Orientação especializada reduz número de ações judiciais
Autoridades alertam que falta de conhecimento sobre sistema de saúde faz com que qualquer demanda seja levada à Justiça.
14/09/2015 - 20:15 - Atualizado em 15/09/2015 - 10:47No dia a dia, um juiz precisa tomar decisões que podem mudar a vida das pessoas. Quando estão em pauta ações relacionadas à saúde, então, liminares e sentenças podem, literalmente, ser questão de vida ou morte. Se parece impossível sempre fazer as escolhas mais corretas, algumas medidas podem indicar o melhor caminho a ser seguido. Com esse propósito, tribunais e órgãos da Justiça têm investido na criação de comitês especializados para orientar os magistrados na análise de ações que pretendem garantir medicamentos ou tratamentos médicos negados pelo poder público ou por um plano particular de assistência.
A experiência exitosa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) foi apresentada pelo juiz João Baptista Galhardo Júnior, membro do Comitê Estadual de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, durante o Ciclo de Debates Judicialização da Saúde, promovido nesta segunda-feira (14/9/15) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Segundo o magistrado, com a criação de câmaras técnicas de apoio aos juízes, o TJSP registrou uma redução de 80% das demandas por medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Os pacientes têm os seus direitos reconhecidos sem escancarar os cofres públicos”, afirmou.
Galhardo Júnior foi um dos pioneiros na criação de uma câmara técnica para fornecer mais informações sobre as solicitações recebidas. Ao se transferir para a Vara de Fazenda Pública, ele se assustou com o número de ações que cobravam um posicionamento urgente do juiz para que o paciente não viesse a falecer.
Com a orientação de médicos e farmacêuticos, percebeu que havia muitas distorções. Remédios tidos como imprescindíveis podiam ser substituídos por outros fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS); tratamentos recomendados como a única solução, em alguns casos, nem sequer eram os mais adequados.
Formulários para análise de pedido de liminar de fornecimento de medicamentos são avaliados pelas câmaras técnicas, que respondem se o caso é urgente, se há alternativa para o tratamento, se existem remédios genéricos semelhantes ou outra possibilidade de atenção ao problema. Assim, muitas questões são resolvidas administrativamente. Para o magistrado, a multiplicação das câmaras pelo Estado é a principal responsável pela drástica redução das demandas judiciais por medicamentos em São Paulo.
Atendimento especializado – Em Minas Gerais, a Defensoria Pública realiza trabalho semelhante, com a criação de um atendimento especializado em saúde, em 2011. Conforme explicou o defensor Bruno Barcala Reis durante o ciclo de debates, o cidadão que procura o órgão é cadastrado em um sistema eletrônico, faz uma entrevista com um defensor, expondo suas reivindicações, e farmacêuticos avaliam essas solicitações.
A partir daí, existem três caminhos. Se o medicamento pedido não constar na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), o paciente volta ao médico para a análise da viabilidade de um outro remédio. Se existe a necessidade de internação ou consulta médica, os farmacêuticos e os defensores buscam uma solução administrativa. Caso o medicamento ou pleito imprescídivel não tenha como ser oferecido pelo SUS, os defensores iniciam o processo judicial.
Para Barcala Reis, além de evitar a judicialização desnecessária, o atendimento direciona de forma adequada o cidadão, uma rede de contatos com gestores da saúde é formada e a instrução das ações passa a ser mais qualificada, com informações prestadas pelos farmacêuticos. Com esse trabalho, a Defensoria Pública tem conseguido resolver administrativamente ao menos 20% das demandas que recebe.
“O defensor deve resguardar o direito do usuário, compreender o efeito social da ação que propõe”, definiu o representante da seção Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) no debate, Tadahiro Tsubouchi.
Ele também criticou municípios, Estados e a União pela inércia. Na sua opinião, eles se aproveitam da responsabilidade compartilhada entre as três esferas de governo na saúde para sempre esperar que o outro dê o primeiro passo, argumentando que parte da obrigação cabe aos demais entes da federação. “Os serviços públicos são organizados de modo a evitar a duplicidade de meios para os mesmos fins. Cada um tem sua responsabilidade”, disse.
Judicialização também é consequência de maior acesso à Justiça
Apesar dos excessos presentes em algumas ações judiciais, que não precisam sobrecarregar a Justiça para serem resolvidas, o defensor Bruno Barcala Reis destacou o lado positivo da maior procura por medicamentos pela população. Segundo ele, o maior acesso à informação e orientação, assim como a repercussão da conquista de direitos nos tribunais, levou ao aumento da judicialização. “O sistema de saúde ainda não contempla tudo o que é necessário, apesar de ter evoluído. Quando não há outra solução disponível, é necessária a judicialização responsável”, explicou.
Na mesma linha, o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, promotor Gilmar de Assis, creditou o fenômeno da judicialização ao fato de o cidadão estar se descobrindo como sujeito de direitos. “Não dá para reduzir o princípio do acesso à Justiça; não há Estado Democrático de Direito sem ele”, comentou.
De acordo com o promotor, o cidadão procura a Justiça ao se deparar com um sistema falho, que tem seus problemas agravados pelo subfinanciamento do setor. Como exemplo da má gestão da saúde, ele citou a Emenda à Constituição 86, de 2015, que definiu que o valor mínimo a ser aplicado pela União na área deve ser de até 15% da receita corrente líquida – o que pode retirar cerca de R$ 30 bilhões da saúde, ao não usar a receita corrente bruta como parâmetro –, e o Orçamento proposto pelo Governo Federal para 2016, que prevê um corte de R$ 9 bilhões na verba destinada ao setor.
Encerrando sua participação, Gilmar de Assis propôs algumas ações para que as deficiências da saúde púbica sejam amenizadas. Entre elas, o empenho do poder público na prevenção e promoção da saúde e a prioridade, por parte do Ministério Público, de ação na tutela coletiva da saúde pública, uma vez que o perfil individualista da maioria das demandas judiciais contribui para a morosidade da Justiça e a prestação de serviços de forma desigual.
Programação - Os palestrantes participaram do painel "O direito à saúde e a atuação do sistema de Justiça". A programação do ciclo de debates prossegue nesta terça-feira (15), com painéis pela manhã e à tarde.