A audiência debateu medidas para enfrentar o uso de drogas e a ampliação de rede regional para acolher os usuários, entre outros assuntos
Para José Sóter, o tema deve ser tratado como política de estado, não de governo

Comunidades terapêuticas cobram mais atenção do governo

Comissão de Combate ao Crack discute em Juiz de Fora desafios para conter o avanço das drogas.

25/05/2015 - 19:40

Cobrar do Governo Federal mais agilidade e regularidade no repasse de verbas e na execução dos programas de prevenção e combate ao uso de drogas foi uma das propostas discutidas durante a audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso do Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada em Juiz de Fora (Zona da Mata) nesta segunda-feira (25/5/15). A reunião é a primeira de uma série de audiências que a comissão vai realizar nas principais regiões do Estado para discutir formas de enfrentamento do problema.

Outras propostas defendidas na audiência foram a realização de uma marcha local contra o crack, precedendo a marcha estadual a ser realizada no segundo semestre, como mais uma ação no sentido de envolver a população; e a realização de um seminário para debater o assunto com mais profundidade, com ênfase na questão da justiça terapêutica. Segundo o presidente da comissão, deputado Antônio Jorge (PPS), a reunião resultará em um relatório, que se somará a outros das demais audiências a serem realizadas, de forma a subsidiar a comissão e os grupos envolvidos com o tema. 

Convocada a requerimento do presidente e do vice-presidente da comissão, deputados Antônio Jorge e Missionário Márcio Santiago (PTB), respectivamente, a audiência teve a finalidade de debater medidas de enfrentamento ao uso de drogas e substâncias psicoativas, a construção e ampliação de rede regional para acolhimento ao usuário de drogas, bem como o papel das comunidades terapêuticas na recuperação de usuários e a regularização dos repasses de recursos governamentais a essas instituições.

Ao abrir a reunião, o deputado Antônio Jorge mencionou o objetivo da comissão de gerar um documento final “identificando a ausência de sinergia nas várias iniciativas”. Segundo ele, há “um voluntarismo grande nessa área”, que carece de uma política geral, mais consistente e articulada. Ele defendeu a manutenção de programas estaduais que, segundo disse, têm dado certo, como o Aliança pela Vida.

O deputado Missionário Márcio Santiago frisou que, como pastor evangélico, conhece de perto a realidade do mundo das drogas. “O tema não é só pertinente à causa evangélica, mas à causa da família, nosso bem maior”, disse.

O deputado Noraldino Júnior (PSC) se declarou também comprometido com a causa do combate às drogas e colocou seu mandato à disposição, lembrando que também trabalhou com essa questão, quando vereador, focando sempre em três eixos: prevenção, combate e recuperação. “Durante muito tempo o foco foi só no combate. A nova política foca na prevenção”, disse.

Autoridades defendem política de integração

O secretário municipal de Governo, José Sóter de Figueirôa Neto, afirmou que o tema das drogas é complexo e representa “um dos maiores desafios na função pública e na humanidade, no século XXI”. Segundo ele, Juiz de Fora já conta há algum tempo com uma política de caráter sistêmico, articulado e integrado, com foco na intersetoriedade. E acentuou que o tema deve ser tratado como política de estado, não de governo.

Ele contou também que recentemente a Prefeitura de Juiz de Fora entregou ao Governo do Estado uma declaração de 14 signatários, entre os quais o prefeito, a juíza da Infância e da Adolescência e setores do empresariado, contendo as principais demandas na área. “Nossa intenção é termos uma audiência em junho com o secretário de Estado de Defesa Social para fazer valer essa declaração, que contém propostas como a manutenção de programas estaduais já implantados anteriormente, como o Fica Vivo e o Travessia”, disse.

Ele e outros agentes locais envolvidos na luta contra as drogas apontaram como exitoso o programa Atitude, experiência que conheceram em Recife, envolvendo trabalho conjunto entre poder público e sociedade. “Para termos êxito, precisamos também de uma política integrada”, defendeu o secretário.

O promotor Rodrigo Ferreira de Barros lembrou que a Rede de Atenção Psicossocial foi implantada em Juiz de Fora em 2012, mas, segundo ele, nesses três anos, “houve uma evolução muito tímida de efetivo acesso dos usuários a esse serviço”. Disse ainda que a Promotoria iniciou um trabalho conjunto com a Secretaria de Estado de Saúde visando garantir a implantação desse serviço e assegurar a sua qualidade.

Ele falou também sobre a implantação no município de dois novos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) em regime de 24 horas, providência que, na sua avaliação, vem “com certo atraso”. E afirmou que nos municípios vizinhos o atraso é ainda maior. Além disso, destacou a necessidade de se fortalecer o trabalho de acolhimento e defendeu a união de esforços para se alcançar o objetivo da melhoria assistencial.

A presidente do Conselho Municipal de Políticas Integradas sobre Drogas, Ana Cecília Vilella Guilhon, fez um histórico do trabalho desenvolvido pelo órgão e defendeu uma política de prevenção, com respeito aos direitos humanos.

Andréa da Silva Stenner, chefe do Departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, destacou a vanguarda do município de Juiz de Fora em assuntos dessa natureza, dando como exemplo o fim dos manicômios locais, que, segundo ela, viviam uma “situação degradante”. Com relação ao combate ao crack e outras drogas, disse que o município espera mais recursos para ampliar a oferta de serviços, porque “ainda há áreas descobertas”, citando, em particular, a Zona Norte da cidade.

Crack já atinge 2% da população brasileira

O diretor da Associação Casa Viva, José Eduardo Moreira Amorim, disse que o avanço do crack no Brasil é tão grande que nenhum outro país no mundo vive situação tão alarmante. “O Ministério da Saúde já trabalha com parâmetros de 2% da população brasileira que vivem esse flagelo”, observou.

Ele também destacou o programa estadual Aliança pela Vida como fundamental no combate às drogas e ressaltou que não basta somente o governo implantar e financiar programas, pois é necessário também responsabilizar-se pelo custeio. Segundo ele, os Caps estão subfinanciados pelo Governo Federal. Ele ainda defendeu a implantação de políticas públicas de caráter intersetorial, com gestões compartilhadas.

Comunidades religiosas - A presidente do Conselho Municipal de Saúde, Regina Célia de Souza, indagou como são fiscalizadas as comunidades terapêuticas, ressaltando que o funcionamento de algumas dessas instituições assusta devido às suas péssimas condições. “É preocupante. Eu me pergunto se é melhor o usuário estar lá dentro ou cá fora”, disse.

Eliane Pimenta, integrante do Conselho Regional de Psicologia, observou que a questão da droga não é um problema religioso, como querem alguns grupos, mas um problema químico. Ela também defendeu uma política integrada e o trabalho de prevenção, com ajuda às crianças e adolescentes. E concluiu afirmando que o melhor tratamento é pela rede pública de assistência social. Defendeu, por isso, que os recursos destinados às comunidades terapêuticas sejam regulados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como porta de entrada o Caps.

O juiz da 3ª Vara Criminal de Juiz de Fora, Paulo Tristão Machado Jr., revelou que 80% dos casos que envolvem a Lei Maria da Penha na Justiça Criminal estão relacionados com tráfico e uso de drogas. Segundo ele, a legislação antitóxicos, sozinha, não consegue reduzir o uso de drogas. Por isso, defendeu o papel das comunidades terapêuticas e dos grupos religiosos na recuperação de dependentes químicos. “O Judiciário local está engajado nessa luta”, disse.

O deputado Antônio Jorge, que é médico, explicou que a porta de entrada dos recursos destinados às comunidades terapêuticas é sempre pública, pois quem define é o município. E observou que as internações são feitas sempre sob a exigência de laudos médico, odontológico e psiquiátrico.

Atendimento a mulheres é desafio

Há 16 anos em Juiz de Fora, o pastor Ernani Souza Silva, que trabalha como voluntário na recuperação de dependentes, disse que busca ajudar muitas mulheres envolvidas com drogas, mas denunciou que praticamente inexistem centros de recuperação femininos, tamanha é a dificuldade de se trabalhar com a população feminina usuária de drogas. Segundo ele, Minas Gerais conta com cerca de 400 comunidades, das quais não mais que cinco dedicadas à recuperação de mulheres. "A complexidade é tão grande que, quem começa o trabalho, logo o encerra”, disse.

Definindo-se como ex-usuário de drogas, Daniel Jesus, diretor do Centro de Recuperação Viva Vida, falou do sofrimento dos dependentes químicos e destacou como relevante o trabalho das comunidades terapêuticas, defendendo o trabalho de espiritualidade desenvolvido nessas entidades.

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