Juizado Especial da Mulher é gargalo em Minas
Oito anos após a Lei Maria da Penha, estrutura ainda não existe no Estado.
26/06/2014 - 13:15A criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Minas Gerais foi tema de audiência pública da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na manhã desta quinta-feira (26/6/14), os convidados salientaram que, apesar da Lei Maria da Penha, principal marco legal do combate à violência doméstica, determinar a criação desses juizados, Minas Gerais ainda não conta com a estrutura. Existem varas criminais especializadas em Belo Horizonte, mas não juizados. Os presentes salientaram a diferença entre as duas ferramentas e a importância de se investir em ambas.
A diferença entre varas e juizados especiais, assim como a importância de se instalar as segundas, foi destacada pela defensora pública e coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher em Situação de Violência, Samantha Vilarinho Mello Alves. Ela explicou que, ao contrário das varas, que lidam prioritariamente com questões criminais, os juizados teriam competência também na área cível. “As mulheres que sofrem violência doméstica têm muitas demandas que vão além de responsabilização criminal e medidas protetivas. São ações de guarda de filhos, de reintegração de posse, de pedido de pensão e indenização”, explicou.
A criação dos juizados possibilitaria também, segundo a defensora, que todas essas ações fossem analisadas pelo mesmo juiz, promotor e defensor. “Cada vez que a mulher fica à frente de um novo juiz, é mais uma vez que ela se expõe, que conta tudo novamente e tem que reviver toda a violência sofrida”, disse. De acordo com ela, o modelo também pode agilizar o julgamento dos processos, que não mais cairão nas varas de família, onde se misturam a outros milhares. Ela citou o exemplo do Mato Grosso, onde os juizados já exitem e, acredita ela, poderia servir de exemplo para Minas Gerais.
A presidente do Conselho Estadual da Mulher, Neusa Cardoso de Melo, afirmou que a maioria das mulheres em situação vulnerável chegam até o conselho descrentes. “Elas não acreditam na Justiça, perguntam para quê denunciar se isso não terá resultados. E essa descrença é por causa da nossa capacidade de resposta lenta, sempre tem um gargalo”, disse. Para ela, a criação dos Juizados Especiais pode ajudar a dar mais celeridade a esses processos. “Já está passando da hora de criarmos esses juizados, a lei Maria da Penha já tem oito anos”, completou.
Varas especiais também são importantes
A coordenadora especial de políticas para mulheres da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Eliana Piola, reconheceu a importância dos Juizados Especiais, mas também salientou que as varas especiais são indispensáveis. Ela disse que uma das principais demandas é para que essas varas sejam também criadas no interior do Estado. Piola elogiou o empenho das polícias civis e militares e disse que quase três mil técnicos estão sendo capacitados para trabalhar nessa área. Disse, porém, que é necessário mais verba para que as varas sejam criadas e dotadas de infraestrutura.
Atualmente, Minas Gerais conta com três varas especiais para atendimento de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, todas em Belo Horizonte. De acordo com a coordenadora das chamadas “varas Maria da Penha”, Maria de Fátima Lages, que representou o Tribunal de Justiça, essas varas possuem hoje, juntas, 45 mil processos e cerca de 18 mil deles seriam pedidos de medidas protetivas. Ainda de acordo com ela, outra vara especializada, também na Capital, já está pronta e deve ser inaugurada nos próximos dias.
Política de abrigamento também é deficiente
Apesar de reconhecer a importância e a necessidade da criação de juizados e varas especiais, a delegada de Polícia Civil e Chefe do Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à Família, Olívia de Fátima Braga Melo, disse que é ainda mais urgente a criação de abrigos emergenciais. “A mulher chega machucada, no meio da madrugada, não pode voltar para casa e não tem para onde ir. Acaba dormindo no banco da delegacia”, afirmou. Ela acredita que criar espaços para onde essas mulheres possam ser encaminhadas a qualquer hora do dia seria uma ferramenta fundamental de proteção – os abrigos existentes só recebem mulheres até as 18 horas dos dias úteis.
A coordenadora dos direitos das mulheres da Prefeitura de Belo Horizonte, Cláudia Monteiro Rocha, também destacou a importância de se repensar a política de abrigamento. Segundo ela, muitas das vítimas que chegam até a prefeitura acabam sendo encaminhadas para pensões, onde passam o fim de semana até que esteja disponível o pessoal necessário para fazer a escuta e os encaminhamentos necessários. “São medidas precárias que podem fazer a diferença entre a vida e a morte dessas mulheres”, disse.
A deputada Luzia Ferreira (PPS) lembrou que foi relatora de uma comissão que, em 2012, investigou a violência contra as mulheres em Minas Gerais. “Durante os trabalhos, identificamos que a demora dos processos que chegam ao Judiciário é o principal elemento que alimenta o ciclo vicioso da violência contra as mulheres”, afirmou. Ela acredita que dar agilidade aos processos é o maior desafio na aplicação da Lei Maria da Penha.
O deputado Sargento Rodrigues (PDT), por sua vez, destacou a Lei 20.811, de 2013, de sua autoria, segundo a qual as unidades de saúde são obrigadas a comunicar a entrada de pessoas feridas às polícias civil e militar. “Em casos de violência doméstica, há enorme pressão do autor para que a denúncia não seja feita e essa lei ajuda ao forçar a comunicação dos casos à polícia”, afirmou.
O deputado João Leite (PSDB) assinalou que, durante as visitas da comissão ao interior do Estado, ele pode perceber a vulnerabilidade das mulheres. O parlamentar elogiou a política de uso de tornozeleiras por meio das quais é possível controlar e evitar a aproximação de agressores de mulheres que já foram suas vítimas e afirmou que a iniciativa tem que ser ampliada.
Lei sobre câmeras de vigilância ganha parecer favorável
Durante a reunião, os parlamentares também aprovaram parecer favorável ao Projeto de Lei (PL) 378/11, do deputado Célio Moreira (PSDB), que disciplina a utilização de câmeras de vídeo para fins de segurança. O projeto tramita em 2º turno e o parecer, do deputado Sargento Rodrigues, foi pela sua aprovação na forma do vencido (texto aprovado em 1º turno). A proposta está pronta para ser novamente apreciada pelo Plenário.
O objetivo da proposição é possibilitar a dispensa do aviso informando a existência de câmera de de vigilância nos estabelecimentos. Assim, em algumas hipóteses se poderia filmar, de maneira oculta ou sigilosa, locais, situações e pessoas. O texto atual estabelece que o aviso poderá ser dispensado em bens públicos de uso comum. Em outros casos, o aviso poderá ser dispensado mediante ordem judicial, quando o uso sigiloso da câmera de vídeo for imprescindível para a efetividade da medida de segurança.
No caso desse uso sigiloso, as imagens coletadas serão destruídas no prazo máximo de 180 dias, contados da data da gravação, salvo decisão judicial em sentido contrário. O PL também determina sanções administrativas, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal, no caso de descumprimento do disposto na lei. Entre as sanções, estão previstas advertência escrita; multa no valor de 5.000 Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais (Ufemgs) – o equivalente a R$ 13.191,00; suspensão temporária do uso de câmera de vídeo, pelo prazo de até 180 dias; e proibição do uso de câmera de vídeo e apreensão do equipamento.
Requerimentos – Durante a reunião, foram aprovados ainda dois requerimentos do deputado Sargento Rodrigues. O primeiro deles solicita uma visita à Central Integrada de Escolta de Ribeirão das Neves. Segundo o parlamentar, depois do roubo de armas registrado no local no início deste ano, a central teria sido transferida para um local sem os devidos aparatos de segurança.
O outro requerimento pede uma visita à região da Savassi, onde os torcedores da Copa do Mundo Fifa de Futebol têm se reunido para assistir aos jogos. “Temos uma preocupação com o crescimento vertiginoso do número de pessoas que têm frequentado a região e com os desdobramentos disso”, disse.