Leida Gabriel Barbosa, conhecida como “vovó do pó”, mostra fotografia de quando era usuária e traficante de crack
Careca, sem dentes e pesando 40 kg. Leida apresenta seu passado
Ederson chegou a consumir uma média de dez pedras de crack por dia

Crack

Vencer o crack é difícil, mas não impossível

No Brasil, a taxa de reabilitação de usuários gira em torno de 30%. Conheça histórias daqueles que se recuperaram.

Por Natália Martino
27/06/2013 - 08:00

Quem assiste a Leida Gabriel Barbosa caminhar não é capaz de imaginar a história da sua vida. Aos 60 anos de idade, seus cabelos brancos impõem respeito e até certa simpatia. A Bíblia sempre entre as mãos denuncia a fé, mas quando o livro sagrado é aberto, caem fotos que retratam outra Leida, mais jovem, porém com menos vitalidade. Em algumas, ela está sem cabelos, a magreza fora do normal é evidente. “Eu usava roupas de criança, compradas nas seções para 14 anos”, conta. Perdeu também os dentes durante as três décadas nas quais não apenas usou drogas, mas também as vendeu – inclusive o crack. Entre os apelidos, estavam “baiana” e “vovó do pó”.

“Cheguei a ter oito bocas de fumo no bairro Sônia, em Belo Horizonte. Na minha casa tinha até laboratório para refinar cocaína”, diz Leida. Durante esses anos, foi espancada, tanto por outros traficantes quanto pela polícia, e presa por porte de arma, formação de quadrilha, tentativa de homicídio. Apesar disso, ganhou muito dinheiro – até conhecer o crack. “Foi aí que cheguei ao fundo do poço”, afirma. Perdeu tudo o que tinha – inclusive uma casa de cinco cômodos deixada de herança pelo pai. Teve câncer no estômago e foi expulsa de casa pelos filhos. Foi quando decidiu que estava na hora de parar.

Histórias como essas, ações de combate ao uso de drogas, tratamento dos dependentes químicos e aplicação da justiça terapêutica foram assuntos no Ciclo de Debates Um Novo Olhar sobre a Dependência Química, organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na segunda (24) e terça (25). Além de promover uma série de matérias sobre o tema, a Assembleia de Minas vai realizar, no dia 10 de agosto deste ano, a 2ª Marcha contra o Crack e Outras Drogas.

Sem saber como acabar com a dependência, Leida procurou a única pessoa que ela achava que poderia lhe estender as mãos. Era um pastor do bairro em que morava. “Não foi fácil, por muito tempo, caía e levantava”, conta. Ela passava dias com o pastor, que a ensinava sua crença, a alimentava, a ajudava a evitar o crack. “Mas aí eu caía. Fumava de novo, ficava dias na rua sem dormir e depois voltava a bater na porta dele”, conta. Foi assim, caindo e levantando, que ela conseguiu se livrar totalmente da droga. Nunca chegou a se internar. Há 13 anos Leida não fuma crack e, atualmente, ela ajuda famílias de usuários em um grupo de apoio, o Mães de Minas contra o Crack.

Barato que sai caro

Em uma oficina de lanternagem na Região Norte de Belo Horizonte, Ederson Edmar Neves Vieira trabalha sozinho. Roupas sujas de tinta, ele conta, tímido, que abriu o espaço há pouco tempo. Aos 32 anos, comemora o primeiro ano longe do crack desde que começou a fumar, aos 17. “Experimentei porque um amigo me ofereceu e fiquei curioso”, conta, olhos sempre no chão. No início, consumia a droga misturada com maconha para amenizar os efeitos. “Não queria ficar transtornado como via que alguns usuários ficavam”, explica. Depois, essa preocupação acabou. Chegou a consumir uma média de dez pedras de crack por dia.

A droga, que no início era barata, acabou ficando cara. Comprando uma pedra atrás da outra, Ederson se endividou, perdeu o carro e ficou com o nome sujo no mercado. O emprego foi só mais um para a lista dos que foram perdidos para a droga. Logo ele, que começou a trabalhar aos 15 anos como assistente de produção de uma fábrica em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A filha mais velha, hoje com 13 anos, reclamava da ausência do pai. “Eu saía para buscá-la na casa da mãe para passear. Parava no caminho para fumar e nunca a buscava”, conta.

Chegou a uma comunidade terapêutica para fazer serviço comunitário, a Associação Comunitária Social e Beneficente Ebenézer (Acosbe), após ter sido preso em flagrante com drogas. Convidado pela diretora a se internar, ele aceitou e completou o tratamento de nove meses. “Não foi fácil. No início, sentia muita falta da droga. Depois, sentia falta da família”, conta.

Ederson diz que ainda hoje sente vontade de fumar, principalmente em momentos de raiva e estresse. “Mas coloquei na minha cabeça que não faço isso nunca mais”, garante. Ele ainda mora a poucos quarteirões do local onde comprava a droga, mas agora não frequenta mais o lugar. “Estou reconquistando minha família, conseguindo economizar dinheiro e já até comprei um carro. Não vou perder nada disso de novo”, disse.

A próxima matéria da série sobre o enfrentamento ao crack será publicada na segunda (1°/7).