e não haverá a retirada das atribuições da polícia ambiental", contou.
Ao final dos debates, João Magalhães parabenizou a todos pela importância da audiência. "Foi um debate de alto nível, com respeito, o que garantiu que um tema espinhoso fosse tratado de maneira equilibrada", resumiu. Também estiveram presentes na reunião os deputados Fabiano Tolentino (PPS), Douglas Melo (PSC), Cabo Júlio (PMDB), Bosco (PTdoB) e Professor Neivaldo (PT).
Promotor teme esvaziamento do Copam
O promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, disse que o PL 2.946/15 é "um projeto de lei em branco". Para ele, "é impossível saber o que se quer com a matéria e quais serão os rumos da nossa política ambiental do Estado caso a proposição seja aprovada". Segundo Carlos Eduardo, a exclusão da Polícia Militar de Meio Ambiente do rol de integrantes do Sisema, que estaria previsto no projeto, causará enorme prejuízo ao meio ambiente. "A retirada de poder da polícia fará com que ela deixe de autuar", salientou.
De acordo com o promotor, o projeto traz, ainda, um esvaziamento do Copam, ao centralizar o processo de licenciamento ambiental na Semad. "É o ponto mais crítico. O Copam é uma das poucas coisas boas do nosso Sisema. Se o projeto for aprovado da forma como está, corremos risco de haver a judicialização do processo de licenciamento. Não podemos retroceder na legislação ambiental", concluiu.
O diretor de Meio Ambiente e Trânsito da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, coronel PM Idzel Mafra Fagundes, disse que o projeto também inviabiliza qualquer tipo de convênio da PM com a Semad. "Entendemos, no entanto, que a PM deva continuar sendo parte do Sisema. Se a matéria for aprovada, deixaremos de atuar na parte de fiscalização ambiental", criticou.
O coronel citou dados do trabalho feito pelo órgão em 2015, até o mês de agosto. "Foram 75 mil fiscalizações referentes à flora, à fauna, aos recursos hídricos, às atividades poluidoras, entre outras", pontuou. Segundo o representante da PM, 22 mil denúncias ambientais foram atendidas esse ano. "Do Ministério Público, atendemos quatro mil requisições. Até agosto, as multas somaram R$ 65 milhões. Também foram presas por crime ambiental 2.300 pessoas em 2015 e recolhemos até agosto 13 mil animais", salientou.
Licenciamento burocrático também é alvo de críticas
O gerente de Meio Ambiente da Fiemg, Wagner Soares Costa, destacou que o licenciamento ambiental em Minas tem sido lembrado em eventos nacionais como sendo burocrático, de baixa qualidade técnica e com total falta de regras. "O que se vê são processos aprovados com centenas de condicionantes ditas ambientais, mas que na verdade não são", criticou. Segundo ele, o projeto que altera o Sisema "está indicando o caminho, e não é o problema".
Wagner Soares disse que é preciso assumir que o processo de licenciamento ambiental no Estado é péssimo. "São mais de dois mil processos parados. Não é questão de defender o projeto em si, mas há uma necessidade urgente de se fazer algo", pontuou. Ele disse, ainda, que o regime de urgência concedido ao projeto de lei não altera o debate. "Podem ter audiências e consultas, isso não impede discussões, mas exige assertividade nos debates", defendeu.
O assessor especial da presidência da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Marcos de Abreu e Silva, disse que a burocracia ambiental prejudica o produtor rural. "Vemos o projeto como grande possibilidade de destravar esse processo", afirmou. O assessor da presidência da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Eduardo Nascimento, por outro lado, criticou o projeto. "Não é questão de se agilizar ou não o licenciamento ambiental, estamos aqui para discutir política ambiental, modelo de desenvolvimento. Nós temos que sair da idade da pedra, parar de dinamitar rocha e desviar rio para produzir energia elétrica", pontuou.
Eduardo Nascimento disse que, como conselheiro do Copam, é preciso mudar a metodologia e a forma do licenciamento ambiental. Ele também criticou o regime de urgência de tramitação do projeto na ALMG. "Mantenham a autonomia do Legislativo. Governabilidade se constrói com a sociedade. Se retirar o regime de urgência, vai ter algum debate", frisou. Ele pediu, ainda, a suspensão da tramitação, para o projeto voltar ao Governo. "A matéria tem que ser discutida no Copam e nos comitês de bacias, para receber as contribuições", acredita.
Apagão ambiental – Na opinião do assessor para Relações Institucionais do Ibram e do Sindiextra, Luís Márcio Viana, atualmente, há um "apagão" na questão ambiental do Estado. "As licenças ambientais para mineração se encontram paralisadas", afirmou. Ele disse que, com a aprovação do projeto de lei que muda o Sisema, espera-se que o licenciamento ambiental volte a ter como espírito principal a questão técnica. Luís Viana acredita que a audiência pública foi importante, pois todas as partes interessadas podem discutir a matéria. "À mineração, que quer ser competitiva e ter relevância social, interessa ser o setor da indústria mais ajustado às questões ambientais", acrescentou.
A superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, criticou a proposição. "Um projeto como esse prioriza o desenvolvimento a qualquer custo. Se o Sisema está em crise, a crise é estrutural", afirmou. O presidente da Associação Sindical dos Servidores do Estado do Meio Ambiente, Adriano Tostes de Macedo, também pediu a suspensão da tramitação ou do regime de urgência do projeto de lei. "Queremos que as discussões sejam mais técnicas e aprofundadas", salientou. O coordenador do Projeto Manuelzão, Marcus vinicius Polignano, também se disse contrário ao PL. "Não podemos pensar que vamos recuperar o meio ambiente com um projeto desse", afirmou. Ele também criticou o regime de urgência do projeto.
Secretário de Meio Ambiente rebate questões discutidas
O titular da Semad, o deputado licenciado Luiz Sávio de Souza Cruz, rebateu algumas questões levantadas durante a reunião. "Algumas medidas que foram atacadas na audiência sequer constam do projeto de lei", pontuou. Sobre a exclusão da atuação da polícia ambiental, ele também disse ser contrário à medida. "Queremos que ela continue operando. A nossa dúvida é: se a Polícia Ambiental atualmente integra o Sisema, como é que para prestar o serviço é necessário fazer convênio e receber por isso?", questionou. "Se houver o entendimento de que, para prestar serviço ambiental, a polícia tenha que continuar no Sisema, que ela fique, então", acrescentou.
Ao contrário do que foi dito por convidados da reunião, o secretário afirmou que o projeto fortalece o Copam. "A recriação das Câmaras Técnicas fortalece o Conselho ao dar a ele mais consistência técnica, sem perder pluralidade e transparência", afirmou. A ideia, segundo ele, é credenciar ainda mais o Copam diante da opinião pública.
Sobre o regime de urgência do projeto, ele disse que não foi ele quem pediu e, portanto, não é ele quem deve pedir para tirar. "O importante é que o projeto que vai sair da ALMG será a média das opiniões dos 77 deputados, além da opinião da sociedade, o que é muito mais democrático do que impor as mudanças via lei delegada, como foi feito na área ambiental durante os últimos 12 anos de gestão no governo do Estado", destacou.
Por fim, o secretário criticou o estado em que encontrou o Sisema e a Semad quando assumiu seu atual cargo. "Nosso diagnóstico é que estamos em colapso e precisamos mudar. Descobri que a secretaria que assumi vem concedendo 'mal e porcamente' licenças ambientais", concluiu.