Três dos 12 Profetas, conjunto de esculturas em pedra sabão feitas entre 1795 a 1805, no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas
“O mito faz parte da figura. Aleijadinho era barroco de corpo e alma”, diz Luciomar Sebastião de Jesus
Os leões de Essa em madeira, de autoria de Aleijadinho, estão na Igreja de São Francisco de Assis
Segundo Dener Pereira, o Centro de Estudos da Pedra e Centro de Referência do Barroco deve ficar pronto em 2014
Biografia de Rodrigo Bretas sobre Aleijadinho, de 1858, foi relançada em junho de 2013

Aleijadinho, barroco de corpo e alma

Comemoração do bicentenário da morte do artista mineiro, em 2014, coloca em primeiro plano a permanência de sua obra.

Por Fabrício Marques
14/11/2013 - 19:00

Um mito que foi apropriado de formas diferentes em diversos contextos da história brasileira. Uma referência não só de arte, mas também de linguagem e pensamento coloniais. Uma mercadoria disputada por colecionadores do patrimônio artístico nacional. Essas são algumas das muitas e possíveis definições de um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, próximo do bicentenário de sua morte: Antônio Francisco da Costa Lisboa, o Aleijadinho.

Para embaralhar e ampliar as leituras em torno do mestre, muitos fatos de sua vida estão cercados de mistério. Aleijadinho pode ter nascido em 1730 ou em 1738; ele provavelmente sofria de hanseníase ou, talvez, de outra doença; o artista teria criado centenas de obras ou talvez o número não seja tão grande assim. Para contar sua história é preciso se valer de verbos no modo condicional e advérbios de dúvida.

Contudo, é certo que o genial criador dos 12 profetas de pedra-sabão em Congonhas (sua obra máxima de escultura) e da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto (sua obra máxima de arquitetura e ornamentação) morreu no dia 18 de novembro de 1814. E outra certeza ilumina a obra criada por ele: em 2014, 200 anos depois de sua morte, está ainda mais viva a admiração em torno de seus notáveis projetos arquitetônicos, estatuárias, relevos e talhas.

Maior expoente da arte colonial no Brasil, sua obra está toda em Minas, nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas. Em 18/11/13 é comemorado o Dia do Barroco Mineiro, instituído pela Lei 20.470, de 2012, uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Essa legislação origina-se do Projeto de Lei (PL) 3.396/12, do deputado Dinis Pinheiro (PP), presidente da ALMG, e é regulamentada pelo Decreto 46.309, de 2013, do governador. 

A lei determina que 2014 é o Ano de Comemoração do Bicentenário de Aleijadinho, e que, anualmente, em 18 de novembro, sejam realizadas no Estado atividades com o objetivo de preservar, valorizar e divulgar o patrimônio histórico, artístico e cultural vinculado ao Barroco Mineiro, à obra de Antônio Francisco Lisboa e aos demais expoentes desse estilo.

“Nossa intenção, ao propor aos colegas parlamentares a dupla homenagem ao maior artista plástico de nossa história, foi buscar dar a ele um reconhecimento popular similar ao que ele já adquiriu nos meios artísticos e acadêmicos, como artista genial”, afirma o deputado Dinis Pinheiro. Além disso, o parlamentar destaca que essa riqueza do Estado é algo que precisa ser celebrado permanentemente. “Dessa forma, toda a sociedade mineira pode dar a sua contribuição para a manutenção e divulgação desse grande patrimônio, simbolizado pela figura de Aleijadinho”, acrescenta.

“Já havia passado da hora de instituir um dia para celebrar essa fase tão importante da arte brasileira, que é o Barroco. O Barroco Mineiro se destaca nacionalmente e, fora do Brasil, ele é super-respeitado nos países em que as pessoas conhecem esse estilo artístico. Cumprimento o presidente da ALMG, deputado Dinis Pinheiro, pois é isso que esperamos dos homens públicos: que reconheçam a importância da cultura e que ela seja devidamente valorizada”, afirma a empresária, colecionadora de arte e empreendedora cultural Ângela Gutierrez.

O diretor de Patrimônio da Prefeitura de Congonhas, Luciomar Sebastião de Jesus, avalia que a obra de Aleijadinho é a primeira manifestação artística genuinamente brasileira. Estudioso da obra do artista, ele busca o ser humano atrás do gênio. “Estou mitificando, sim. O mito faz parte da figura. Aleijadinho era barroco de corpo e alma”, atesta.

Ele deu uma nova roupagem para o Barroco. “Tem algo do barroco alemão, do litorâneo, mas é algo novo. Um exemplo são os cabelos dos santos. Eles têm a forma de espiral, tal como no alemão, mas é algo diferente. Aleijadinho termina com voluta, ou seja, forma serpenteada de espiral”, diz o diretor.

O valor estético e artístico da obra de Aleijadinho foi percebido de diversas formas, através dos séculos. Como explica o escritor e professor da Universidade de São Paulo (USP), João Adolfo Hansen, no século XVIII, o escultor/arquiteto Aleijadinho e outros artesãos de oficinas que faziam obras com o estilo dele eram reconhecidos pela aptidão artística com que executavam encomendas das diversas irmandades religiosas da região de Vila Rica, Sabará e São João del-Rei.

“No século XX, o nome Aleijadinho passou a significar um artista genial, 'mulato façanhudo', na fórmula de Mário de Andrade, que expressou sua condição colonial-racial subordinada em obras expressionistas que revelam seu inconformismo sociopolítico. E também o nome de uma mercadoria original e rara, disputada por colecionadores de 'arte colonial mineira' ou 'Barroco Mineiro', completa Hansen.

Veja a entrevista com João Adolfo Hansen

É fato que os visitantes europeus, no século XVIII, não consideravam as obras de Aleijadinho como arte? Por que isso ocorreu?
Muitos dos viajantes europeus que passaram pelas Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX tinham a cabeça feita por padrões neoclássicos franceses. Como as artes coloniais são feitas com materiais locais precários, como barro, madeira, tintas locais, que substituem materiais "nobres", como o mármore, e têm padrões artísticos que não correspondem aos neoclássicos, os viajantes as consideraram coisas inferiores, próprias de negros, mestiços, mulatos ignorantes. No caso, encontramos no juízo estético de muitos viajantes a fusão de preconceitos racistas com padrões artísticos tidos como próprios do "bom gosto" que, segundo eles, definia a superioridade de homens realmente cultos e civilizados.

Gostaria que o senhor falasse dos conceitos de autor-homem e autor-estilo, que qualificam Aleijadinho.
Na antiga sociedade portuguesa, o nome do autor classificava o gênero e o estilo das obras em que ele se especializava. É o caso, por exemplo, de Gregório de Matos, que significava "sátira", na Bahia do século XVII. A partir do século XIX, com o romantismo, o nome do autor passou a significar o homem e a sua psicologia. Assim, no século XVIII, as curvas das esculturas ou os riscos da arquitetura atribuídos a Aleijadinho eram interpretados segundo critérios retóricos da imitação que concorria com modelos do costume tradicional do gênero em que as esculturas e a arquitetura se incluíam. Os critérios da apreciação e constituição da autoria eram técnicos.

E a partir do século XIX?
A partir daí, as esculturas e a arquitetura passaram a ser interpretadas por meio da psicologia pressuposta no homem. Os critérios passaram a ser psicológicos e também sociológicos. Como são curvas dinâmicas, viu-se nelas a expressão da angústia de um indivíduo mulato e leproso, expressionista antes de haver o expressionismo alemão, homem genial rebelado contra os poderes constituídos etc. Os modernistas de São Paulo repetiram o psicologismo romântico para inventar tradições nacionais e nacionalistas, A mesma coisa ocorreu com os poetas árcades do século XVIII. Guiomar de Grammont evidenciou no seu livro sobre as interpretações das obras classificadas como sendo de Aleijadinho que Bretas, o biógrafo de Aleijadinho, escreveu a vida dele imitando o romance de Victor Hugo sobre o corcunda de Notre Dame, Quasimodo. No século XX, o critério romântico foi repetido, e continua hoje.

E no século XXI, como Aleijadinho é recebido?
No século XXI ele é antes de tudo uma mercadoria disputada por colecionadores do patrimônio artístico nacional. Granfinas belo-horizontais ou belo-horizontinas dizem que o que elas têm em casa não é um Aleijadinho, mas um "Aleijadérrimo" ou "Aleijadésimo". O dinheiro substitui a cultura dessa gente arrogante. Também é considerado um ótimo exemplo do chamado Barroco Mineiro. Fala-se que foi Mulato Leproso Genial.

Podemos dizer que Aleijadinho é o maior artista brasileiro do período colonial?
Não vou responder nesses termos. Isso porque podemos supor que muitas das obras que têm o "estilo Aleijadinho" foram feitas por artesãos anônimos de oficinas que hoje são ignorados. Eu deslocaria o foco da questão do autor para as obras, dizendo que muitas são excelentes obras coloniais. Há outros, excelentes: Francisco Xavier de Brito, por exemplo. Ou o Cabra, na Bahia. Não tenho informação a respeito da recepção europeia de Aleijadinho hoje. Germain Bazin o valorizou muito como autor do chamado Barroco Mineiro.

A professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Guiomar de Grammont, lançou em 2008 “Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial”, fruto de tese defendida na USP seis anos antes. O livro despertou polêmica, por defender algumas posições que afrontaram o cânone já formado em torno de Aleijadinho até então. Na opinião de Grammont, há muitos Aleijadinhos .

“Aleijadinho é um mito que foi apropriado de formas diferentes em diversos contextos da história brasileira. Para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) do século XIX, regido por Dom Pedro II, por exemplo, interessava enfatizar um personagem branco, filho de pai português; para o modernismo, interessava o mestiço, filho de uma escrava... São Aleijadinhos muito diferentes entre si, não? E houve outros mais, ao longo da história da arte nacional brasileira”, destaca a professora.

Guiomar de Grammont considera que esses diferentes Aleijadinhos foram sobrepostos à vida de Antônio Francisco Lisboa, um homem simples, que trabalhou com dificuldade como mestre de um ateliê que reunia outros escultores, alguns deles escravos. “Teve um talento para a escultura prodigioso e menos reconhecido em seu tempo do que na atualidade. Foi pardo e trabalhou em igrejas de brancos, as quais certamente não podia frequentar depois, o que me toca profundamente”, completa.

Veja a entrevista com Guiomar de Grammont

Sua tese foi defendida em 2002, sendo publicada em livro em 2008. Depois dessas publicações, qual avaliação você faz das repercussões do livro? Acrescentaram algo em sua visão sobre Aleijadinho?
Não. A repercussão foi a pior possível, eu acredito. Muita gente não sabe que o livro foi resultado de uma tese de doutorado e pensa que eu fiz algo panfletário, apenas para chocar. Nenhuma das críticas a ele, positivas ou negativas, acrescentou algo ao que eu já tinha descoberto em minhas pesquisas. E algumas das críticas negativas foram grosseiras, quase ofensivas. Fico triste quando penso nelas. Espero que um dia esse livro seja compreendido.

“O Aleijadinho é uma imagem que foi reinventada para adequar-se aos objetivos políticos de cada época”. Hoje, qual seria o objetivo político ligado à imagem de Aleijadinho?
Penso que, hoje, trata-se mais de uma questão econômica do que política. Meu livro incomodou muito porque fazia a crítica das operações de atribuição de obras de arte a artistas renomados, o que beneficia vários colecionadores e também algumas cidades. Do ponto de vista mais amplo, a questão também é econômica, pois a fama de Aleijadinho significa mais divisas para o Brasil, tornando-o um país mais visitado. O curioso é que, como comentei com amigos historiadores, mexer com um mito que propicia interesses econômicos parece muito mais grave do que tocar em um mito político, como o de Tiradentes, por exemplo...

Memorial de Aleijadinho deve ser inaugurado em 2014

Foi em julho deste ano que o doutor em Musicologia e conselheiro da Fundação Padre Anchieta de São Paulo, Maurício Monteiro, esteve em Congonhas. Ele diz que, por ser uma região mineradora, deveriam ser criadas formas alternativas de preservação dos profetas esculpidos em pedra-sabão, como redomas de polietileno ou vidro.

“Não penso que tirar os profetas dos lugares onde foram criados seja uma solução. Uma coisa é pensar a obra como atração turística ou arte; outra é observá-la como parte integrante de um conjunto maior que, nas perspectivas e pensamentos das Minas do século XVIII e XIX, era a religiosidade”, explica.

Veja a entrevista com Maurício Monteiro

Você é especialista na música produzida no período do Barroco. Existe alguma conexão com a produção musical que acontecia à época em que Aleijadinho produzia suas obras?
Sim, sobretudo a do Brasil Colonial. Existe uma conexão, não pelas formas e estruturas das linguagens, mas pela funcionalidade. Não houve uma música barroca em Minas; nós saltamos do canto chão para a musica pré-clássica. Isso se deve ao sentido da colonização dos portugueses, diferente dos espanhóis. A conexão está em duas vias: uma que é a funcionalidade, isto é, aquilo que deveria servir ao catolicismo, que tanto Aleijadinho quando os compositores e intérpretes fizeram. Vale dizer que a música, assim como as artes plásticas, deveriam funcionar como tributo e expressão da fé, não como culminância estilística. Outra conexão parte do autor. Então, penso na mestiçagem.

E quando relacionamos música e artes plásticas?
Em termos de música e artes plásticas, eram os mestiços que estavam à frente dessas obras, sobretudo como resultado da sociedade escravista. Nela, os setores produtivos estavam divididos entre negros e brancos - um obedece e outro manda. Os mestiços não eram nem um nem outro. Eram desclassificados que precisavam se ajustar à sociedade. Então, procuraram outras formas de sobreviver, e esculpir, pintar, compor e tocar foi uma das formas encontradas.

Para você, qual o significado de Aleijadinho para o século XXI?
Aleijadinho é uma referência não só de arte mas também de linguagem e pensamento coloniais. Isto é importante, porque não se faz futuro sem passado, e muito menos se entendem sociedade e brasilidade se não se conhecem as formas de comunicação do passado e o pensamento de nação que ele pode trazer.

O musicólogo, residente em São Paulo, refere-se à possibilidade de os profetas serem transferidos para o Centro de Estudos da Pedra e Centro de Referência do Barroco, museu que está sendo construído em Congonhas. Mas nada ainda foi decidido, segundo o diretor-presidente da Fundação Municipal de Cultura, Lazer e Turismo de Congonhas (Fumcult), Dener Alexandro Pereira.

Em 2003 surgiu a ideia do museu, concebido pelo Ministério da Cultura, Iphan e Prefeitura de Congonhas. A licitação para a primeira fase da obra saiu em 2008. Dez anos depois da ideia inicial, o memorial voltado para as obras de Aleijadinho ainda não ficou pronto. Segundo Pereira, já foram captados R$ 1,8 milhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),  e é necessário captar mais R$ 1,8 milhão, também com o BNDES, para completar a obra. Depois de muitas previsões, Pereira prevê que o museu fique pronto até meados do ano que vem, com estrutura metálica, ar condicionado, elevador e cuidados com acessibilidade.

Ouro Preto - Em Ouro Preto, o Museu Aleijadinho foi criado em 1968, pelo então pároco, padre Francisco Barroso Filho. O museu, que passou em 2007 por uma revitalização museológica e museográfica, funciona em um circuito que reúne três igrejas históricas: São Francisco de Assis, Nossa Senhora das Mercês e Perdões e o Santuário Nossa Senhora da Conceição. O santuário, construído pelo pai de Aleijadinho, o mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa, é uma das mais antigas paróquias de Minas (1707).

A historiadora da Arte e consultora cultural Cristina Ávila é também diretora da Revista Barroco, cuja nova edição será lançada nesta segunda-feira (18), na ALMG. Para ela, há agora um crescente interesse de parte de empresas privadas em investir no patrimônio público material e imaterial. “Mas a ação e fiscalização de seu patrimônio cabe, especialmente, a iniciativas de nossos representantes legais e democraticamente eleitos, cujo exemplo da ALMG, com a criação da lei que consolidou o Dia do Barroco Mineiro é importantíssimo. Ao valorizar o seu patrimônio, Minas Gerais ganhará visibilidade nacional e internacional”, diz Cristina Ávila.

Veja a entrevista com Cristina Ávila

Muitos mistérios cercam Aleijadinho. Há controvérsias sobre sua data de nascimento, por exemplo, e há quase sempre alguém questionando aspectos de sua biografia. Para você, quais as certezas históricas que não podem ser questionadas sobre o artista mineiro?
Soam-me depreciativos e irresponsáveis estudos que querem desmitificar o artista, dizendo por exemplo que ele não existiu e que é apenas uma criação populista do Estado Novo, pois, independentemente de datas controversas, devem prevalecer estudos que divulguem seriamente a memória brasileira. O nome do artista ou a data de seu nascimento são menos importantes que as obras deixadas por ele, especialmente aquelas abalizadas por documentos e mesmo pela tradição oral. Desmitificar Aleijadinho é uma tentativa antiga, de meados do século XX, é sensacionalista e prejudica a cultura mineira e brasileira. Mas é interessante como algumas pessoas se importam tanto com os aspectos estilísticos e menos com o valor intrínseco de uma dada cultura. O mesmo ocorre há anos com Shakespeare, Camões ou Péricles, mas continuam a ser lidas e apreciadas as obras clássicas, como também não deixam de ser encenados dramas como Romeu e Julieta ou Henrique V. Felizmente o bom-senso popular supera a crítica positivista e o derrotismo cultural. O nome é só uma legenda (podendo vir de lendas e depoimentos tradicionais), prevalecendo as obras – testemunhas mudas do trabalho artístico da humanidade. Antônio Francisco Lisboa – dito o Aleijadinho – nunca passará despercebido para quem cultiva a sua memória ou sensibilidade artística. Seu valor resiste atemporalmente e ultrapassa o âmbito formal ou factual. Nenhum país sério desconhece o valor de seus heróis, mesmo cercado por lendas.

Que contribuição o Barroco Mineiro pode trazer para o século XXI, em termos artísticos?
Em primeiro lugar, para sermos práticos, o chamado Barroco Mineiro contribui para o turismo cultural, e avançando mais nosso foco de visão, é indispensável para a valorização da memória cultural. Quem não tem memória não se compreende como cidadão pertencente à origem. O papel do historiador é não apenas contar um fato, mas, sobretudo, qualificá-lo como fundamental para a formação de uma consciência crítica.

E qual a importância da criação dessa data, de 18 de novembro, como o Dia do Barroco?
Acho que esta data é importantíssima para preservação da memória mineira, sua valorização, assim como para a divulgação e formação de públicos diversos, dos mais jovens aos mais idosos. A data, neste caso, trata-se de um marco divisório entre iniciativas acanhadas do século XX e ações efetivas do século XXI. Busca-se o despertar de agentes públicos e privados para um período histórico que vinha sendo esquecido, até mesmo por historiadores. Um grande exemplo de preservação da memória e do fazer artístico encontramos em iniciativas como a do instituto Flávio Gutierrez e do Instituto Cultural Amilcar Martins, parceiros fundamentais para a edição do número 20 da Revista Barroco. Temos muito a ganhar a curto e longo prazo valorizando a memória de nosso Estado.

Enfermidade do artista ainda é mistério

A alcunha de Aleijadinho surgiu com a perda dos dedos dos pés e alguns das mãos, a atrofia e o curvamento das mãos, bem como a desfiguração facial. Contudo, nada disso o impediu de esculpir obras monumentais. A enfermidade é um dos mistérios que cercam a história do artista. Uma futura descoberta do mal que o acometia poderia esclarecer algumas de suas atitudes.

Em 1997, o médico Geraldo Barroso de Carvalho, especialista em dermatologia e hanseníase, coordenou uma equipe que exumou os restos mortais de Aleijadinho em Ouro Preto. De Barbacena (Região Central do Estado), Carvalho diz que é possível afirmar, hoje, que o artista tinha hanseníase. Ele também investigou a possibilidade de Aleijadinho ter também outra doença, a porfiria, distúrbio que afeta a síntese da heme, parte da hemoglobina sanguínea. Porém, o médico ressalva que a porfiria é só uma hipótese, e, portanto, sua ocorrência não está provada.

“Mas há algumas características que apontariam para essa possibilidade: ossos avermelhados, presença de muito ferro e fotossensibilidade (que teria relação com seu hábito de só sair à noite, para evitar o sol), afirma Geraldo de Carvalho. Ele sugere a exumação dos ossos de Manuel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho, que estão na mesma igreja. 

ANO

FATO

1730

Nasce em Vila Rica (atual Ouro Preto) Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Pode ter nascido em 1738, filho da escrava Isabel com Manuel Francisco Lisboa.

1766

Início da construção da Igreja de São Francisco em Vila Rica (Ouro Preto).

1767

Morre o pai, o arquiteto e mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa.

1768

Alista-se no Regimento da Infantaria dos Homens Pardos de Ouro Preto.

1775

Nasce seu filho com Narcisa Rodrigues, batizado de Manoel Francisco Lisboa.

1777

Primeiras notícias sobre sua misteriosa enfermidade.

1790

Começa a ser chamado pela alcunha de Aleijadinho. O capitão Joaquim José da Silva escreve memorando sobre ele para a Câmara de Mariana.

1800 a 1805

Elaboração dos 12 profetas de pedra-sabão em Congonhas.

1814

Morre em 18 de novembro em Vila Rica (atual Ouro Preto), e seu corpo é sepultado na Matriz de Antônio Dias.

1858

Primeira biografia sobre o artista, de Rodrigo José Ferreira Bretas: “Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho”.