Reforma política pode corrigir desvantagem feminina
Avaliação é de participantes de evento sobre igualdade de gênero realizado em Uberlândia nesta sexta-feira (29).
29/05/2015 - 14:56 - Atualizado em 29/05/2015 - 17:46Para a doutoranda do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Larissa Peixoto Gomes, a pouca participação feminina na política não pode ser justificada pela falta de interesse desse público em ocupar espaços de poder. Para ela, é necessário compreender a relação de poder e de dominação à qual a mulher está submetida há anos e, nesse sentido, uma reforma política poderia ser uma forma de corrigir os obstáculos existentes. A doutoranda foi uma das palestrantes da reunião regional do Ciclo de Debates Reforma Política, Igualdade de Gênero e Participação: o que querem as mulheres de Minas, realizada em Uberlândia (Triângulo Mineiro) nesta sexta-feira (29/5/15) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Para explicar o contexto histórico da discriminação à mulher na política, a pesquisadora lembrou que somente a partir de 1932 as mulheres tiveram garantido o seu direito a participar do espaço político institucional, por meio do voto, e apenas na década de 1960 foi eleita a primeira mulher mineira.
Ainda na avaliação da pesquisadora, as cotas definidas pelo sistema eleitoral brasileiro para garantir a participação feminina na política não são uma vantagem, como muitos apontam, mas sim a correção de uma desvantagem sofrida pelas mulheres. Para ela, seria interessante “inverter a lógica” e pensar em uma cota máxima para os homens. “Tem muito homem pouco qualificado pegando as vagas de mulheres muito qualificadas”, ressaltou.
Ainda de acordo com Larissa Gomes, as cotas para mulheres não têm sido cumpridas, havendo também um desinteresse dos partidos, que, segundo ela, não estariam trabalhando ativamente para o preenchimento das candidaturas femininas.
Em 1997, com a Lei das Eleições (Lei Federal 9.504), foi criada a reserva de vagas para a participação feminina nos cargos proporcionais: deputado federal, estadual e distrital e vereador. Em 2009, com a Lei Federal 12.034, os partidos e coligações foram obrigados a reservar pelo menos 30% das candidaturas para mulheres. Essa lei prevê, ainda, que os partidos devem “promover e difundir a participação política feminina”, dedicando a elas o mínimo de 10% do seu tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV.
Visibilidade - Larissa Gomes também apontou que nas últimas eleições para deputado estadual em Minas Gerais, o candidato mais votado foi um homem, que gastou R$ 300 mil a menos do que a mulher mais votada, que, por sua vez, ficou em 17° lugar. “Ele gastou R$ 14 por voto e ela, R$ 34. Mesmo as mulheres que conseguem arrecadar mais dinheiro, gastam muito mais por voto. E elas simplesmente não conseguem a mesma visibilidade que os homens”, considerou.
Como ferramentas para estimular a participação feminina, especialmente no âmbito municipal, ela sugeriu a mudança nos currículos escolares ou a criação de escolas do legislativo nas câmaras municipais, de forma a educar as crianças sobre o fato de que a política pode ser exercida por homens e mulheres. Larissa Gomes também frisou a importância da representação feminina nas mesas diretoras das casas legislativas, do compromisso e da garantia partidária na divisão igualitária do fundo partidário, além da realização de campanhas eleitorais conjuntas das candidatas.
Representatividade - Ao falar sobre a definição do sistema eleitoral, Larissa Gomes também pontuou que a atual representação proporcional facilita o acesso das minorias à política, enquanto a proposta de voto distrital incentiva o coronelismo. Ainda de acordo com a pesquisadora, as minorias não se encontram geograficamente localizadas e o voto distrital representaria um local geográfico, não um grupo, ideia ou demanda.
Segundo ela, pesquisas da área da ciência política vêm mostrando que a combinação mais fácil e efetiva para a entrada das mulheres na política é a representação proporcional, com lista fechada (lista definida pelo partido político, com o eleitor votando no partido, e não no candidato) e alternância de gênero. Além disso, o financiamento público também seria a melhor maneira de garantir a igualdade no âmbito político, na sua opinião.
Lideranças femininas reclamam de discriminação
A superintendente da Mulher da Prefeitura de Uberlândia, Marli Anastácio de Freitas Silva, falou da sua experiência como candidata a vereadora nas últimas eleições e disse que, na ocasião, pôde perceber a discriminação sofrida pelas mulheres nos espaços políticos. Segundo ela, não há um planejamento que respeite as particularidades e dificuldades do segmento feminino para ocupar o espaço público. "As pessoas esquecem que somos esposas, mães, chefes de família e que não podemos deixar tudo de lado para enfrentar a exaustiva maratona de uma campanha”, defendeu.
Ao falar sobre o sistema de cotas, ela disse que nas últimas eleições, Uberlândia conseguiu atingir o percentual mínimo de candidaturas por gênero (foram 32% de candidatas mulheres contra 68% de homens). Apesar disso, segundo ela, a Câmara Municipal é composta por apenas quatro vereadoras e 23 vereadores.
Marli Silva também criticou a falta de planejamento e de investimento político nas mulheres, no que se refere ao acesso aos recursos do fundo partidário. Por fim, ela lamentou a falta de aceitação que as mulheres enfrentam com relação às suas propostas.
Para a assessora da Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia, Elzimar Maria Domingues, a mulher quer o que lhe foi negado há séculos, que é o poder nos espaços políticos. A assessora, que também defendeu a política de cotas por gênero, considerou que esse capital político foi acumulado até agora pelos homens, não por falta de capacidade feminina, mas sim de oportunidade. Ela criticou a baixa representação feminina nos espaços políticos, bem como as diferenças salariais entre homens e mulheres e as dificuldades encontradas pelas mulheres negras.
Debates - Na fase de debates, a cacique Kaun Poti Guarani falou sobre a discriminação sofrida pelas índias, que não têm definido o seu espaço de participação e oportunidade. “Meu maior sonho é ter uma carteira assinada, que eu nunca tive”, desabafou Kaun Poti, que foi a primeira cacique mineira (atualmente existem apenas duas) e representa 70 famílias indígenas de Uberlândia. Ela ainda considerou que, por ser idosa e analfabeta, além de mulher e índia, sofre mais dificuldades para ter seus direitos garantidos. “Quero ser respeitada como legítima cidadã brasileira”, disse.
Deputados e autoridades também defendem mais mulheres na política
A deputada Rosângela Reis (Pros), que é presidente da Comissão Extraordinária das Mulheres da ALMG, externou a preocupação da bancada de mulheres em discutir uma pauta para o segmento. “É uma questão de direito, de trabalharmos a cidadania das mulheres, para que elas possam ocupar os espaços de poder”, explicou. Ainda segundo a deputada, a grande preocupação no movimento da reforma política é que se abra espaço para o público feminino e que os partidos políticos possam apoiar essa luta, já que a realidade hoje é marcada pela dificuldade feminina de fazer suas campanhas. “Queremos uma frente de mulheres que venha a contribuir com o crescimento de Minas Gerais”, disse.
A deputada também reforçou a importância da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 16/15, que assegura a participação de deputadas na composição da Mesa da ALMG. “Hoje na ALMG, de 77 vagas, somos apenas sete mulheres. É um mundo ainda muito dominado pelos homens”, disse.
O deputado Leonídio Bouças (PMDB) disse que existem muitas mulheres, em diversas áreas de atuação, que participam da vida do País de maneira decisiva. Segundo ele, apenas na poliítca essa participação ainda não é ampla. “Temos que fazer esse chamado permanente. Precisamos estimular mais mulheres a terem a vontade de participar da politica, como elas participam em todos os outros setores da sociedade”, disse. O deputado lembrou que essa desigualdade da participação feminina na política pode ser comprovada pelo fato de que o segmento não ocupa o percentual mínimo de 30% de candidaturas nas eleições, conforme prevê a legislação.
O deputado Professor Neivaldo (PT) lembrou que a pouca representatividade feminina pode ser demonstrada pelo fato de que no Senado Federal, dos 81 senadores, apenas 12 são mulheres. Na Câmara dos Deputados, 51 cadeiras são ocupadas por mulheres, de um total de 513 deputados. “Não é à toa que a mulher está pouco representanda. Elas foram discriminadas, têm os menores salários e uma tripla jornada de trabalho que nós, homens, não temos”, considerou.
O parlamentar ainda disse que essa baixa participação feminina não se refere à falta de competência, já que, segundo ele, entre a população que se encontra na faixa etária de mais de 25 anos, 11% dos homens têm graduação, contra 19% das mulheres.
O deputado Elismar Prado (PT) apoiou a PEC 16/15, frisando a importância das mulheres terem mais espaço na Mesa da ALMG. Ele lembrou também que, historicamente, a sociedade é machista, apesar dos avanços conquistados. Para ele, a mulher já mostrou sua liderança em todos os segmentos da sociedade. “Por que não também na politica? É uma barreira que precisa ser quebrada”, defendeu.
O deputado Felippe Attiê (PP) também defendeu a participação feminina na política. Na perspectiva dele, a mulher não tem interesse em participar da política, o que precisa ser mudado.
Machismo - A vereadora de Uberlândia, Gláucia da Saúde, falou sobre sua experiência pessoal ao ressaltar a importância da participação feminina nos espaços de poder. “Temos que discutir estratégias para ocupar esses lugares, discutir como vamos chegar aonde precisamos”, disse.
O presidente da Câmara Municipal de Uberlândia, vereador Adriano Zago, falou do conservadorismo e do machismo na política, a começar pelo fato de que poucos dirigentes partidários são mulheres. Ainda segundo ele, mesmo representando mais da metade da população brasileira, em 2014, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos cerca de 25 mil candidatos que concorreram às eleições, menos de 40% eram mulheres.
A defensora pública Bárbara Silveira falou sobre a minoria da população feminina no âmbito da representatividade política. “Infelizmente não temos a representatividade que deveríamos. Enquanto isso não acontece, ações afirmativas, como as cotas, são necessárias para a participação da mulher. Se no momento isso é necessário, sou defensora dessa causa”, afirmou.
Desconstrução dos papéis sociais de homens e mulheres
Na parte da tarde, um dos pontos abordados pelas palestrantes foi com relação à desconstrução dos papéis sociais que são pré-determinados a homens e mulheres. A superintendente de Políticas do Trabalho e Autonomia Econômica e Articulação Institucional da Subsecretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, Renata Adriana Rosa, disse que há uma naturalização do trabalho doméstico como o espaço destinado à mulher, assim como a predominância feminina nos setores informais e mais vulneráveis. “É preciso garantir a superação da subordinação, e isso inclui a desconstrução dos estereótipos acerca do papel das mulheres na sociedade”, disse.
Segundo a superintendente, essa ruptura deve começar pela educação infantil, época em que já são definidos os papéis femininos, de conciliação, e masculinos, de disputa. Ainda de acordo com Renata Rosa, o Estado também tem um papel na constituição das identidades masculinas e femininas. Ela também apontou como um problema o fato de as mulheres, embora ocuparem todos os espaços de participação, não estarem nos núcleos de tomada de decisão.
Violência - Ao abordar a questão da violência contra a mulher, a pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universdade Federal de Uberlândia (UFU), Cláudia Guerra, disse que, apesar dos respaldos jurídicos existentes, o Brasil é um dos países campeões em assassinatos de mulheres. Além disso, a cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil, segundo dados da Fundação Perseu Abramo de 2002. Mas, como lembrou a pesquisadora, esses dados estão subestimados, uma vez que apenas um terço das mulheres agredidas busca ajuda. Na opinião de Cláudia Guerra, embora tenha sido um grande avanço, a Lei Maria da Penha não resolve o problema, se não houver políticas públicas específicas para tratar da questão.
Já a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, Ermelinda de Fátima Ireno de Melo, disse que, para que um problema motive a proposição de uma política pública, é necessário que haja uma demanda. Para ela, uma demanda do movimento feminino que não conseguiu ser transformada em política pública foi a questão da legalização do aborto.
Ermelinda ainda considerou que a sociedade é machista e que isso pode ser comprovado pelo fato de que, até mesmo quando se fala das leis que se referem diretamente à vida das mulheres, como é o caso do aborto, são os homens que estão nos espaços de poder para discutí-las. “Estamos agora com atores reacionários no Congresso Nacional, e estão colocando várias das conquistas e políticas públicas para as mulheres em xeque”, considerou.