Iniciativa mineira de preservação de águas obtém prêmio
Município de Extrema recebeu o Prêmio Internacional de Dubai, que reconhece ações para melhorar as condições de vida.
Extrema recebeu esse nome adjetivado devido à sua localização, no Sul de Minas, já na divisa com São Paulo, mas, desde março de 2013, o adjetivo ganhou outra conotação. O município recebeu um prêmio que também pode ser considerado extremo: entre cidades do mundo inteiro, a cidade, com seus pouco mais de 25 mil habitantes, recebeu o Prêmio Internacional de Dubai de melhores práticas para melhoria das condições de vida.
A premiação se deve ao bem-sucedido projeto implantado na zona rural da cidade, Conservador das Águas, em que os produtores rurais recebem pagamento por fazerem a adequação ambiental de suas propriedades. A distinção foi concedida pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) e pela prefeitura de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. O projeto já vinha obtendo reconhecimento nacional, como demonstram os prêmios recebidos da Caixa Econômica Federal, Fundação Dom Cabral, Furnas, Eletrobrás, Rede Globo, dentre outros.
Boas práticas como as adotadas em Extrema são objeto de interesse da Comissão Extraordinária das Águas, criada em 13 de março do ano passado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que realiza uma série de matérias e conteúdos especiais sobre o tema. Com previsão de funcionamento de dois anos, a comissão tem como objetivos: realizar estudos e debates sobre a situação dos recursos hídricos do Estado; propor políticas públicas que promovam o uso sustentável da água, sua proteção e conservação; e propor a atualização dos instrumentos legais sobre o tema.
Abastecimento de São Paulo - Iniciado há mais de sete anos, o projeto Conservador das Águas inovou ao propor o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) aos produtores rurais que atuem na proteção e restauração de áreas de nascentes em suas propriedades. Como resultado dessa ação, são preservados os mananciais da bacia do Rio Jaguari, curso d'água estratégico para o abastecimento hídrico da maior cidade do País: São Paulo (SP), com seus mais de 11 milhões de habitantes.
O idealizador, Paulo Henrique Pereira, secretário de Meio Ambiente de Extrema, explica que, para viabilizar o projeto, a prefeitura tomou a frente e firmou parcerias com órgãos federais e estaduais, além de comitês de bacias, ONGs e empresas. Todas essas entidades contribuem com recursos para um fundo municipal, que é o responsável pelos pagamentos aos produtores rurais.
Como destaca Paulo Pereira, para promover a adequação ambiental, são desenvolvidas algumas ações no sentido de proteger a cobertura florestal e conservar o solo da propriedade rural envolvida, além de outras intervenções voltadas para o saneamento ambiental. Dessa forma, ao aderir ao projeto, o produtor rural passa a ter compromisso com as metas estabelecidas e, a partir daí, começa a receber os recursos financeiros do fundo municipal criado para custear os repasses, e ainda apoio técnico da prefeitura.
Criador do projeto aponta caminhos para cidades interessadas
Na entrevista a seguir, o “pai” do Conservador das Águas, Paulo Henrique Pereira, fala com propriedade e entusiasmo sobre sua “cria”. Além de fazer um balanço sobre o projeto, tratando dos avanços e de aspectos em que é necessário evoluir, ele aponta caminhos que julga adequados para outros municípios que queiram desenvolver experiências semelhantes.
Comitê quer expandir projeto para outros municípios da bacia
Sidney Rosa, secretário adjunto do Comitê Estadual dos Rios Piracicaba-Jaguari, que também é parceiro do Conservador das Águas, fala com entusiasmo sobre o projeto e vê perspectivas dele ser expandido. “Já estamos em contato com os gestores das outras quatro cidades da bacia - Itapeva, Toledo, Sapucaí-Mirim e Camanducaia - para que a gente consiga levar o projeto até elas. Acredito que dentro de pouco tempo, a gente já consiga esse resultado”, diz ele, enfatizando que há recursos para isso, oriundos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia.
O gestor destaca ainda que tem sido procurado por vários produtores rurais na região interessados em aderir ao projeto. “Uma ideia inovadora, que era apenas um sonho, virou realidade e todo mundo está aderindo. Hoje, o projeto está pagando os produtores, com grande adesão na bacia”, comemora.
Técnicos da prefeitura acompanham adequação ambiental das propriedades
Com 24 mil hectares de área total (urbana e rural), o município de Extrema está com quase um terço – 7.300 hectares – dentro do Conservador das Águas. Das sete bacias hidrográficas que cortam o município, três delas – Posses, Salto e Forjos – já contam com intervenções do projeto. Para atingir tal magnitude, foram necessárias intervenções constantes nas mais de 150 propriedades participantes do projeto.
A prefeitura é quem assume essa responsabilidade e, por meio de seu corpo técnico, faz funcionar toda a engrenagem. Um dos técnicos que está a frente da execução das ações é Benedito Arlindo Cortez, gerente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Se o secretário Paulo Henrique Pereira é o cérebro do Conservador das Águas, pode-se dizer que Arlindo, como é chamado, é o braço forte do projeto, indo a campo para orientar os proprietários e realizar as intervenções.
Visita ao campo - Arlindo Cortez acompanhou a reportagem da Assembleia de Minas na visita a algumas propriedades rurais de Extrema onde as intervenções do projeto já apresentam resultados concretos. Foram visitadas duas fazendas, uma de propriedade de José Francisco Fonseca e outra de José de Oliveira Bastos (conhecido como Seu Zé Moisés), que foi um dos primeiros agricultores a aderir ao projeto.
Na fazenda de José Francisco Fonseca, com área de 50 hectares no bairro do Salto, Arlindo Cortez demonstrou que a propriedade já está quase totalmente adequada do ponto de vista do projeto. De acordo com ele, faltam apenas algumas intervenções para conservação do solo, visando a controlar a erosão.
Veja as ações realizadas na propriedade:
- Todas as nascentes estão protegidas com cercas de arame farpado;
- As matas ciliares foram todas recompostas;
- Há bebedouros para o gado fora do curso d'água;
- Foram construídas passagens sobre tubulações, para o gado não passar dentro do córrego e no meio da vegetação que protege as nascentes;
- Já está sendo instalado um biodigestor para tratamento do esgoto;
- E a prefeitura já atende a propriedade com a coleta de lixo.
Precursor do projeto, agricultor estimula outros a aderirem
A propriedade de Seu Zé Moisés, o Sítio Bela Vista, que fica no bairro Salto do Meio e tem 48 hectares, também já está bem adiantada quanto à adequação ambiental. Ele foi dos primeiros produtores rurais a aderir ao Conservador das Águas, em 2007, e é um entusiasta do projeto, tendo inclusive convencido outros de sua classe a participarem.
Na propriedade de Seu Zé Moisés, há nove nascentes em quatro áreas fechadas por cerca, como estipula o projeto. Na estrada até a fazenda, há bacias de contenção de água de chuva para evitar erosão e manter úmido o terreno.
O agricultor lembra que, há 60 anos, seu pai resolveu fazer uma cerca em volta de uma das nascentes, para protegê-la do gado, que pisoteava o local. “Fechamos aquela 'aguinha' e continuamos a fazer a lavoura, só que mais longe. Aí, começaram a crescer umas árvores que hoje estão grossas. E a água continua lá, mantendo, firme”, recorda.
Com a sabedoria dos mais velhos, ele filosofa que “o negócio da preservação é muito importante, porque a água não vai aumentar, mas você vai sempre ter a água”. Além do ganho ambiental, Seu Zé Moisés conta com um incentivo financeiro, recebendo R$ 850,00 mensais por ter aderido ao projeto.
A próxima matéria da série sobre a situação das águas no Estado será publicada na segunda-feira (21/10/13).