Comissão debateu situação de sem terra do Acampamento Novo Paraíso, extração clandestina e criminosa de madeiras e omissão dos órgãos responsáveis
Geraldo Pires acredita que a única forma de barrar o desmatamento é criar o assentamento no local
Danilo Daniel (à dir.) disse que o Incra fez vistoria e avaliação do imóvel, mas não pode avançar porque o processo foi embargado

Comissão tenta reverter reintegração de posse em Jequitaí

Em audiência, Direitos Humanos propõe providências para apoiar trabalhadores que ocupam fazenda no Norte do Estado.

11/12/2013 - 19:26

Tentar reverter ou, pelo menos, adiar o cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse na Fazenda Belgo Minas/Ferroligas, em Jequitaí (Norte de Minas), onde trabalhadores sem terra estão acampados há cerca de oito anos. Esse foi o objetivo da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em reunião realizada nesta quarta-feira (11/12/13).

O deputado Rogério Correia (PT), que requereu a reunião juntamente com Durval Ângelo (PT), fez a leitura das providências que a comissão pretende adotar com base nos requerimentos apresentados, que seráo votados na próxima reunião da comissão. A comissão vai enviar ofício a um dos 13 proprietários da fazenda e também representante deles, João de Assis Perez. Ela solicita que o representante restabeleça negociações com o Incra-MG, no sentido de liberar o imóvel para venda à União e consequente destinação aos trabalhadores rurais sem terra do Acampamento Novo Paraíso, que ocupam a propriedade.

Inspeção judicial – Será enviado também apelo ao Conselho Nacional de Justiça para que suspenda os efeitos da ação judicial, uma vez que há indícios de irregularidades na condução do processo. Ao juiz que conduziu a ação, Otávio Neves, da Vara de Conflitos Agrários, a comissão solicita que faça inspeção da fazenda, para verificar as denúncias trazidas pelos sem terra. De acordo com o MST, a área da fazenda ao lado da que é ocupada por eles está bastante devastada, com diversos trabalhadores a mando de João Perez extraindo madeira ilegalmente.

Com o objetivo de conter essa devastação ambiental na propriedade, serão enviados ofícios à Polícia Ambiental, ao Ministério Público e ao Instituto Estadual de Florestas, pedindo a fiscalização da área e abertura de inquérito para apurar responsabilidades.

Além disso, a comissão deve fazer visita ao assentamento, acompanhada das entidades presentes à audiência – Defensoria Pública, CUT-MG, Incra-MG e MST. A elas e também aos órgãos objeto de requerimentos serão enviadas as notas taquigráficas da reunião para conhecimento e providências.

Crime ambiental já é motivo de desapropriação, diz MST

Geraldo Pires de Oliveira, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - Regional Norte de Minas - Pirapora, questionou o Incra por não ter proposto a desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária. “Naquela fazenda está comprovada a atividade ilícita de retirada de madeira, promovendo a devastação ambiental da área. E crime ambiental é motivo de desapropriação”, afirmou, fazendo referência ao Decreto federal 433, de 1992, que trata da aquisição de imóveis rurais para fins de reforma agrária, por meio de compra e venda.

Geraldinho, como é conhecido, criticou ainda o juiz Otávio Neves, que estaria descumprindo a legislação do Estado. “Ele não fez a inspeção ao nosso assentamento para ver como está a situação na prática. É necessário que o juiz faça isso e comprove o desmatamento de que falamos”, exigiu.

Carvoeiras – Ele lembrou que as cerca de 140 famílias ocuparam a área em 2006, que estava totalmente abandonada e com diversas carvoeiras clandestinas. Geraldo Pires registrou que em diversas ocasiões conversaram com o representante da fazenda, João Perez, propondo que o Incra comprasse a terra, com cerca de 11 mil hectares, para fazer a reforma agrária. Só que quando o Incra fazia a vistoria e propunha a compra, o proprietário pedia um valor maior do que o de mercado.

O líder sem terra afirmou ainda que João Perez teria oferecido 5 hectares a cada família para que produzisse carvão. “O interesse desse pessoal não é de produzir, mas de extrair tudo que tem nessa terra. Do lado que não ocupamos na fazenda, extraíram toda a madeira e todo o cerrado que tinha lá”, acrescentou Geraldinho, mostrando fotos da área degradada. “Toda semana, sai um caminhão de madeira do local; já existe um processo no Ministério Público desde 2008, mas nada é feito!”, indignou-se.

Na opinião dele, a única forma de barrar o desmatamento é criar o assentamento no local. Segundo ele, a comunidade de acampados, mesmo com dificuldades, vem produzindo alimentos que ajudam a abastecer Jequitaí. E mostrou fotos da horta comunitária e da escola que existe no acampamento. “Nós do MST somos pela agroecologia, pelos alimentos sem agrotóxicos”, destacou.

Risco de vida – Por último, o líder pediu segurança às autoridades: “Estamos correndo risco de vida. Os caras da fazenda andam armados 24 horas por dia”, denunciou. Apesar disso, Geraldinho disse que o grupo não tem medo: “Estamos dispostos a entregar nossas vidas, se preciso for. Não temos armas ou outros instrumentos para enfrentar a polícia. Mas não vamos sair de lá, vamos resistir.”

Incra está impedido de desapropriar a terra

O superintendente regional do Incra em Minas Gerais, Danilo Daniel Prado Araújo, informou que o órgão fez vistoria e avaliação do imóvel, mas não pode avançar muito. Isso porque o processo foi embargado pelos proprietários e, por isso, o Incra ficou impedido de desapropriar a terra. Segundo ele, o órgão solicitou à Vara Agrária que faça inspeções no local e que veja a possibilidade de promover o assentamento em vez de pedir a reintegração de posse.

Ainda de acordo com Danilo Araújo, foram feitos contatos com João Perez. “Passamos toda a documentação ao proprietário, que assumiu o compromisso de mostrá-la ao restante do grupo. Só que eles apresentaram uma proposta de venda com valor muito acima do praticado na região e uma documentação incompleta do imóvel”, registrou.

A defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre afirmou que já enviou ofícios ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) e à Polícia Ambiental cobrando providências quanto ao desmatamento na Fazenda Belgo Minas/Ferroligas. “Só o IEF nos respondeu dizendo que há desmatamento ilegal na área, que é apta para reforma agrária”, disse.

Destinação social – Para Ana Cláudia, o despejo dos assentados pode se tornar um incentivo ao desmatamento no local. Ela acredita que, apesar da decisão judicial, a questão possa ser revertida por outros meios. “Estamos falando de trabalhadores que há anos estão dando destinação social a essa terra. A retirada deles vai provocar um grande mal a sociedade. Estamos trabalhando para que essa história não tenha um fim dramático, que é a desocupação”, concluiu.

Beatriz da Silva Cerqueira, presidente da CUT-MG, reclamou que o Governo do Estado não administra para a maioria da população: “Ele diz que não tem dinheiro para a reforma agrária, para saúde, para educação, mas tem dinheiro para os ricos”. Na opinião de Beatriz, o Estado tem tratado as demandas sociais como casos de polícia e colocado a força repressiva a serviço da iniciativa privada. “Temos 12 mil famílias em ocupações só na Grande BH e, para lá, o Estado não manda pessoas para negociar, e sim a força repressiva”, acrescentou, declarando apoio aos sem terra.

Debates – Na fase de debates, vários moradores da ocupação se pronunciaram, abordando a produção de alimentos da área e o desmatamento na parte desocupada. Maria de Jesus, emocionada, disse que se forem retirados da fazenda, não terão pra onde ir. “A gente quer uma solução. É um 'mundo' de terra lá, e tanta gente precisando de terra”, afirmou, lembrando que as famílias plantam, produzem biscoitos e outros alimentos e vendem na cidade de Jequitaí.

Consulte o resultado da reunião.