Cerca de 15 mil famílias vivem há décadas com o sentimento de insegurança por não terem o documento de posse de seus imóveis
O deputado Ivair Nogueira recebeu uma lista de reivindicações dos moradores da região

Lideranças se mobilizam por regularização fundiária em Betim

Audiência da Comissão de Assuntos Municipais reforça importância de luta histórica de ex-colônia de hansenianos.

28/09/2015 - 17:03 - Atualizado em 28/09/2015 - 17:27

O início de uma grande mobilização pela regularização fundiária de centenas de imóveis situados ao redor da Colônia Santa Izabel, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Assim pode ser definida a audiência pública da Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta segunda-feira (28/9/15), no Cine Teatro Glória, marco histórico na luta dos hansenianos e de seus familiares contra o preconceito e por melhores condições de vida.

Cerca de 15 mil famílias que atualmente residem nos bairros Sol Nascente, Alto Boa Vista, Monte Calvário, Cruzeiro e na própria Colônia Santa Isabel, todos na região de Citrolândia, em Betim, vivem há décadas com o sentimento de insegurança por não terem o documento de posse de seus imóveis, já que os terrenos pertencem à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

A origem do problema remonta à criação da Colônia Santa Izabel, em 1931, criada para isolar e tratar os portadores de hanseníase, doença infectocontagiosa causada por uma bactéria que, em seus estágios mais avançados, provoca mutilações. Apesar de contar com uma grande infraestrutura, inclusive um cinema, em muitos aspectos, a Colônia Santa Izabel se assemelhava a uma prisão, já que os internos eram mantidos sob constante vigilância, proibidos de ir e vir em virtude do temor das autoridades sanitárias de disseminar a doença. Em 1937, o local chegou a abrigar 3.886 pacientes, a maioria trazida à força de seus lares e isolada de seus familiares.

Diante desse quadro e com as dificuldades de locomoção da época, muitas famílias se mudaram para a região para ficar mais perto dos pacientes, construindo suas casas no entorno dos muros e depois, com a abertura do espaço, até mesmo dentro deles. Com a evolução do tratamento da hanseníase para a cura completa, a colônia foi oficialmente aberta em 1984 e esse movimento se intensificou ainda mais, sempre à margem da lei.

Fhemig - A Casa de Saúde Santa Izabel é hoje um complexo de reabilitação e cuidado ao idoso, fundado em 1988 e pertencente à rede Fhemig. Além do preconceito, os moradores, muitos deles ex-pacientes e seus descendentes, lutam também pelo reconhecimento do seu vínculo com a região, já que algumas famílias vivem ali há décadas, conforme ressaltou o deputado Ivair Nogueira, autor do requerimento para a audiência pública.

“Nosso objetivo é unir os esforços da Assembleia, do Governo do Estado, por meio da Fhemig, e da Prefeitura de Betim para resolvermos de vez a questão. É importante que os moradores tenham o direito de serem ouvidos para que busquemos o melhor caminho legal para solucionar o caso. Esse é um antigo sonho dos moradores e, como ex-prefeito de Betim, tenho um carinho muito grande por toda essa região”, afirmou o parlamentar.

O vice-presidente da Fhemig, Paulo Tarcísio Pinheiro da Silva, informou que já há um grupo de trabalho da Fhemig discutindo o assunto, que também tem sido tratado em uma série de fóruns que a instituição está realizando nas quatro ex-colônias de hansenianos no Estado, atualmente unidades hospitalares da instituição. Além de Betim, há unidades semelhantes da Fhemig em Ubá (Zona da Mata), Três Corações (Sul de Minas) e Bambuí (Centro-Oeste).

Projeto de lei - Em Betim, o fórum foi realizado na semana passada, também no Cine Teatro Glória. O último deles será nesta terça-feira (29), em Ubá. Está previsto ainda um encerramento dessas discussões em um seminário até o final do ano, quando devem ser divulgadas as ações que serão tomadas pela direção da Fhemig. A expectativa dos moradores é de que o trabalho convença o Executivo a elaborar um projeto de lei que regularize finalmente a situação fundiária da região.

“É por meio desse processo participativo que vamos decidir o melhor caminho a tomar”, definiu o dirigente da Fhemig. Também representando a Fhemig no debate, Júlio César Pinto, procurador e assessor da Presidência, reforçou a importância do envolvimento do Parlamento mineiro em apoio a esse grupo de trabalho, que tem sob sua responsabilidade várias questões ligadas ao funcionamento das ex-colônias, sendo a questão fundiária apenas uma delas.

“Vai chegar um momento desse trabalho que vamos precisar aprovar na Assembleia um conjunto de leis que aborde questões como patrimônio histórico, meio ambiente e ainda a questão social, incluindo a regularização fundiária”, ressaltou Júlio Pinto.

Situação semelhante em Barbacena já teria sido resolvida

O presidente da Associação de Moradores da Colônia Santa Izabel, Hélio Aparecido Dutra, entregou a Ivair Nogueira uma lista de reivindicações dos moradores da região, oriunda do fórum promovido pela Fhemig, tendo como principal proposta a regularização fundiária.

“O governador precisa tomar conhecimento da nossa situação e enviar um projeto à Assembleia para resolver o problema. O que o governador decidir, a Fhemig vai fazer. Em Barbacena, havia uma situação semelhante com relação às famílias dos doentes (pacientes com sofrimento mental) e, no ano passado, eles conseguiram resolver. Precisamos resolver tudo aqui também”, apontou. Recentemente, segundo Hélio Dutra, uma creche deixou de se instalar na região pela falta de um imóvel com a documentação em ordem.

“A Assembleia quer ser uma aliada dos moradores na luta para garantir a segurança jurídica dos imóveis. Isso representará mais dignidade e respeito aos moradores, que há décadas e décadas vivem na incerteza. Mas o novo governador e a nova direção da Fhemig terão mais disposição de resolver a questão”, reforçou o chefe de gabinete do deputado Geraldo Pimenta (PCdoB), Augusto Vianna.

Já o superintendente da Defesa Civil de Betim, José Coelho Ribeiro, também morador da região, ressaltou que o envolvimento da Assembleia dará mais legitimidade à causa. “Vamos seguir agora por um caminho diferente para ter sucesso. O documento do imóvel será uma garantia de que aquele bem representará a segurança da família”, reforçou. Ele apontou ainda que a regularização fundiária também ajudará a coibir as inúmeras invasões de terras públicas que têm acontecido na região, por parte de pessoas que não têm nenhum vínculo com a Colônia Santa Izabel.

Os representantes de outras instituições municipais e de órgãos da Prefeitura de Betim presentes na reunião também hipotecaram apoio à mobilização. O chefe da Divisão de Projetos e Programas da Superintendência de Habitação da Prefeitura de Betim, Tiago Duarte, informou que já existe um estudo em andamento para facilitar o processo quando o Executivo estadual resolver implementá-lo.

Uso positivo - “Quem veio para cá não veio por vontade própria, foi arrancado da família. Temos que valorizar essa gente humilde que merece a dignidade de uma casa própria. Defendemos o uso positivo dessas terras por quem de direito. Por enquanto, os moradores daqui só ganharam uma cadeia”, lamentou o diretor da Casa de Saúde Santa Izabel, Getúlio Ferreira de Morais, em alusão a um presídio instalado no município vizinho de São Joaquim de Bicas.

Aliás, no município vizinho a Betim também há terras da Fhemig que estão sendo alvo de invasões. “Já discutimos o assunto com a direção da Fhemig, que admitiu não ter planos para os terrenos, nem condições de fiscalizar. E o município também não tem condições de fazer nada porque a área não pertence a ele”, denunciou o vereador de São Joaquim de Bicas, Aécio Pinto Rodrigues.

Consulte o resultado da reunião.