Estudantes do Ensino Médio de Piranguinho e Itabirito que estudam conteúdo de direitos humanos participaram da audiência pública
Jeferson Botelho (à esq.) confirmou o empenho da Sedes para a criação da delegacia de crimes raciais
Célia Gonçalves Souza (à esq.) criticou o preconceito de cunho religioso

Mobilização na ALMG viabiliza delegacia de crimes raciais

Criação de núcleo na Polícia Civil é anunciada em audiência pública conjunta. Deputados devem propor emenda ao PPAG.

05/06/2013 - 14:03 - Atualizado em 05/06/2013 - 16:12

A criação de uma Delegacia Especializada em Crimes Raciais e Delitos de Intolerância pela Polícia Civil mineira é iminente. Essa foi a principal conclusão da audiência pública conjunta realizada na manhã desta quarta-feira (5/6/13) pelas Comissões de Direitos Humanos e de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O Auditório da Assembleia ficou lotado. Na plateia estavam estudantes do ensino médio de Piranguinho (Sul de Minas) e Itabirito (Região Central do Estado) que estudam conteúdo de direitos humanos.

O encontro foi para debater a necessidade desta nova unidade policial. Por meio do seu representante, Jeferson Botelho, a Polícia Civil garantiu já dispor de pessoal para o  funcionamento imediato, faltando apenas um espaço para instalá-la. O primeiro passo será a criação de um núcleo policial para este fim. Os detalhes dessa estrutura policial serão acertados pelos participantes da audiência pública em nova reunião marcada para a próxima terça-feira (11), na Cidade Administrativa.

Ao final da audiência, os deputados anunciaram que vão solicitar um estudo das consultorias das duas comissões visando a incluir uma emenda sobre o tema durante o processo de revisão do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG). Desta forma, a infraestrutura para o funcionamento da nova delegacia especializada seria garantida já no próximo ano. “Não é o ideal, mas com certeza já é um avanço”, definiu o presidente da Comissão de Direitos Humanos e autor do requerimento para a reunião, deputado Durval Ângelo (PT). Segundo o parlamentar, outra bandeira é a instalação de secretarias estaduais sobre o tema em todas as unidades da federação.

O primeiro crime a ser investigado pelo Núcleo de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância deve ser o envio de cartas apócrifas de conteúdo neonazista à Federação Israelita do Estado de Minas Gerais, apresentadas aos deputados pelos representantes da entidade durante a audiência. O episódio foi alvo de pedido de providências aprovado na reunião, assim como o envio das notas taquigráficas a todos os participantes. Todos os requerimentos aprovados no encontro são de autoria do deputado Durval Ângelo.

Outros Estados - “O Estado tem que dar uma resposta a situações que são insustentáveis no âmbito de uma sociedade cada vez mais inclusiva. O fenômeno da imigração é mundial. Contra ele estão movimentos organizados e fortes, como no caso do antissemitismo, que tentam negar crimes hediondos como o Holocausto e defendem teses pseudocientíficas da desigualdade de raças”, apontou Durval Ângelo. O deputado lembrou que outros Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, já têm delegacias especializadas para esse tipo de crime, que não se limitam apenas a receber e investigar denúncias, mas têm atuação proativa no monitoramento da internet e na prevenção de delitos.

Já João Leite lembrou a posição delicada enfrentada pelos deputados das duas comissões ao dar voz a minorias. “ A Comissão de Direitos Humanos, por exemplo, é histórica na Assembleia Legislativa, e não podia se omitir neste debate. Nossas lutas não são fáceis e muitas vezes somos discriminados justamente por não discriminar”, apontou. “O crescimento dos crimes raciais e de intolerância mostram uma triste realidade para nós, brasileiros, que achávamos que vivíamos em um país tão tolerante”, lamentou.

Delegacia – Coube ao superintendente de Investigações e Polícia Judiciária, Jeferson Botelho, a confirmação do empenho da Secretaria de Estado da Defesa Social para a criação da Delegacia Especializada em Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. “Com uma infraestrutura física disponível, ela já poderia começar a funcionar na próxima segunda-feira”, exemplificou. Ele traçou um panorama histórico da luta contra o preconceito no Brasil, destacando, por exemplo, a aprovação da Lei 7.716, de 1989, que tipica os crimes de racismo. Segundo ele, em 2013, até o momento, foram registrados 62 ocorrências de racismo.

O coordenador especial de Políticas Pró-Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Clever Alves Machado, lembrou que Minas Gerais foi pioneiro, nos anos 1990, ao instalar uma delegacia especializada para esse fim. “Mas não foi dada continuidade a esse trabalho. A alegação é de que não tinha demanda, mas faltou divulgação”, apontou. Ao citar o registro, pela Coordenadoria, de 182 casos de ódio racial ou intolerância no ano passado, ele defendeu a implantação de um sistema de inteligência que dê conta da prevenção desse tipo de problema.

Já o presidente da Federação Israelita do Estado de Minas Gerais, Marcos Brafman, lembrou estar representando, na audiência pública, os 6 milhões de judeus, sendo 1,5 milhão de crianças, assassinados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, advertiu que a sociedade precisa reagir à altura, enquanto é tempo. “O Holocausto foi um crime contra toda a humanidade. A apatia é tão nefasta quanto a intolerância que ameaça os maiores valores do País. Nenhuma sociedade sobrevive à base do preconceito. Esses criminosos são desestimulados quando sentem que estão sendo monitorados pelo poder público”, disse.

O presidente do Instituto Histórico Israelita Mineiro e diretor da Federação Israelita de Minas Gerais, Jacques Ernest Levy, também recorreu à História para lembrar que é justamente em períodos de crise econômica, como o atual, que regimes que pregam a intolerância encontram terreno fértil para se instalar. “A democracia pode até não ser um sistema perfeito, mas é o melhor que nós temos. Um dos pilares da democracia é o respeito às diferenças, pois só assim conseguimos caminhar para melhorar a sociedade”, destacou, apontando a educação como um antídoto contra a intolerância. “O radicalismo está em todos os níveis, e a conscientização tem que ser permanente”, emendou.

Preconceito religioso também seria coibido com nova unidade 

A coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), Célia Gonçalves Souza, criticou o preconceito de cunho religioso, como o que estaria disseminado contra os adeptos do candomblé. “Apesar da nossa vocação para a liberdade, Minas ainda é um estado conservador, racista e intolerante. Nós, os praticantes do candomblé, recebemos ataques diariamente patrocinados pelo Estado brasileiro, responsável pela concessão dos meios de comunicação, que muitas vezes ferem o meu direito inalienável de liberdade religiosa”, criticou.

Célia citou ainda o líder negro norte-americano Martin Luther King. “Ele disse que as pessoas não são obrigadas a me amar, elas são obrigadas a me respeitar. Não precisamos de mais leis, pois as nossas são as mais avançadas do mundo. Temos apenas que obrigar o seu cumprimento. A criação da delegacia vai ajudar nisso, servirá também como instrumento pedagógico”, afirmou.

O vereador e delegado da Polícia Civil, Edson Moreira, enumerou investigações recentes de crimes de ódio racial e pontuou que Minas Gerais está atrasado na criação de uma delegacia para esse fim. ”Quando estava na ativa como delegado apresentei projeto de implantação dessa unidade na Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil. Mas a ação conjunta dos legislativos municipais e estaduais agora vai acelerar isso”, apostou.

O presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Ronaldo Antônio Pereira da Silva, comemorou a notícia da implantação iminente da delegacia, mas fez algumas correções a alguns termos adotados nas discussões. “Democracia racial é racismo cordial”, citou. A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Diretos Humanos e Apoio Comunitário, promotora Nívia Mônica da Silva, também elogiou o compromisso assumido pela Polícia Civil de criação da nova delegacia. Segundo ela, uma luta antiga que vai viabilizar o combate efetivo a esse tipo de crime. “A especialização vai permitir aglutinar os casos e realizar um trabalho mais profundo e eficiente”, analisou.

Por fim, o assessor parlamentar da Câmara Municipal, Frederico Marinho, lembrou a importância do trabalho de conscientização nas escolas. “Não existe uma raça pura. Nossos futuros líderes estão nas escolas, que precisam resgatar o ensino de certos valores”, ponderou.

Sumiço de criança preocupa deputados

Antes da audiência pública conjunta, a Comissão de Direitos Humanos aprovou requerimento do deputado Paulo Guedes (PT), de audiência pública para debater o andamento das investigações do desaparecimento de Emely Ketlen Ferrari, de sete anos. O fato aconteceu em Rio Pardo de Minas, no Norte do Estado, no último dia 4 de maio, fato que segundo o presidente da comissão, Durval Ângelo, provocou “grande comoção em todo o Estado”.

O deputado Sebastião Costa (PPS) emendou o requerimento, para que a reunião seja realizada conjuntamente com a Comissão de Segurança Pública. A menina desapareceu enquanto brincava em frente ao portão de sua casa. A Polícia Civil não descarta possibilidades como tráfico internacional, sequestro ou homicídio, e já acionou a Polícia Federal e a Interpol na busca da criança.

Rejeição - Por fim, o deputados da Comissão de Direitos Humanos aprovaram parecer pela rejeição do Projeto de Lei (PL) 1.328/11, da deputada Ana Maria Resende (PSDB), que assegura a publicização e o acesso a dados relativos à condição da mulher em Minas Gerais. O autor do parecer foi o deputado Rômulo Viegas (PSDB), vice-presidente da comissão.

Consulte o resultado da reunião.