Adoção de filhos de usuárias de drogas é alvo de críticas
Recomendação do Ministério Público foi condenada por participantes de audiência da Comissão de Segurança Pública.
27/01/2015 - 13:10 - Atualizado em 27/01/2015 - 15:11A recomendação do Ministério Público (MP) para que as maternidades públicas comuniquem o nascimento de filhos de mães usuárias de drogas foi criticada nesta terça-feira (27/1/15) durante audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Representantes do Governo do Estado, da Defensoria Pública e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), além dos deputados presentes na reunião, condenaram a recomendação feita em 2014 de encaminhar o recém-nascido para abrigos, sem antes realizar um acompanhamento psicossocial dos pais ou de tentar manter o bebê com a chamada "família extensa" (parentes próximos com os quais a criança convive).
De acordo com a ativista da ONG Parto do Princípio e advogada especialista em direitos reprodutivos da mulher, Gabriella Sallit, mais de 150 mulheres já perderam seus filhos por conta dessa recomendação do MP. Uma das consequências dessa decisão, na sua avaliação, é que as mães usuárias de drogas e pobres estão tomando atitudes desesperadas, abandonando o pré-natal e decidindo ter o bebê fora da rede pública de saúde.
Essa informação foi confirmada pela coordenadora da Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Márcia Rocha Parizzi. De acordo com ela, as mulheres estão entrando em pânico, tendo filhos em casa ou em outras cidades. “A essas mulheres não está sendo dado o direito fundamental da dignidade humana”, disse ela.
Márcia Parizzi confirmou que muitos casos aconteceram e continuam acontecendo. Nesse sentido, ela disse que a Secretaria Municipal de Saúde se posiciona contrariamente à recomendação do MP e orienta os profissionais de saúde a não segui-la.
O 1º-secretário da Mesa Diretora do Conselho Municipal de Saúde, Wallace Medeiros Xavier, também confirmou que a PBH não acata essa recomendação e solicitou que os demais conselhos municipais de saúde façam o mesmo. “Essa decisão foi tomada sem diálogo com a sociedade. Quando recebemos a recomendação do Ministério Público, discordamos e fizemos reuniões com câmaras técnicas do conselho, ouvindo os relatos das mães”, disse.
Decisão rompe vínculos familiares
A ativista da ONG Parto do Princípio, Gabriella Sallit, também alertou que “os vínculos estão sendo rompidos por uma canetada”, colocando em risco a situação das mães, crianças e futuras famílias adotivas. Ela ponderou que os pobres e negros estão sendo vitimizados e que a decisão do MP ofende o direito das mães e dos bebês.
A presidente do Comitê de Ética do Conselho Regional de Psicologia, Cláudia Natividade, também defendeu que os vínculos familiares devem ser tratados com seriedade.
A coordenadora substituta do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública, Laurelle Carvalho de Araújo, ponderou que é a favor da adoção, desde que a família substituta seja a última escolha. De acordo com ela, crianças recém-nascidas saudáveis estão ficando na maternidade, aguardando vaga em abrigos. Ela explicou que o processo de negligência e abandono deve ter primeiro um encaminhamento para o atendimento psicossocial, depois para o Conselho Tutelar e a última opção deve ser o abrigamento da criança.
Mesma opinião tem a defensora pública Carolina Godoy Leite Villaça, que reforçou que em todos o casos devem ser feitas a análise psicossocial, a tentativa de manter a criança na família extensa e somente por último encaminhá-la para um abrigo. Para ela, a recomendação do MP viola o direito da criança de ficar com a mãe. Ela ponderou que essa é uma medida de segregação, tratando a mulher como objeto, sem o direito de cuidar do próprio filho.
A coordenadora de Direitos Humanos da da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos da Cidadania, Luciana Crepaldi, também reforçou a opinião de que houve uma inversão completa do fluxo de adoção e que a decisão do MP viola o direito da família. Para a assessora jurídica da Secretaria de Estado de Saúde, Beatriz Damasceno, o que está ocorrendo é “um sequestro de bebês nas maternidades”. Essa opinião foi reforçada pela coordenadora do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Flávia Gotelip. “Estamos utilizando um instrumento para sequestrar crianças e legislando sobre um assunto muito sério e preocupante”, disse.
Na opinião da representante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Neusa Melho, esse episódio cria uma mancha para o Ministério Público, já, que segundo ela, o órgão está violando o direito das mulheres, crianças e famílias.
Parlamentar viveu situação similar
O autor do requerimento para a audiência e presidente da comissão, deputado João Leite (PSDB), relatou que já viveu essa situação em sua família, com filhos de primos usuários e dependentes, que foram levados de casa. “As crianças foram retiradas e colocadas em abrigo, com proibição de visita da família”, relatou. Segundo ele, apenas como parlamentar conseguiu visitar as crianças, e só foi possível reaver as crianças porque a família teve condições de lutar. “Imagine se você não tem condições”, ponderou.
O deputado Sargento Rodrigues (PDT) salientou que, a princípio, a impressão que se tem é de que a recomendação do MP tem o objetivo de proteger o bebê, mas o que se percebe é que é uma decisão “rápida e grave, tratando a criança como mercadoria”. Para ele, o fato de uma mãe ser usuária de drogas não justifica ter seu filho "arrancado", violando os preceitos fundamentais democráticos.
“O que o Ministério Público está fazendo é grave, e é grave o Judiciário entender que talvez seja a melhor solução”, disse, lembrando que recomendação do MP não é lei. “Essa recomendação é ilegal e fere os princípios básicos da administração pública, e não podemos deixar que crianças sejam tratadas como mercadorias”, completou.
Comissão vai visitar procurador-geral de Justiça
Sobre o assunto da audiência, a Comissão de Segurança Pública aprovou requerimentos de autoria dos deputados João Leite, Sargento Rodrigues e Sebastião Costa (PPS). Um deles é de visita ao procurador-geral de Justiça, Carlos André Mariani Bittencourt. O objetivo é discutir recomendações editadas pelas Promotorias de Saúde e da Infância e Juventude relacionadas à rede de saúde mental, álcool e outras drogas e à adoção e acolhimento de filhos de mães usuárias de drogas.
Outro requerimento é para que a Promotoria da Infância e Juventude em Belo Horizonte informe o número de crianças filhas de mães supostamente viciadas em drogas que foram encaminhadas para adoção nos anos de 2013 e 2014. Também foi aprovado requerimento para encaminhar as notas taquigráficas da reunião a vários órgãos.
Estacionamento no Mineirão – A comissão aprovou ainda requerimento do deputado Sargento Rodrigues para que seja realizada reunião com o secretário municipal de Serviços Urbanos de Belo Horizonte, Pier Senesi. A finalidade, segundo o parlamentar, é obter esclarecimentos quanto à adoção do perímetro de proibição de estacionamento no entorno do Mineirão.