Restituição de mandato a Armando Ziller corrige erro histórico
Ato simbólico na Assembleia de Minas repara cassação de deputado nos anos 40 por motivação ideológica.
Armando Ziller, eleito deputado estadual em Minas Gerais, foi um dos parlamentares que tiveram o mandato cassado em 1948, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, presidente da República que aderiu à politica norte-americana de combate ao comunismo. O então filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) também faz parte de estatística do livro-relatório Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos: integra a lista dos 10 mil exilados devido à implacável perseguição aos militantes de esquerda, sindicalistas e todos aqueles que se opuseram ao regime militar.
Com o objetivo de reafirmar o princípio da pluralidade política e ideológica, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou o Projeto de Resolução (PRE) 4.163/13, apresentado pela deputada Luzia Ferreira (PPS), que restitui simbolicamente o mandato de Armando Ziller. Transformado na Resolução 5.437, o texto foi promulgado pelo presidente da Assembleia, deputado Dinis Pinheiro (PSDB), no dia 13 de julho deste ano.
A solenidade de restituição do mandato será realizada nesta quarta-feira (18/9/13), no Plenário, e contará com a presença de seus familiares. O filho, Arnaldo Ziller, diz que a família recebeu a proposição com imensa satisfação. “Tem coisas que não se recuperam. A carreira política do meu pai foi interrompida e ele não pôde retomá-la por muitos anos. Mas será importante presenciar o reconhecimento de sua atuação e o resgate de sua memória”, afirma.
De acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral do Estado, Ziller recebeu 2.845 votos em 1947, sendo 2.145 em Belo Horizonte, de um total de 876.224 eleitores que votaram. |
A história de militância e resistência de Armando Ziller se confunde com o percurso do próprio PCB, sigla pela qual se elegeu em 1947. No ano seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cancelou o registro da legenda, o que propiciou a extinção dos mandatos de todos aqueles que foram eleitos por ela. Também foi vítima do ato antidemocrático Luís Carlos Prestes, uma das principais lideranças do movimento comunista no Brasil e que exercia, no período, o cargo de senador.
Mais tarde, Armando Ziller ainda foi obrigado pela truculência dos “anos de chumbo” a exilar-se por 17 anos. Quando o golpe de 1964 foi deflagrado, ele participava do Congresso da Federação Sindical Mundial na Europa. Como a ascensão da ditadura representava grande ameaça aos militantes de esquerda e do movimento sindicalista, viu-se impelido a permanecer em Praga, então capital da Tchecoslováquia, só voltando ao Brasil em 1980, após a anistia.
Para a deputada Luzia Ferreira, a restituição do mandato não só representa o repúdio da ALMG em relação à atitude autoritária da época, como também formaliza a sua necessária reparação. “Ziller foi o mais expressivo dirigente sindical de seu tempo. Era um ser humano admirável e não poderia ter sido punido por seus pensamentos e ideais. Ele foi cassado pelo simples fato de ser comunista”, ressalta.
A parlamentar lembra os anos de convivência com o ex-deputado do PCB. Ela conta que ingressou no partido em 1982, dois anos depois de Ziller ter retornado do exílio. “Naquele momento a legenda ainda se encontrava na clandestinidade. Vivíamos tempos difíceis, mas Ziller continuou fiel aos princípios nos quais acreditava. Vamos, finalmente, corrigir uma injustiça”, salienta a deputada.
Cassação se deu em plena “democracia”
O período histórico conhecido como Estado Novo, comandado por Getúlio Vargas, tinha caráter centralizador e autoritário. A Constituição getulista de 1937 suprimiu a liberdade partidária, a independência entre os três Poderes e o próprio federalismo. O Congresso Nacional foi fechado, os prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores e esses, por sua vez, pelo presidente da República. Com o fim da Era Vargas em 1945, foram realizadas eleições no País.
Eurico Gaspar Dutra, militar e ex-ministro da Guerra de Getúlio Vargas, foi eleito presidente da República. Embora o Brasil estivesse vivenciando a reabertura da democracia, o governo Dutra engajou-se na guerra fria, cortando relações com a então União Soviética. Exerceu pressão sobre a Justiça Eleitoral para que o Partido Comunista fosse considerado ilegal. Além de ser responsável pelo fechamento da legenda e pela cassação dos mandatos de seus filiados, o presidente também fechou sindicatos e aprisionou líderes sindicais.
Como único representante do Partido Comunista Brasileiro na ALMG, o deputado Armando Ziller foi cassado em 10 de janeiro de 1948, em pleno recesso parlamentar. A decisão foi tomada por comissão permanente que representava a Casa neste período. Com o telegrama do presidente do Tribunal Superior Eleitoral sobre a mesa, que comunicava o cancelamento do registro do PCB, a comissão anunciou a extinção do mandato de Armando Ziller e de seus suplentes. O deputado ainda tentou aprovar proposição solicitando aos membros do Parlamento o reexame da questão, com o argumento de que o ato feria a Constituição Federal então vigente. Mas a “última cartada” não obteve sucesso.
Embora a determinação do TSE tenha sido cumprida como em todos os demais Estados, “Minas vivia um ambiente menos hostil”, segundo Arnaldo Ziller. Ele acredita que os deputados mineiros não queriam a cassação de seu pai. De acordo com Arnaldo, o representante do PCB na ALMG era muito querido entre os parlamentares e considerado um político inteligente, racional, capaz de dialogar e de fazer uma oposição construtiva.
O próprio Armando Ziller, em depoimento a historiadores da Assembleia em 1992, disse que era, em geral, “benquisto”, mas que o fato já estava dado como consumado e que a reação contrária ao ato seria fatalmente repreendida. Na sua avaliação, isso explica o porquê de poucos parlamentares terem se manisfestado sobre sua cassação. Ele contou que os poucos que o fizeram, restringiram-se ao âmbito pessoal. "A situação estava tensa e a gente reconhece que era difícil querer que os amigos se arriscassem por alguma coisa”.
Ziller não voltou à Assembleia depois de cassado. O seu nome e a sua memória retornaram ao Parlamento quando foi publicado o depoimento que concedeu à equipe de historiadores da ALMG. “O volume foi lançado após seu falecimento, em evento que teve o significado de uma reparação histórica ao primeiro representante das forças de esquerda que tomou assento na Casa”, relatam os professores Otávio Dulci e Maria Auxiliadora de Faria, da UFMG, na obra 170 anos de Legislativo Mineiro, compilação de extensa pesquisa realizada desde 1835 e publicada em dezembro de 2005.
A próxima matéria da série sobre a restituição do mandato a Armando Ziller será publicada na terça-feira (17).