Comunidades quilombolas cobram o direito de continuar a exercer suas atividades em áreas do Parque Nacional das Sempre-Vivas
Moradores também cobraram a imediata paralisação das penalizações de ordens criminal e administrativa

Comunidades exigem uso sustentável do Parque Sempre-Vivas

Em visita da ALMG, comunidades tradicionais de Diamantina cobram continuidade de suas atividades e relatam ameaças.

25/05/2014 - 21:08

Em visita da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada neste domingo (25/5/14), na comunidade quilombola Vargem do Inhaí, em Diamantina (Vale do Jequitinhonha), moradores dessa e de outras comunidades tradicionais se reuniram com o presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), para cobrar o direito de continuarem a exercer suas atividades em áreas de uso comum do Parque Nacional das Sempre-Vivas e relatar ameaças. 

De acordo com a representante da Comunidade de Macacos, Maria de Fátima Alves, desde 2002, quando se iniciou o processo de criação do parque, as comunidades tradicionais como as de apanhadores de flores e as de quilombolas vêm sendo cerceadas de exercerem suas atividades econômicas, “única fonte de renda de todos nós”. Ela afirmou que as consultas públicas realizadas para ouvir a população local sobre o tema não asseguraram a manifestação dessas comunidades: “foram promovidas apenas duas consultas, a segunda foi feita pela internet. Não temos acesso à tecnologia e muitos são analfabetos”.

A representante comunitária e membro da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas, também ela apanhadora de flores, explicou que a maioria das comunidades se localiza no entorno da área do parque (aproximadamente 125 mil hectares), mas que a sobrevivência dessas famílias depende do trabalho a ser realizado dentro de seus limites. Maria disse ainda que o poder público não indenizou os moradores, mas também não permite o uso sustentável dos recursos, “estamos sendo constantemente ameaçados pela direção do parque, já incendiaram ranchos, destruíram roças, casas foram invadidas, armas são apontadas para nós”, lamentou.

Normandes da Cruz afirmou que os trabalhadores das comunidades estão sendo “tratados como bandidos”. Ele lembrou que são as gerações de faísqueiros (aqueles que praticam garimpo de cristal de forma artesanal), quilombolas e apanhadores de flores, dentre outros, que preservaram os recursos naturais da região, que atualmente pertencem ao parque. “Nossa forma de manejo sempre foi sustentável, nossa relação com o ambiente sempre foi de proteção, não queremos o fim do parque, só reivindicamos de volta a possibilidade de trabalharmos, de poder plantar para subsistência. Hoje estamos proibidos até mesmo de retirar as pindolas, folhas de coqueiros, que há anos protegem nossas moradias”, ressaltou Cruz.

Já José Getúlio dos Santos da Comunidade Braúnas contou que fora preso em 2009 por extrair cristais. José Geraldo, que também foi detido por exercer a mesma atividade, afirmou que foi espancado durante sua permanência na cadeia: “depois de conseguir sair da prisão, ao retornar para casa, encontrei minha esposa morta. Isso foi desgosto”, lamentou o faísqueiro, que acrescentou ainda que as comunidades estão desamparadas e que a coerção dos gestores do parque Sempre Vivas tem inviabilizado a sobrevivência de muitos trabalhadores como ele.

Demais membros das comunidades cobraram a imediata paralisação das penalizações, tanto de ordem criminal como administrativas (multas), melhorias como a construção de escolas mais próximas e intervenções nas vias de acesso às comunidades, além de ações de caráter educativo. Para eles, os órgãos públicos responsáveis pela conservação do parque poderiam promover o diálogo e orientações sobre a preservação dos recursos naturais do parque em lugar de puni-los.

Comissão se compromete a mediar o conflito

Conciliar os diferentes interesses como os ambientais, os das comunidades tradicionais, da administração pública e ainda os de eventuais empresas mineradoras é o grande desafio a ser enfrentado pela comissão de Direitos Humanos da ALMG, declarou o deputado Durval Ângelo. Para o parlamentar, quem espera que o conflito vá se resolver em curto prazo irá se frustrar, “angu de um dia não engorda cachorro magro, a luta vai ser longa, mas estamos dispostos a vencê-la”, assegurou.

Ele citou a trajetória de outras comunidades tradicionais como a de Brejo dos Crioulos (situado em São João da Ponte no Norte de Minas), e anunciou que, ao menos agora, essa população conta com a Lei 21.147,de 2014, que instituiu a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais. Disse também que o importante é encontrar soluções que possam harmonizar a preservação do parque e das condições de trabalho das comunidades. Para isso, Durval apresentou algumas propostas a serem discutidas entre as famílias e gestores do governo estadual.

Dentre as sugestões, o deputado afirmou que pode haver uma recategorização do parque, reclassificando-o como uma unidade de conservação de uso sustentável, o que implicaria a provável resistência de movimentos ambientalistas e dos órgãos que atuam nessa área. Também disse que seria possível revogar o decreto que cria o parque para que possa ser aprovado outro instrumento, com modificações a fim de permitir as atividades dos apanhadores de flores, dentre outros trabalhadores. “Temos que ver qual será o caminho mais viável. Enquanto isso, façam boletins de ocorrência de qualquer violação de direito ou ameaça que vocês vierem a sofrer”, orientou o parlamentar. 

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