Especialistas defendem mais rigor no Estatuto da Criança
Em debate público, autoridades rejeitam redução da maioridade, mas admitem penas mais severas para crimes violentos.
16/05/2014 - 20:07Autoridades e especialistas defenderam mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para ampliar a punição a infratores menores que cometerem crimes hediondos. Eles participaram do Debate Público Maioridade Penal, realizado nesta sexta-feira (16/5/14), no Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), pela Comissão de Segurança Pública. O encontro foi solicitado pelo vice-presidente da comissão, deputado Sargento Rodrigues (PDT), e os deputados Célio Moreira (PSDB) e Duarte Bechir (PSD) para discutir a proposta de reduzir para 16 anos a idade para responsabilizar criminalmente uma pessoa.
Os três palestrantes do debate admitiram o crescimento das ocorrências de crimes praticados por menores, mas se posicionaram contra a redução da maioridade penal. A proposta é que o próprio ECA passe a prever penas maiores de privação de liberdade para crimes mais graves como aqueles nos quais ocorram a morte ou invalidez da vítima, com variação para o tipo de crime e a idade do infrator. “O Estatuto foi aprovado numa outra realidade, numa época em que não havia nenhuma proteção ao menor. Agora a situação é outra, é preciso atualizá-lo”, afirmou a juíza titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude, Valéria da Silva Rodrigues.
O promotor de Defesa da Infância e da Juventude, Márcio Rogério de Oliveira, reconhece que o ECA é insuficiente para esses casos, mas lembra que tais crimes são cometidos pela minoria dos adolescentes envolvidos em atos infracionais. “Não justifica reduzir a maioridade e prejudicar a maioria que não se envolve neste tipo de crime”, ressalta. De acordo com a juíza Valéria Rodrigues, dos 9 mil adolescentes encaminhados ao Centro Integrado de Atendimento ao Autor de Ato Infracional (Cia-BH), menos de 6% praticaram crimes graves.
O ex-oficial do Bope, o Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro, e consultor do filme "Tropa de Elite", o antropólogo Paulo Roberto Storani, advertiu para a necessidade de se implantar uma medida corretiva ou suficientemente forte que amenize o sofrimento de quem perdeu um ente querido e dê uma resposta à sociedade. Defendeu, ainda, medidas preventivas que assegurem que o infrator não retorne ao crime.
Segundo o promotor Márcio Oliveira, a maioria dos países no mundo adota a idade de 18 anos como limite para a maioridade. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera como criança a pessoa até 18 anos. No Brasil, os infratores começam a ser responsabilizados pelos crimes a partir dos 12 anos, mas em outros, como Espanha, Portugal, Itália e Alemanha, por exemplo, apenas a partir dos 14 anos. No Japão, só a partir dos 21 anos o infrator passa a responder como adulto.
Márcio Oliveira explicou que a idade foi convencionada em função de dados médicos, psicológicos e sociais que mostram que os adolescentes sofrem influências diversas que os impedem de ter consciência plena dos atos que praticam. “Eles vivem uma explosão hormonal, afirmação de identidade, problema de autoestima, precisam sentido de pertencimento a um grupo, querem ser diferentes, são questionadores, se acham super-homem, topam qualquer parada, fazem primeiro e pensam depois. Isso é adolescência”.
Crise normativa - A juíza Valéria Rodrigues considera que o sistema de segurança pública brasileiro está falido e que o País está passando por uma crise normativa. Além do aumento da punição para menores que cometem crimes hediondos, ela é favorável à redução de benefícios para os sentenciados que acabam cumprindo um tempo muito menor do que a pena aplicada. Para ela, o trabalho deveria ser obrigatório a todo preso e não poderia servir para abater a pena. “Esta seria a contrapartida do réu”. Também sugere o agravamento da pena daquele que usam menores para praticar crimes.
De acordo com o promotor Márcio Oliveira, o Código Penal, que define as penas para os adultos, chega a ser mais suave que o próprio ECA. Citou o exemplo do crime de roubo a mão armada, para o qual a pena prevista é de 6 a 8 anos de detenção. O sentenciado pelo crime dificilmente, conforme o promotor, cumprirá mais que um ano de pena, em função das possiblidades de redução da pena previsto pelo próprio código penal. Já o adolescente que comete o mesmo ato pode ficar três anos preso, porque não conta com nenhum instrumento que amenize sua pena.
Estrutura prisional é criticada
Os palestrantes do debate público criticaram a estrutura do sistema prisional brasileiro. A magistrada Valéria Rodrigues, que também já foi vítima de assalto e agressões cometidas por menores, explicou que em Minas Gerais existem cerca de 2 mil adolescentes presos, mas que seriam necessários lugares para três vezes mais que este número. Por falta de vagas no sistema, os juízes são obrigados a liberarem os menores após cinco dias de detenção, sob pena de serem responsabilizados. “Os magistrados se sentem impotentes”, reclamou.
O promotor endossou a denúncia, afirmando que em Minas faltam unidades de internação para menores nas principais regiões do Estado. “O governo é negligente”, acusou. Paulo Storani lamentou que a definiciência no setor atinge todo o País. “A estrutura correcional é deteriorada: nossas unidades são depósitos de presos, não dão condição alguma para o jovem permanecer”.
Problemas em outras áreas também foram apontados como fatores que dificultam a redução da criminalidade entre os menores como escolas públicas pouco atraentes para os jovens e a injustiça social. “Não consigo imaginar um menino de 15 anos num presídio. Temos que educar, orientar e proteger nossos jovens. Reduzir a maioridade penal é uma violência contra nossa juventude”, desabafou Márcio Oliveira.
O promotor explicou que debater a redução da maioridade penal é inócua, considerando que inimputabilidade do menor é uma cláusula pétrea da Constituição Federal e, por isso, não pode ser alterada, exceto se for feita outra constituição. Além disso, para ele, é, também, “um tiro no pé”, pois se um jovem for submetido à realidade dos presídios, sairá pior do que entrou.
Deputados defendem a redução da maioridade
Os deputados presentes ao debate público defenderam a redução da maioridade penal para 16 anos. Sargento Rodrigues (PDT) admitiu que a medida não vai solucionar o problema da violência no País, mas pode evitar a impunidade. Ele citou alguns casos de crimes cometidos por menores que chocaram a sociedade. Ele defende a mudança no Código Penal, especialmente para aqueles que cometem crimes violentos contra pessoas. “Nestes casos não devia ser avaliado sequer a idade do criminoso”. Ele afirmou que um menor que comete um assassinato é condenado a no máximo 3 anos de prisão; enquanto que um adulto pode pegar entre 24 e 30 anos pelo mesmo crime.
Sargento Rodrigues disse que dados da Secretaria de Defesa Social dão conta de uma evolução crescente das internações de menores infratores no Estado: em em 2008, foram 1.202 casos; 2009, 1.423; 2010, 1.450; 2011, 1.529; 2012 1.609; e, 2013, chegaram a 1651. O deputado defende punição mais severa para os menores, de acordo com a gravidade dos crimes cometidos. “Cadeia não é para consertar ninguém, é para punir e segregar aquele que não pode conviver em sociedade”.
Célio Moreira (PSDB) lamentou a rejeição pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado da Proposta de Emenda à jConstituição (PEC) 33/2012, que previa a redução da maioridade penal para 16 anos. Em sua opinião, a Casa Legislativa desconsiderou um desejo da sociedade brasileira. “Não é justo que toda a sociedade seja mantida refém de um estatuto que protege um jovem infrator”, reclamou. Ele também defendeu mudanças no ECA para aumentar a punição aos adolescentes que cometem crimes bárbaros.
Lafayette de Andrada (PSDB) apresentou uma sugestão mediadora. Ele defende que a maioridade seja reduzida apenas para os casos de crimes violentos contra as pessoas. E prevê duas situações: para o réu primário, o juiz poderia definir, caso a caso, se será julgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ou pelo Código Penal. Já em casos de reincidência, o menor já seria julgado como adulto. “Não adianta querer ser benevolente, se repetiu o crime, fez porque quis. Todo dia vemos jovens cometendo crimes bárbaros e nada acontece e eu acho que isso a sociedade brasileira não merece”.
João Leite (PSDB) defendeu que qualquer criminoso, independente da idade, somente seja colocado em liberdade com a apresentação de um laudo psiquiátrico que assegure que não representa mais perigo à sociedade. “O crescimento do crime entre adolescente é chocante. Tem que haver mudança, não é possível convivermos com isso”, argumentou.
Depoimentos – Duas vítimas de menores fizeram seus relatos durante o debate público. Wellington Gomes da Silva foi atingido, há um ano e meio, por balas disparadas por dois menores e ficou paraplégico. Além de perder toda a sensibilidade da cintura para baixo e se locomover apenas por cadeiras de rodas, ele afirma que teve a rotina totalmente alterada e a saúde fragilizada. Sofre dores intensas diárias e precisa do uso constante de medicamentos. “É preciso mudar alguma coisa para que a gente tenha mais tranquilidade para sair às ruas”, afirmou.
Ângela Maria da Fonseca, mãe do estudante Matheus, morto em fevereiro também por menores, afirmou que não clama pela punição de quem levou seu filho, mas por medidas que impeçam que outras mães sofram perda semelhante. Ela lembrou ainda, as mães dos criminosos que, em sua opinião, podem passar por um sofrimento ainda menor por não poder tirar o filho do crime. “A morte de Matheus não foi uma bobagem, mas o que vamos fazer de concreto?”, indagou para mostrar sua ansiedade pela diminuição da violência.