Observatório sobre o crack pode ajudar no combate à droga
Proposta de criação de um centro de estudos sobre o crack surgiu durante audiência nesta terça-feira (5/6).
05/06/2012 - 21:08A criação em Minas Gerais de um observatório de estudos sobre o crack e outras drogas foi uma das propostas que surgiu na audiência pública que a Comissão Especial para o Enfrentamento do Crack realizou nesta terça-feira (5/6/12). A reunião teve como objetivo debater o papel da educação no combate à droga e na reinserção social de seus usuários. Autor do requerimento para a realização da audiência, o deputado Paulo Lamac (PT), presidente da comissão, abriu os debates indicando que a discussão sobre a Educação no enfrentamento da droga era um desdobramento das audiências já realizadas pela comissão. “Escolhemos inicialmente cinco eixos temáticos para debater o problema: prevenção, tratamento, repressão, financiamento e reinserção social. A necessidade de discutir mais de perto a questão da Educação surge em termos da prevenção”, pontuou.
No que se refere ao combate ao crack, a Educação pode contribuir atuando especialmente sob três aspectos, na avaliação do professor da PUC-Minas, Luiz Flávio Sapori. Primeiro, na produção de conhecimento, mapeando o fenômeno, oferecendo informações sobre as especificidades da droga e as metodologias de tratamento ao dependente. “É preciso se produzir conhecimento para instrumentalizarmos quem lida com os usuários”, destacou. Um segundo aspecto no qual a Educação pode ter papel fundamental, destacou, é na capacitação de profissionais da área médica, psiquiátrica, psicológica, do serviço social e da educação. O terceiro aspecto diz respeito à prevenção.
“Sabemos muito pouco sobre o crack, mas podemos dizer que o grau de dependência gerado por ele é muito grande. O crack requer conhecimentos diferenciados, que exigem pesquisa”, disse. Nesse sentido, Sapori sugeriu a criação, em Minas Gerais, de um observatório de estudos sobre o crack e outras drogas. “Seria um observatório formado por várias universidades, que atuariam de forma articulada. Os recursos poderiam vir da Fundação de Amparo à Pequisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Defendo a ideia de que essa instituição financie pesquisas multidisciplinares sobre o crack em Minas, por meio de uma linha de financiamento específica para esse fim, até 2015. Seria gerado, assim, um conhecimento sobre o assunto, para o estabelecimento de políticas públicas”, defendeu.
Para prevenir o uso de drogas, o professor observou que a disseminação de valores e virtudes morais é fundamental. “Por isso sugiro a realização de uma grande campanha de prevenção, com foco no crack, envolvendo escolas públicas e privadas, já que essa droga atinge a todas as classes sociais. Precisa ser uma campanha que envolva toda a sociedade civil e seja de longa duração, pois não basta melhorar a polícia e investir em tratamento para dependentes; é preciso frear o recrutamento de novos usuários”, afirmou.
Secretária de Estado Adjunta de Educação, a educadora Maria Sueli de Oliveira Pires afirmou que, como professora aposentada da UFMG, teve uma trajetória profissional de muito contato com jovens. “Sempre tentei imprimir sentido de cidadania à formação deles”, destacou. Ressaltando que o crack é hoje um dos maiores desafios da contemporaneidade, Maria Sueli lembrou que preocupações e ações para combater o problema não faltam, o que impõe o questionamento do porquê o consumo do crack cresce. “Nós temos de assumir nossa responsabilidade por esse problema. O crack está ao lado das nossas instituições”, afirmou.
Maria Sueli reiterou a fala do professor Sapori, confirmando que Minas Gerais não dispõe de um diagnóstico sobre o problema do crack, apenas dados pontuais. “Uma primeira iniciativa nesse sentido foi tomada por nossa secretaria, em parceria com a UFMG, para tentar pesquisar a questão nas comunidades escolares”, informou, destacando que as causas e as consequencias do uso do crack envolvem gestores, professores e famílias, não só os usuários da droga.
Quando a escola é chamada a contribuir para a prevenção ao crack, ela precisa, na avaliação da secretária adjunta, buscar novos sentidos para as suas práticas. “Os alunos são capazes de ficar 12 horas numa lan house, mas não são capazes de ficar duas horas numa escola. Precisamos repensar as escolas para que os jovens se sintam acolhidos nelas”, pontuou. Para atender a essa necessidade, Maria Sueli contou que há hoje um projeto piloto, sendo desenvolvido em 11 escolas estaduais, o “Reinventando o Ensino Médio”, que tem exatamente o objetivo de buscar novos sentidos para a formação dos alunos, e também dos educadores. “Temos a meta de ampliar esse projeto para 132 escolas, em 2013, e posteriormente para todas as escolas da rede estadual”.
Levando ao debate a realidade das escolas municipais, Ismayr Sérgio Cláudio, coordenador de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Educação, reconheceu que as drogas são uma preocupação do cotidiano dessas instituições. “O problema não é tanto intramuros, mas do entorno onde as escolas estão”, disse. Segundo ele, uma pesquisa realizada em 2008 pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), junto a mil estudantes de 26 escolas municipais de Belo Horizonte, mostrou a facilidade com que os jovens têm de acesso às drogas. Por outro lado, mostrou também que 80% dos estudantes confiam na escola como o espaço onde podem expor suas preocupações. “Precisamos fortalecer esse vínculo”, observou.
Ismayr enumerou algumas ações bem-sucedidas que têm sido realizadas nas escolas municipais, e que têm aproximado educadores da comunidade e dos jovens, com resultados positivos na prevenção às drogas. “Essa é uma temática que tem que fazer parte do cotidiano da escola. O jovem tem acesso a muitas informações na internet, mas na escola essas informações podem se transformar em conhecimento para a vida dele”. Lembrou, ainda, que as escolas precisam se preparar para, ao identificar o aluno usuário de drogas, acionar a rede de atendimento a ele, bem como à sua família. “O aluno está apenas parte do tempo na escola, depois está circulando. Não adianta colocar cadeado nos portões, pois o jovem passa no meio de uma boca de fumo. Precisamos é fortalecer esse indivíduo”, reiterou.
A necessidade de atuar na prevenção também junto à educação infantil foi reforçada pela conselheira da Câmara de Ensino Fundamental do Conselho Estadual de Educação, Sueli Duque Rodart. “Há crianças de 3 anos que já sofrem com seus pais usuários de crack”, afirmou. Sueli Duque destacou que os professores não estão preparados para enfrentar o problema das drogas, cujo combate não deve se restringir ao usuário,mas atingir a toda a família. “A educação deve focar a formação integral do indivíduo; os professores precisam conhecer seus alunos; as escolas precisam acolher as famílias. E tudo isso requer investimento. Só teremos Educação de qualidade com investimento”, declarou.
O assessor do Programa Educacional de Resistências às Drogas (Proerd- PMMG), capitão da PM Hudson Matos Ferraz Júnior, levou à audiência a bem-sucedida experiência da iniciativa. O Proerd, contou o capitão, é um esforço cooperativo, que envolve família e escola com o objetivo de dotar os alunos de informações qualificadas para que façam boas escolhas na vida, em especial no que se refere ao uso de drogas. “Todos os 700 policiais que participam do programa são voluntários”, contou. Desde que surgiu em Minas, o Proerd já formou mais de dois milhões de pessoas, em mais de 3500 escolas.
Representando a Defensoria Pública, Roberta Mesquita destacou que os profissionais que atuam na instituição são testemunhas diárias da aflição que vivem os usuários de drogas e seus familiares. Destacando que há várias questões que exigem reflexão, quando esse tema está em debate, ela lembrou que um aspecto que precisa ser reavaliado é a forma como é hoje tratado o pequeno traficante, na maioria das vezes usuário de drogas. “Ele tem a restrição da liberdade, como o grande traficante, mas é preciso tratá-los de maneira diferenciada”, observou.
A abertura da reunião contou com a participação do deputado Célio Moreira (PSDB) e da deputada Liza Prado (PSB), além de representantes de várias entidades envolvidas no combate ao crack. Célio Moreira lembrou que a audiência acontecia em 5 de junho, data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, e convidou as pessoas a adotarem práticas no dia a dia para contribuírem com a preservação do meio ambiente. A deputada Liza Prado, por sua vez, convidou os presentes a participarem da Marcha Contra o Crack e Outras Drogas, que a ALMG irá realizar no dia 23/6 (sábado). A concentração será às 9 horas, em frente ao Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte.
Requerimentos – Durante a reunião, foram aprovados vários requerimentos, dois deles para a realização de audiência pública em cidades do interior de Minas, a fim de se discutir o avanço do crack nas regiões. O primeiro deles, de autoria do deputado Antônio Júlio (PMDB), para a realização de audiência em Pará de Minas (Região Central); o segundo, de autoria dos deputados Paulo Lamac (PT) e André Quintão (PT), para a realização de audiência pública em Passos (Sul de Minas).