Comissão do Trabalho debateu a situação dos trabalhadores rurais assalariados e a precariedade das relações trabalhistas na região de Varginha
Segundo o sindicalista Jorge dos Santos, cada trabalhador perde em torno de 500 reais/mês por não contar com carteira assinada
Marcelo Campos (centro) afirmou que a política de fiscalização em Minas é maior do que em outros Estados

Trabalhadores rurais denunciam trabalho escravo em Varginha

Em audiência da Comissão de Trabalho, eles pediram mais rigor contra abusos trabalhistas e uso de agrotóxicos.

15/07/2014 - 16:15 - Atualizado em 17/07/2014 - 13:48

Contratações irregulares, sem assinatura em carteira, uso abusivo de agrotóxicos, que afetam a saúde do trabalhador e suas famílias, e fiscalização trabalhista deficiente. Essas foram algumas das denúncias formuladas pelos trabalhadores rurais presentes à audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na manhã desta terça-feira (15/7/14) em Varginha (Sul de Minas).

Presidida pela deputada Liza Prado (Pros), a reunião foi realizada a requerimento dos deputados Pompílio Canavez e Rogério Correia, ambos do PT, atendendo a solicitação de lideranças sindicais, para debater a situação dos trabalhadores rurais e a precariedade das relações trabalhistas na região. De acordo com denúncias apresentadas na audiência, Minas Gerais ocupa o 2º lugar, entre os Estados brasileiros, na lista do trabalho escravo, e o meio rural é o mais atingido.

Segundo o coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado (Adere-MG), Jorge Ferreira dos Santos Filho, "quase dois terços dos empregados rurais estão sem carteira assinada em Minas Gerais". Ele apontou ainda dados de 2009 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo os quais "existem em Minas Gerais 800 mil empregados rurais, dos quais quase 500 mil estão sem carteira assinada". Portanto, ressalta o sindicalista,  excluídos do regime de assistência previdenciária. “Cada trabalhador perde em torno de 500 reais/mês por não contar com carteira assinada”, disse. “No Sul de Minas, a informalidade é muito grande. É comum encontrarmos trabalhadores sem direito algum. Achamos que o Estado tem a obrigação de combater isso”, continuou.

O sindicalista fez ainda diversas denúncias envolvendo aliciamento de trabalhadores rurais no Vale do Jequitinhonha para trabalharem nas lavouras de café do Sul do Estado, atraídos por promessas de altos salários e boas condições de trabalho. Segundo ele, essas promessas depois não são cumpridas, já que os trabalhadores acabam enredados em dívidas com os empregadores, que lhes cobram alimentos e remédios e os instalam em alojamentos de péssima qualidade. Muitos desses casos estão sendo, inclusive, investigados pela Polícia Federal.

Agrotóxicos - O excessivo uso de agrotóxicos nas lavouras de café foi outro problema relatado pelos trabalhadores rurais. Conforme as denúncias, aviões borrifam o veneno sobre as plantações, atingindo diretamente os trabalhadores, inclusive mulheres e crianças, e provocando graves problemas de saúde. O presidente da Adere-MG propôs que o assunto seja discutido seriamente com o Conselho Regional de Medicina (CRM), já que, segundo ele, muitos médicos são os próprios empregadores.

Diante desse quadro, ele exigiu também maior fiscalização por parte do Estado e ação efetiva do Judiciário. Jorge Ferreira dos Santos denunciou ainda que na região de Varginha há pouco mais de dez fiscais para percorrer as lavouras de 52 municípios.

Faltam servidores para fiscalização adequada

Em resposta à queixa sobre a fiscalização deficiente, o auditor fiscal do Trabalho Marcelo Campos afirmou que há um déficit de aproximadamente 1.000 cargos vagos de fiscais em todo o País. Segundo ele, nos últimos 20 anos, mais de 800 fiscais se aposentaram. Paralelamente, cresceram os empreendimentos econômicos e a força de trabalho também, o que fragilizou ainda mais a capacidade do Ministério do Trabalho. Além disso, afirmou, o mundo do trabalho, hoje, favorece o descumprimento da legislação por meio de artifícios como parcerias e cooperativas, por exemplo.

“Fazemos milagre no atendimento à demanda, mas a resposta está no Ministério do Planejamento, que decide sobre concursos, e no Palácio do Planalto”, afirmou. “Estamos abertos para discutir não a questão numérica, mas a questão de qualidade no atendimento”, acrescentou.

Apesar de tudo, Marcelo Campos alegou que existem hoje mais de 200 procedimentos investigatórios em curso. Ele afirmou que Minas Gerais figura entre os Estados que ostentam os maiores índices de trabalho escravo justamente porque a política de fiscalização é maior.

Quanto à reclamação da Adere-MG de que a entidade não é comunicada sobre as incursões de investigação nas fazendas, o auditor fiscal do Trabalho explicou que não existe essa obrigação legal, mas que isso pode ser discutido com o sindicato. Contudo, alertou que a presença do sindicalista no momento inicial pode criar um conflito com o empregador e impedir a fiscalização, já que o auditor tem o direito legal de entrar para fiscalizar, mas o sindicalista, não. “Então temos que dialogar para que a participação do sindicato não venha a ser um empecilho”, registrou.

Marcelo Campos explicou também que existem quatro situações que configuram trabalho análogo à escravidão: o trabalho forçado, caso mais raro de se encontrar; a dívida ilegal e injusta, que atrela o trabalhador ao empregador; o trabalho degradante; e a jornada exaustiva. Paralelamente a esses casos podem ocorrer, também, outros ainda mais graves, como trabalho infantil e tráfico de pessoas.

Ministério Público atua em casos de relevância social

A coordenadora da Procuradoria Regional do Trabalho, Sílvia Domingues Bernardes Rossi, explicou que é atribuição do Ministério Público (MP) atuar em casos de relevância social. Disse ainda que há diferenças grandes entre um caso envolvendo perda de direitos de um trabalhador ou de vários. No primeiro caso, o próprio trabalhador, por meio do sindicato ou constituindo advogado, pode e deve buscar os seus direitos. O segundo caso, disse, é mais grave, porque envolve inúmeros trabalhadores em uma só situação e ofende não só a dignidade do trabalhador mas também a ordem jurídica, exigindo a intervenção do MP. Contudo, explicou, o MP não faz fiscalização, mas investiga e encaminha o caso ao Judiciário.

Letícia Passos Soares, representante do Ministério Público do Trabalho em Varginha, informou que o órgão tem tomado providências contra as denúncias, movendo ações judiciais, intermediando termos de ajustamento de conduta e promovendo a aplicação de multas.

O gerente regional do Trabalho e Emprego, Mário Ângelo Vitório, admitiu que é grande a informalidade no setor. Ele apontou dados de 2012 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) segundo os quais a informalidade no meio rural chega a 60%, contra 28% no meio urbano. Ele admitiu também que o órgão tem dificuldade em atender todas as demandas de fiscalização.

Produtor rural nega irregularidades

Arnaldo Bottrel Reis, presidente da Associação dos Sindicatos dos Produtores Rurais do Sul de Minas, entidade que conta com 47 sindicatos associados, disse desconhecer as acusações feitas aos produtores rurais na reunião. Ele afirmou que os produtores se pautam pela obediência e pelo respeito à lei, que, segundo ele, “é extremamente severa com os empregadores”. Relatou casos de multas abusivas, como a que foi aplicada a um produtor rural pelo fato de um fiscal encontrar um buraco na telha à entrada do seu escritório particular.

Ele também negou o uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras de café, afirmando que, ao contrário, a aplicação do veneno nessas plantações vem diminuindo mais do que em outras culturas. “Defendo o diálogo e o respeito a todos os trabalhadores aqui presentes e a todos os que não estão aqui também”, justificou.

Deputados prometem buscar soluções

Para o deputado Pompílio Canavez, um dos autores do requerimento para realização da audiência, a existência de trabalho escravo em pleno século XXI é “uma grave e vergonhosa mancha”. “Apesar de todo o avanço na tecnologia e na comunicação, as relações de trabalho no campo ainda continuam no tempo da escravidão, são medievais”, lamentou.

O parlamentar afirmou que a ALMG não pode ficar fora dessa luta, ao lado do movimento sindical, dos trabalhadores rurais, do Ministério Público, do Ministério do Trabalho e dos demais órgãos responsáveis. “É preciso acabar com essa prática nefasta que nos envergonha”, disse.

Ele e a deputada Liza Prado comprometeram-se a levar as reivindicações dos trabalhadores com pedido de providências aos órgãos competentes do Estado e da União. Para isso, vão apresentar requerimentos formais para serem votados na Comissão do Trabalho, solicitando aumento do número de auditores; cobrança do Governo Federal no sentido de estruturar melhor os órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho; e maior acompanhamento, por parte da Polícia Federal, das ações fiscalizadoras, entre outras demandas.

Os parlamentares também firmaram o compromisso de solicitar a realização de um debate público no Plenário, em busca de soluções para pôr fim ao trabalho escravo.