Autoridades apresentaram argumentos contra e a favor da tolerância com os usuários de drogas; descriminalização da maconha também encontrou opositores e defensores
Para o juiz da 2ª Vara Criminal, Walter Júnior, o tráfico é a porta de entrada para vários crimes
O defensor público Moacyr Costa Rabello acredita que as drogas tenham virado um problema social

Legislação contra as drogas divide opiniões em Caratinga

Autoridades polemizam em torno da flexibilização da punição para usuários de entorpecentes.

27/03/2014 - 14:31

Uma polêmica sobre a legislação penal brasileira marcou a audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao uso de Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quinta-feira (27/3/14) em Caratinga (Vale do Rio Doce). Autoridades que participaram do debate apresentaram argumentos contra e a favor da tolerância com os usuários de drogas. A descriminalização da maconha também encontrou opositores e defensores.

Entre os críticos da legislação brasileira, o presidente da comissão, deputado Vanderlei Miranda (PMDB), considera as normas muito “paternalistas”, deixando o Judiciário de mãos atadas. “A Polícia Militar prende a mesma pessoa 10, 15, 20 vezes, mas em função da lei, o Judiciário tem que soltar. A sensação é de que estamos enxugando gelo", lamentou o parlamentar. Em seu entendimento, a tolerância com os usuários beneficia os traficantes, que passam a contar com “uma clientela fidelizada que não pode ser presa”.

O comandante da 22ª Companhia Independente da Polícia Militar, major Sérgio Renato da Silva, afirmou que não há como combater as drogas com a legislação atual e principalmente com a impunidade que existe no País. “Não se resolve o problema com os efetivos das Polícias Militar e Civil ou com o trabalho árduo do Ministério Público e do Judiciário. É preciso trabalhar na prevenção, mas também na repressão pontual e qualificada”, disse ele. Para o oficial, é necessário reprimir também os pequenos e médios traficantes que, segundo ele, são beneficiados com a impunidade.

O major informou que houve um aumento de 15,2% no número de prisões por tráfico em Caratinga entre 2012 e 2014. Por outro lado, o efetivo da PM foi reduzido de 400 para 307 homens. Mesmo com a carência de recursos humanos, a PM faz um trabalho de conscientização em 17 escolas da cidade, atendendo 1,9 mil crianças, mas segundo o policial, não consegue impedir que algumas delas acabem se envolvendo com as drogas.

De acordo com o delegado regional de Polícia Civil, Silvio Henrique Pagy Corrêa, somente em 2013 já foram apreendidos 44,3 quilos de maconha, 4,4 quilos de crack e 2,4 quilos de cocaína. Também foram instaurados 149 inquéritos que resultaram em 117 indiciamentos.

O vereador Rômulo Fabrício Gomes, o Rominho, sugeriu ampliar a discussão acerca das medidas de combate ao uso das drogas. Ele posicionou-se totalmente contrário à liberação da maconha, por considerar essa droga porta de entrada para o consumo de crack.

Judiciário dividido quanto à punição para traficantes

Também defensor de maior punição, o juiz da 2ª Vara Criminal e Juizado da Infância e Juventude, Walter Zwicker Esbaille Júnior, é contrário à substituição da pena de restrição de liberdade por prestação de serviço na comunidade para traficantes considerados primários. “O tráfico é a porta de entrada de vários crimes: roubos, homicídios, prostituição infantil, entre outros”, advertiu.

Segundo o magistrado, a legislação também dificulta a repressão contra o adolescente envolvido com drogas, ampliando a delinquência juvenil. “Hoje vivemos uma inversão de valores. Antes as crianças almejavam ser policiais ou bombeiros, hoje querem ser traficantes, que se tornaram símbolos de status”, comparou. Zwicker também criticou a política de internação voluntária, pois para ele muitos dependentes chegam a um ponto de não ter mais consciência de sua própria vontade.

Sob a mesma ótica, o promotor Marcelo Dias Martins lamentou que a guerra contra o tráfico já se arrasta há 40 anos, mas o problema só tem aumentado. “Ou não estamos enfrentando o tráfico com as armas comparáveis às que eles (os traficantes) têm ou estamos numa guerra fracassada”, provocou.

Segundo o promotor, o Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária, com 500 mil presos, e é a sexta nação que mais prende no planeta. Mas, em função da legislação que facilita a soltura do preso, é grande a rotatividade no sistema penitenciário. Para ele, isso gera a sensação de impunidade e insegurança no País. Em sua opinião, iniciativas como a da comissão da ALMG precisam se ampliar. Entre os assuntos a serem enfrentados, conforme Marcelo Martins, está a liberação da maconha.

Do lado dos defensores da legislação brasileira, o juiz da 1ª Vara Criminal e Juizado da Infância e Juventude, Júlio Ferreira Andrade, pontuou que o aumento da criminalidade em todo o Brasil vem se agravando ao longo dos tempos, mas não em função das leis e, sim, da falta de medidas efetivas de prevenção e reinserção social do dependente. “A legislação é boa, o problema é que o combate é feito de forma errada. Prendem-se pessoas todo dia, mas ninguém é recuperado ou reinserido na sociedade”, denunciou.

Na opinião do magistrado, é preciso tomar duas medidas: prevenir e oprimir de maneira eficaz. Ele defendeu um trabalho direcionado a crianças e adolescentes que moram em zonas de risco, onde o Estado não se faz presente e o traficante ocupa o lugar do poder público. Por outro lado, defendeu melhor aparelhamento das polícias para prender os traficantes. Júlio Andrade condenou a punição dos usuários. “Prender quem precisa de tratamento é abominável”, afirmou.

Também o defensor público Moacyr Costa Rabello considerou que a solução não está na legislação. “Direito penal não combate as drogas, não foi feito para resolver questões de política social. E a droga virou um problema social: basta ver que ela é o motivo para a maior parte dos crimes contra o patrimônio”, explicou.

Para ele, a prevenção, o tratamento e a reinserção vão muito além do que o direito penal pode fazer. “Faltam políticas públicas decentes para o combate efetivo das drogas. Não se consegue combater o problema só aniquilando o traficante”. Ele também se posicionou contra a internação compulsória dos dependentes, que na sua opinião só funciona enquanto o drogado não tem consciência do que está ocorrendo. Quando não é internado por vontade própria, ele foge do tratamento na primeira crise de abstinência, segundo ele. “Não é eficaz”, resumiu.

O juiz da Vara Especial Criminal da comarca, Marco Aurélio Abrantes Rodrigues, não se posicionou contra ou a favor da legislação, mas admitiu que o Brasil está longe de possuir a estrutura necessária para combater as drogas, com grande deficiência de recursos humanos e materiais. Ele também disse que é preciso estabelecer medidas mais efetivas de prevenção e sugeriu a realização de palestras e reuniões de tratamento com equipes multidisciplinares, formadas por médicos, psicólogos, policiais e ex-usuários. Para ele, essa sensibilização tem se mostrado eficiente no combate ao uso das drogas.

Necessidade de mais investimentos é consenso

Em que pesem as divergências, todos os participantes da audiência pública concordaram que é preciso mais investimentos para o combate às drogas.

O prefeito de Caratinga, Marco Antônio Ferraz Junqueira, reclamou que os municípios têm assumido responsabilidades que deveriam ser da União e do Estado, o que dificulta o investimento municipal na prevenção às drogas.

Ele citou o exemplo da área da saúde: a prefeitura recebe R$ 55 mil mensais para aplicar no setor, mas destina cerca de R$ 500 mil ao Sistema Único de Saúde. Para o transporte escolar, a prefeitura tem repasses de R$ 920 mil, mas investe R$ 3,1 milhões. “As prefeituras pagam contas que não são do município. Usamos recursos que poderiam ser usados na prevenção às drogas. Estamos chegando ao limite para atuar no que é, de fato, nossa responsabilidade”, reclamou.

O presidente do Conselho de Pastores de Caratinga, Jaelson de Oliveira Gomes, desenhou um quadro pessimista da atual situação brasileira no combate às drogas. “A prevenção tem se mostrado eficaz, mas, o tratamento, um paliativo. A reinserção social dos usuários é quase utópica, e o combate ostensivo às drogas é insuficiente, pois a demanda é crescente”, afirmou.

Para ele, a solução ultrapassa a atuação do poder público e deve ter o envolvimento de toda a sociedade. “É preciso investir no resgate dos valores morais e éticos, e não podemos negligenciar os valores espirituais, dos quais a sociedade tem se afastado”. Ele considera incoerente defender a liberação da maconha e o combate às drogas. “A porta está aberta com as drogas lícitas. Não estamos enxugando pedra de gelo, mas estamos com uma pedra de crack e não estamos conseguindo enxugar”, refletiu.

O deputado Vanderlei Miranda destacou que o propósito das reuniões no interior é avaliar a realidade do Estado como um todo, no que tange às graves questões que envolvem o consumo de crack e de outros tipos de substâncias entorpecentes. A comissão já visitou diversos municípios em diferentes regiões de Minas Gerais, e agora chegou ao Vale do Rio Doce. "Em face do aumento da criminalidade ligada às drogas na região, a comissão vai analisar a realidade local e buscar soluções junto com o governo", informou.