Norte de Minas enfrenta agravamento da crise hídrica
Redução dos índices de chuvas em 60% no último ano levou à diminuição da vazão dos principais rios da região.
30/06/2015 - 18:18 - Atualizado em 01/07/2015 - 12:18A escassez de água, que sempre foi uma realidade no Norte de Minas, fez de Montes Claros o município escolhido para iniciar os trabalhos do Seminário Legislativo Águas de Minas III – Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade, que vai percorrer outras oito cidades do Estado. Durante o encontro, iniciado na manhã desta terça-feira (30/6/15), foram apresentados dados que mostram o agravamento da crise hídrica na região e obstáculos para resolver o problema. O seminário é uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Duas das bacias hidrográficas mais importantes da região de Montes Claros, a Jequitaí-Bacuí e a Verde Grande, tiveram uma redução do índice de chuvas de cerca de 60% no último ano. A informação foi apresentada pelo coordenador do núcleo operacional regional do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Rafael Alexandre Sá.
Outras bacias importantes também teriam recebido poucas chuvas – a bacia do Médio São Francisco teria registrado uma redução de 40% no último ano, enquanto o Paracatu teria verificado uma diminuição de 50%. Segundo ele, esse foi um dos motivos para o agravamento da crise hídrica na região, que estaria sendo sentida especialmente pelos agricultores locais.
“De 2014 para 2015, entramos em uma época de grandes dificuldades, que com certeza vai continuar em 2016. Dificuldades que se traduzem pelo grande volume de rios e córregos já secos, pelas águas escassas dos poços artesianos e lençóis freáticos”, disse o deputado Carlos Pimenta (PDT). Ele ressaltou que é preciso revitalizar os rios e tirar do papel projetos de barragens que podem garantir o aproveitamento das águas que caem em abundância em alguns períodos do ano.
Legislação mineira é considerada inadequada
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Verde Grande, João Ezequiel Filho, disse que a atual legislação ambiental mineira é mais restrita que a de outros Estados e dificulta a execução de projetos que poderiam amenizar a crise hídrica. “Se não flexibilizarmos a legislação, esses problemas não serão resolvidos. Até para fazer uma pequena barragem na sua propriedade, é difícil”, disse.
João Ezequiel exemplificou dizendo que várias lagoas que alimentam rios e tiveram seus drenos ampliados pela atuação de pescadores ao longo dos anos poderiam ser parte da solução, se esses drenos fossem reduzidos novamente para que as lagoas armazenassem mais água. “Mas não se pode fazer isso, pois o nível da água subiria e prejudicaria algumas árvores”, afirmou.
O secretário de Estado de Integração e Desenvolvimento do Norte de Minas, Paulo Guedes, concordou sobre a necessidade de alterar a legislação ambiental, que, na sua avaliação, tem prejudicado a região. Ele citou a lei do ICMS Ecológico, que seria calculado com bases em números que ele não considera adequados, gerando distorções.
Segundo Paulo Guedes, o município de Januária recebe do Governo do Estado 10% de R$ 0,1 por hectare do Parque Água Pandeiros, que ele chamou de “berçário do Rio São Francisco”, ao mesmo tempo em que municípios do Sul do Estado, mais ricos, chegariam a receber mais de R$ 400 por hectare de alguns dos seus parques. “A agenda ambiental tem sido perversa com o Norte de Minas”, disse.
Alerta - O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica Jequitaí-Jacuí, Robson Rafael Andrade, destacou que é preciso resolver o problema do barramento da Caatinga, em Bocaiuva. Segundo ele, o barramento foi construído na década de 1970 e corre risco de rompimento. “Todos os órgãos do governo já estiveram lá, mas ninguém assume a responsabilidade de fazer uma interferência. Não temos a dimensão do acidente que será esse rompimento”, afirmou.
Aproveitar água da chuva é uma das alternativas
Aproveitar a água da chuva deveria ser, na opinião do prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, umas das prioridades. “Nossa região é seca, mas chove durante quatro meses do ano, e nós perdemos toda essa água. Por isso, é importante retomar a construção das barraginhas”, disse. Ele também destacou que é importante revitalizar bacias hidrográficas, proteger nascentes e investir em saneamento básico.
Segundo o prefeito, a água que sai da barragem Verde Grande para abastecer Montes Claros tem uma perda de 45% de água. Ele defendeu a redução drástica dessa perda e destacou que a Agência Reguladora dos Serviços de Água e Saneamento (Arsae-MG) não conseguiria fiscalizar todos os municípios mineiros. Por isso, ele defendeu a criação de agências reguladoras municipais. Segundo ele, uma dessas agências já estará em funcionamento em Montes Claros no próximo mês.
O deputado Gil Pereira (PP) disse que o grande gargalo é a falta de recursos. "Em Extrema, as pessoas são pagas para cuidar das nascentes, para produzir água. Esse tipo de iniciativa é essencial, mas é preciso ter recursos”, disse.
O deputado Leandro Genaro (PSB), que presidiu o encontro, leu pronunciamento do presidente da ALMG, deputado Adalclever Lopes (PMDB), em que destaca a importância de se avaliar a implementação das leis estaduais relativas ao uso da água e do saneamento. O pronunciamento também ressaltou a importância de se garantir a segurança hídrica e de se estimular a educação ambiental.
Cidadania Ribeirinha – O coordenador do projeto Cidadania Ribeirinha, Márcio Santos, apresentou o projeto, que vem sendo realizado desde 2012 pela ALMG. Voltado para a educação ambiental, o projeto trabalha com estudantes do ensino médio, lideranças comunitárias, garis e vários outros públicos de municípios mineiros localizados na Bacia do Rio São Francisco.
Grupos de trabalho discutem propostas de políticas públicas
À tarde, os participantes do encontro se reuniram em grupos de trabalho para discutir soluções para questões relacionadas ao uso sustentável da água. Muitas das propostas apresentadas em Montes Claros levam em consideração a cultura local. É o caso da proposta que pede que as práticas tradicionais dos vazanteiros, geraizeiros e outras populações tradicionais sejam levadas em consideração para os licenciamentos ambientais. Outro item aprovado pede a reativação do Núcleo de Pesquisa de Tecnologia de Gestão e Convivência com a Seca do Semiárido Mineiro, com a criação de linhas de fomento pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e pelo Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro).
Outra sugestão aprovada pede o fim da implantação da atividade minerária a céu aberto, que demanda grande quantidade de água, na região semiárida. Também foi solicitada a criação de um sistema estadual de cadastramento, proteção e monitoramento das nascentes intermitentes e perenes de Minas Gerais. Outra proposta pede a criação de uma lei diferenciada para plantio de eucalipto, com aumento da área de preservação permanente e uso de córregos e veredas como corredores ecológicos para proteção da fauna e da flora do cerrado mineiro.
Essas propostas serão colocadas em discussão na etapa final do seminário legislativo, que acontece entre 29 de setembro e 2 de outubro na ALMG. No fim do encontro regional, os presentes votaram em 12 representantes, quatro do poder público e oito da sociedade civil, que irão à Capital defender as propostas do Norte de Minas. As propostas aprovadas em Belo Horizonte poderão ser transformadas em projetos de lei.
Consulte o documento final do encontro regional de Montes Claros.