Usuário na estação central do metrô, em Belo Horizonte. O reajuste anual das tarifas de ônibus na Capital é calculado com base em fórmula prevista nos contratos de concessão
Nos últimos 17 anos a tarifa média nacional ponderada aumentou 36%, segundo Otávio Cunha
O sistema de bilhetagem eletrônica oferece maior segurança aos usuários e às concessionárias
De acordo com o gestor Ermínio Casadei, 20% da receita tarifária é impactada pelos índices de qualidade

Política tarifária é muito mais do que reajuste da tarifa

Quando não há discussão sobre assunto, o resultado são vários sistemas de bilhetagem implantados e que não se comunicam.

Por Fabrício Marques
06/05/2013 - 08:00

Perto do réveillon do ano passado, usuários do transporte coletivo de Belo Horizonte ganharam um presente às avessas, com o anúncio do reajuste das tarifas de ônibus, em 29 de dezembro. A tarifa predominante, paga por cerca de 80% dos usuários, passou de R$ 2,65 para R$ 2,80, um reajuste de 5,66%, ainda em vigor.

O reajuste anual das tarifas de ônibus na Capital é calculado com base em fórmula prevista nos contratos de concessão, compreendendo a variação anual dos preços de cinco grandes itens de custo do sistema (mão-de-obra operacional, combustível, veículos, despesas administrativas e rodagem), calculada pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A discussão sobre a política tarifária é um dos temas relevantes em discussão no Fórum Técnico Mobilidade Urbana – Construindo Cidades Inteligentes, uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que está produzindo uma série de matérias sobre o assunto.

No artigo “A verdade sobre o aumento das tarifas de ônibus”, o presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, defende que os aumentos das tarifas do transporte coletivo urbano são o resultado do círculo vicioso que ocorre porque o transporte público torna-se cada vez menos competitivo em relação ao transporte privado e atrai cada vez menos passageiros pagantes, que dividem custos crescentes.

“Existem diversos indicadores que demonstram a existência, perpetuação e negligência em relação ao círculo vicioso no transporte coletivo urbano”, diz o artigo. Amparado em dados da NTU, o presidente-executivo aponta que nos últimos 17 anos a tarifa média nacional ponderada aumentou 36%, motivada pela redução de mais de 25% da quantidade de passageiros transportados nas principais cidades brasileiras; pelo nível de gratuidades concedidas a diversos grupos sociais, que alcançou média nacional de 25% dos passageiros transportados; e pela incidência de carga tributária direta e indireta da ordem de 22% do valor da tarifa, entre outros fatores. “Paradoxalmente, os subsídios diretos ao transporte individual são 11 vezes maiores que os concedidos ao transporte público urbano”, ressalta Cunha.

Contudo, discutir política tarifária não se resume somente a debater o reajuste das tarifas. “É preciso criar um ambiente para discutir políticas tarifárias entre todos os gestores de transporte público de nossa região, com o objetivo de estudar a situação de cada modal e definir critérios para a integração, principalmente a tarifária”, comenta o analista técnico Adão Guimarães e Silva, da Superintendência de Trens Urbanos de Belo Horizonte da CBTU.

Em sua avaliação, uma das grandes dificuldades para a efetiva integração entre os modais diz respeito à integração tarifária. No momento da sua discussão, outras variáveis também passam a ser consideradas, como a mudança de itinerários, a interceptação de linhas (nas estações do metrô, por exemplo, quando a integração é entre ônibus e o metrô), preço da tarifa integrada e tantas outras situações que somente terão solução quando discutidas e avaliadas tecnicamente, sem perder a perspectiva social do serviço, em um fórum onde participem todos os gestores públicos, empresas e sindicatos, observa o analista da CBTU.

“A partir da definição de uma política tarifária adequada, poderemos ter o uso mais intenso da integração e a utilização de linhas troncais como o metrô e BRTs integrados a linhas alimentadoras, racionalizando o uso das vias públicas, retirando linhas que fazem o mesmo trajeto em determinados corredores, reduzindo o volume de veículos nas ruas e incentivando as pessoas a utilizarem esta estratégia da integração em seus deslocamentos, sem pagar mais caro por isso”, diz.

O último reajuste ocorrido na tarifa unitária do metrô foi em dezembro de 2006, quando passou para R$ 1,80. O valor da tarifa do metrô, cuja gestão está sob responsabilidade do Ministério das Cidades, é definido pelo Ministério da Fazenda.

Política Tarifária em BH - Em Belo Horizonte há uma frota de 2.989 ônibus coletivos, que atendem a uma demanda média de 1,5 milhão de passageiros por dia útil. O sistema de transporte público municipal de passageiros conta com quatro concessionárias que operam cerca de 300 linhas, gerenciadas pela Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). A cidade se tornou, em 1997, a primeira capital brasileira a licitar esse sistema, definindo a forma de prestação dos serviços por meio de contratos de subconcessão.

Todos os veículos do atual sistema coletivo de transporte regular operam por meio do sistema de bilhetagem eletrônica (implantado a partir de 1999), o que diversifica os valores cobrados na utilização do serviço de transporte e permite a criação de integrações temporais entre os diversos serviços de transporte por ônibus e entre os sistemas ônibus e metrô. O sistema de bilhetagem eletrônica possibilita, entre outras vantagens, maior segurança aos usuários e às concessionárias, ao diminuir, de maneira expressiva, o volume de dinheiro dentro dos ônibus. Para os consórcios, há também a vantagem do recebimento pré-utilização.

Políticas públicas devem ser economicamente viáveis e socialmente justas

O gerente de Controle e Estudos Tarifários da BHTrans, Sérgio Luís Ribeiro de Carvalho, apresentou dissertação, no ano passado, ao curso de mestrado em Geotecnia e Transportes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seu trabalho procura analisar as políticas tarifárias do transporte público da Capital. Para Carvalho, os planejadores do transporte público se deparam com o desafio de promover políticas para o setor que sejam economicamente viáveis e socialmente justas. “É importante destacar que o conjunto de ações, implementadas nos último dez anos, que compôs a atual política tarifária do município implicou uma redução de tarifas aos usuários. Em geral aos políticas se basearam no incentivo à integração com descontos entre linhas convencionais urbanas e na implantação de tarifas regionais em bacias tronco-alimentadas”, afirma.

Como ressalta Adão Guimarães e Silva, da CBTU, existem vários critérios para se definir a tarifa de integração, cada um deles adequado ao tipo de integração. Existem casos de linhas que são interceptadas (passam a ser alimentadoras nos casos de terminais) ou linhas integradas física e tarifariamente, mas que não são interceptadas, cumprem trajetos diametrais etc.

“Quando não há a discussão da política tarifária, teremos situações como a que ocorre atualmente em Belo Horizonte e em toda a Região Metropolitana, com vários sistemas de bilhetagem implantados e que não se comunicam entre si”, diz o representante da CBTU. É o caso dos sistemas BHBus (linhas municipais) e Ótimo (linhas metropolitanas). Um usuário de determinado tipo de cartão (BHBus ou Ótimo) não pode utilizar os seus créditos em qualquer ônibus, mas somente naquele do seu sistema próprio.

“Essa situação levou o metrô, por necessidade e no propósito de manter a integração com o sistema ônibus e não prejudicar os usuários, a instalar equipamentos diferentes em suas roletas eletrônicas”, comenta Adão. O usuário de cada sistema tem sua respectiva roleta para acessar o metrô e realizar a integração tarifária. “E assim se desdobram todos os demais fatores, como o acerto financeiro que é feito independente com cada gestor, a venda de créditos que é feita por meio de máquinas diferentes e muitas outras dificuldades, tanto operacionais quanto para o próprio usuário”, completa.

Índices de qualidade impactam receita tarifária

Outra questão importante refere-se a modelos de receita tarifária. O gestor do contrato de Concessão e Arrecadação, Ermínio Casadei, da ViaQuatro, concessionária da Linha 4-Amarela do metrô de São Paulo, afirma que 20% da receita tarifária é impactada pelos índices de qualidade. “Os índices de qualidade referem-se aos indicadores de manutenção e de serviços prestados pela concessionária, que podem impactar em até 20% (10% de cada indicador) no cálculo da receita tarifária”, diz Casadei.

De acordo com ele, estes indicadores são medidos mensalmente por meio das informações extraídas dos sistemas de fiscalização da Comissão de Concessões da Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo. Os indicadores de qualidade de serviço estão relacionados a intervalos entre trens, tempo médio de percurso, cumprimento da oferta programada, validação do acesso, índice geral de satisfação do usuário, entre outros. Os indicadores de qualidade de manutenção estão relacionados ao material rodante, estações, vias, disponibilidade de monitoramento no Centro de Controle Operacional e fator de confiabilidade.

Prioridade – Tudo somado, não se pode prescindir do que talvez seja o que realmente importa. Para Otávio Cunha, da NTU, a mídia coloca em primeiro plano o índice de reajuste da tarifa e deixa a questão principal de lado. “A criação de um círculo virtuoso depende diretamente da priorização do transporte público associada a políticas de redução de impostos e tributos (ISSQN, PIS, Cofins) incidentes sobre a tarifa”.

A próxima matéria da série mobilidade urbana será publicada na quinta-feira (9/5).