A reunião foi realizada na Câmara Municipal de Curvelo
Segundo o tenente-coronel Giovanni de Faria (à esq.), foram apreendidas 2.651 pedras de crack na região em 2012

Polêmica sobre penas para usuários de drogas marca reunião

Autoridades de Curvelo divergem sobre melhor forma de enfrentar o avanço do crack.

21/05/2013 - 18:32

Tratar o usuário drogas com mais ou menos rigor penal foi tema de controvérsia durante reunião da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada em Curvelo (Região Central do Estado), na manhã desta terça-feira (21/5/13). A discussão sobre a melhor forma de enfrentar o problema dividiu opiniões entre as autoridades locais que participaram da audiência pública.

O delegado regional de Polícia Civil de Curvelo, André Pelli, afirmou que a política de repressão, que visa a prender cada vez mais pessoas, não funciona. “A repressão só aumenta, nossas cadeias estão lotadas, e nem por isso o problema foi resolvido. Pelo contrário, ele só tem aumentado. A solução é o tratamento”, disse.

A mesma linha foi defendida pelo promotor Cláudio de Paula Costa e pelo defensor público Adalberto Pelli. Ambos destacaram que a grande questão a ser resolvida é a falta de estrutura para o tratamento. “É mais fácil prender os usuários quando eles cometem algum delito, como roubo, do que tratá-los. Mas não é assim que vamos resolver o problema”, afirmou o defensor público. O promotor completou dizendo que hoje a legislação não impõe pena privativa de liberdade ao usuário de drogas, mas trabalho comunitário e, entre outras coisas, tratamento. “Mas não temos ainda onde tratar essas pessoas em Curvelo. Não temos nem um Caps-AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas)”, disse.

O presidente da Câmara Municipal de Curvelo, vereador Reinaldo Xavier Guimarães, porém, discordou. Para ele, é preciso acabar com a hipocrisia, para que o problema seja tratado com a severidade necessária. “A sociedade condena quando um policial mata um traficante. A mídia diz que foi truculência, a instituição exonera o servidor, pai de família, que fica desempregado. A justiça comum julga e condena esse policial. Ele é perseguido por todos, mas as pessoas se esquecem de que ele matou alguém que colocava drogas nas mãos dos nossos filhos”, disse. O vereador disse que as leis são excessivamente paternalistas e precisam ser mais duras com os envolvidos no tráfico e uso de drogas.

Crack está por trás de metade das ocorrências policiais

Os números da repressão ao uso de drogas na região de Curvelo foram apresentados pelo tenente-coronel do 14º Batalhão da Polícia Militar, Giovanni Idalmo de Faria. Segundo ele, desde janeiro de 2012 foram presas 270 pessoas, sendo 77 delas adolescentes, por envolvimento com o tráfico. Cerca de 50% das ocorrências foram relacionadas ao crack e, segundo o tenente-coronel Faria, essa proporção cresce a cada ano. De acordo com ele, foram apreendidas 2.651 pedras de crack na região no ano passado.

Ele destacou, ainda, o trabalho de educação e prevenção realizado pela Polícia Militar, por meio do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd). “Só em Curvelo, 1.400 pessoas participaram dos cursos em 2012. Se considerarmos todo o Estado, foram 2,4 milhões de beneficiados, a maioria jovens, desde a implantação do programa, em 1998”, disse.

Falta de verba para comunidades terapêuticas é um dos problemas

O presidente da Associação de Amparo Social e Cultural de Curvelo, Walter de Araújo, apresentou as dificuldades enfrentadas pelas comunidades terapêuticas. “Nossa fazenda tem 25 vagas, mas hoje só tratamos sete dependentes porque não conseguimos dinheiro para manter mais do que isso”, disse. Ele afirmou que a instituição recebe R$ 2 mil mensais de auxílio da prefeitura, mas que os gastos chegam a R$ 10 mil. O restante é mantido com doações. “A alimentação, por exemplo, é custeada pelos comerciantes locais. Nosso carro também foi doado, mas só conseguimos custear três idas semanais à comunidade. Às vezes temos voluntários dispostos a trabalhar e não temos como levá-los até lá”, afirmou. Araújo disse, ainda, que 90% das pessoas que procuram a instituição são carentes e não podem pagar pelo tratamento, o que dificulta a manutenção dos profissionais e do espaço da fazenda.

O presidente da comissão, deputado Vanderlei Miranda (PMDB), lembrou que o tratamento de cada usuário nessas comunidades custa cerca de R$ 1.800, enquanto um preso custa em torno de R$ 2.500. “Fica evidente o melhor caminho”, disse o parlamentar, que destacou a importância dessas instituições no combate ao uso de drogas. O parlamentar criticou o Conselho Federal de Psicologia, que segundo ele não considera as comunidades capacitadas o suficiente para resolver o problema. “Para criticar algo que está sendo feito, é preciso oferecer uma proposta melhor, e o conselho não faz isso. Devíamos levar todos os usuários de drogas atendidos hoje pelas mais de 300 comunidades terapêuticas de Minas Gerais para a porta do conselho e deixar lá para que eles assumam seu tratamento”, disse.

Deputado defende campanha para alertar a população

O deputado Sávio Souza Cruz (PMDB) afirmou que outra questão, menos evidente, mas que precisa ser discutida, é a presença de pessoas ligadas ao tráfico em órgãos governamentais. “Fico preocupado com a invasão do tráfico na representação social, pois a partir do momento em que nossas instituições são contaminadas, o combate ao uso de drogas ficará ainda mais difícil”, afirmou. O parlamentar pediu que nas campanhas institucionais da ALMG e da comissão, fossem incluídos alertas à população para que não apoiem o pleito político de pessoas envolvidas com o comércio de substâncias ilícitas.

O deputado Célio Moreira (PSDB), autor do requerimento da reunião, lembrou o histórico da comissão, que entre fevereiro e novembro de 2012 funcionou como comissão especial e, em 2013, foi transformada em comissão permanente. “A luta não para. Temos que debater as formas de atenção ao usuário e de financiamento para as políticas públicas. Não é segredo que a rede atual não é suficiente para atender a demanda, que aumentou muito e rapidamente”, disse o parlamentar. Ele disse que 176 entidades de Curvelo foram convidadas para o encontro, mas que apenas 59 pessoas compareceram. Para ele, é preciso maior envolvimento da sociedade.

Ao fim da reunião, o parlamentar apresentou um requerimento para envio de ofício ao governador do Estado para implantação de um Caps-AD em Curvelo. O requerimento deve ser votado na próxima reunião da comissão.