Comissão de Direitos Humanos debateu projetos de lei em tramitação no Congresso que propõem uma redução na abrangência do conceito de trabalho escravo
O auditor fiscal Marcelo Campos também falou sobre o crime do tráfico de pessoas
Antônio Lambertucci afirmou que o objetivo do governo é integrar as áreas de assistência social e trabalho

Autoridades temem retrocessos no combate ao trabalho escravo

Propostas que tramitam no Congresso pretendem modificar tipificação do crime no Código Penal.

27/05/2015 - 15:06

Sujeitar o indivíduo a condições degradantes de trabalho e a jornadas exaustivas, submetê-lo a trabalhos forçados ou restringir sua locomoção em virtude de dívida contraída com o empregador são atributos tipificados pelo artigo 149 do Código Penal como análogos ao trabalho escravo e que, portanto, constituem crime. Uma eventual redução na abrangência desse conceito, proposta por projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, foi duramente criticada por participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que consideraram a iniciativa como uma forma de fragilizar o combate ao trabalho escravo no Brasil. O assunto foi discutido em reunião nesta quarta-feira (27/5/15).

Para o coordenador regional de Combate ao Trabalho Escravo, procurador José Pedro dos Reis, a tentativa de retirar da tipificação de trabalho escravo a jornada exaustiva e o trabalho em condição degradante é uma maneira de “tapar o sol com a peneira”. “A condição degradante ofende a dignidade humana, que é protegida pela Constituição e por tratados internacionais. E quando a Justiça do Trabalho compreendeu a situação e começou a combatê-la de forma eficaz, o empresariado reagiu, porque a lógica do capital de trabalho é a exploração”, afirmou.

O procurador defendeu que os atributos que tipificam o trabalho escravo no Código Penal não sejam alterados pelos projetos que tramitam no Congresso Nacional (Projetos de Lei 3.842/12 e 432/13). Segundo ele, os defensores dessas propostas rgumentam que a alteração é necessária porque o conceito de condição degradante é muito amplo. “Isso é só desculpa para que os escravocratas modernos continuem a submeter o trabalhador”, criticou.

A professora da Faculdade de Direito da UFMG, Lívia Miraglia, também repudiou a tentativa de mudança do conceito de trabalho escravo que se pretende no Congresso Nacional e considerou que o momento exige uma maior mobilização contra a iniciativa, que, segundo ela, não foi devidamente esclarecida para a sociedade.

O desembargador do Tribunal Regional do Trabalho, José Eduardo Chaves informou que o trabalho escravo em Minas Gerais cresceu especialmente na área da construção civil. Ele também defendeu que a competência para a proteção contra a exploração do trabalho escravo seja concentrada na Justiça do Trabalho. Por fim, disse que o combate a essa prática só se tornará efetivo quando a proteção não estiver mais fragmentada entre os várias instâncias do Poder Judiciário.

Providências - A comissão aprovou um requerimento do deputado Cristiano Silveira (PT), no sentido de solicitar às bancada mineira da Câmara dos Deputados e do Senado Federal o apoio para que o conceito de trabalho escravo não seja alterado. Do mesmo deputado, também foi aprovado um pedido de providências ao Governo do Estado para a implementação de uma Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo, vinculada à Secretaria de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania.

Para auditor fiscal, apesar de avanços, momento é de fragilidade

O mesmo posicionamento crítico foi ratificado pelo coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do Ministério do Trabalho e Emprego, o auditor fiscal Marcelo Campos. Segundo ele, a política de combate ao trabalho escravo vem sendo aprofundada com eficácia, o que pode ser comprovado pelo fato de 50 mil vítimas da atividade terem sido libertadas nos últimos 20 anos, bem como pelo fato de Minas Gerais ter se tornado o Estado de referência na retirada de trabalhadores dessas condições. Apesar disso, na avaliação de Campos, o momento atual é de extrema fragilidade, diante das propostas que tramitam no Congresso Nacional.

Segundo ele, a iniciativa seria uma reação à Emenda à Constituição Federal 81, de 2014, que prevê como medida coercitiva a essa prática a expropriação de propriedade rural e urbana do indivíduo que pratica o crime. Na sua avaliação, essa reação, liderada pelo setor patronal, seria contrária à regulamentação dessas medidas, bem como de toda a política nacional de combate ao trabalho escravo.

Campos ainda esclareceu que é importante compreender que o trabalho escravo na contemporaneidade é um fenômeno em que o criminoso submete o trabalhador a uma série de fatores que o privam de sua dignidade trabalhista. Segundo ele, isso acontece, por exemplo, quando as garantias dos direitos trabalhistas não são preservadas ou quando não são fornecidos aos trabalhadores equipamentos de proteção ou condições dignas de alojamento.

Tráfico de pessoas - Campos também abordou a questão do tráfico de pessoas, crime que, segundo ele, não pode ser apenas reduzido à ideia de exploração sexual ou de tráfico de indivíduos de um país para outro. No âmbito trabalhista, esse crime, segundo ele, pode ser definido pelo recrutamento e deslocamento inadequado de pessoas, ainda que dentro do seu território nacional, com o objetivo de serem exploradas, a partir de contratos de trabalho ilegal e supressão de direitos trabalhistas. “No Brasil, temos observado a vinda de outros trabalhadores, como haitianos, bolivianos e chineses, para serem explorados aqui”, alertou.

Governo do Estado articula ação integrada

O subsecretário de Estado de Trabalho e Emprego, Antônio Roberto Lambertucci, ressaltou que para enfrentar a questão, a orientação do governo é para que haja uma integração entre as áreas de assistência social e trabalho. Segundo ele, a assistência social não pode ser vista como uma política pública que se encerra em si mesma, na medida em que é necessário garantir também a autonomia dos trabalhadores. Na sua avaliação, a integração entre as duas políticas permitirá uma busca ativa do trabalhador, bem como a sua qualificação profissional, intermediação da mão de obra e inserção do indivíduo no trabalho formal.

Ainda de acordo com o subsecretário, outro ponto de priorização será a pobreza rural, compreendendo comunidades quilombolas, ribeirinhas e agricultores familiares, público que, segundo ele, muitas vezes é mais vulnerável ao trabalho escravo.

Já o subsecretário de Estado de Direitos Humanos, Leonardo Nader, disse que o combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, que foram pouco valorizados no governo passado, terão prioridade nas políticas públicas de direitos humanos, e não mais no âmbito da segurança pública.

Terceirização - Para o deputado Rogério Correia (PT), autor do requerimento para a audiência, a pauta conservadora que regulamenta a terceirização do trabalho para qualquer tipo de atividade também vai agravar o trabalho escravo no País.

O deputado Cristiano Silveira ressaltou a necessidade de criação de uma rede de proteção aos trabalhadores vítimas de trabalho escravo e considerou que a atividade, muitas vezes, é de difícil identificação, por ser clandestina.

Comissão aprova audiências e debates

Ainda foram aprovados os seguintes requerimentos:

  • Do deputado Rogério Correia, para realizar audiência sobre as reivindicações dos servidores da Prefeitura de Belo Horizonte, em greve desde 25 de maio, e para se discutir em audiência pública em Medina (Vale do Jequitinhonha) o assassinato do jornalista Evany José Metzker;
  • Do deputado Cristiano Silveira, para realizar debates públicos sobre a redução da maioridade penal e sobre o genocídio da juventude negra; e para se debater a violência contra jornalistas, em especial a agressão sofrida pelo repórter fotográfico Beto Novaes, do jornal Estado de Minas;
  • Dos deputados Cristiano Silveira e Celinho do Sinttrocel (PCdoB), de audiência conjunta com a Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social, sobre os relatórios da situação do trabalho escravo no Brasil e as formas de combatê-lo em Minas Gerais;
  • Do deputado Professor Neivaldo (PT), a fim de debater os trabalhos realizados pela Comissão da Verdade sobre a escravidão negra no Brasil; e
  • Do deputado Doutor Jean Freire (PT), de audiência pública em Medina a respeito da violência contra jornalistas mineiros.

Consulte o resultado da reunião.