Quase metade do orçamento federal é comprometido com dívida
Só 9% dos recursos foram destinados aos Estados, com Minas Gerais recebendo apenas 0,25% do valor
28/11/2011 - 20:26“Quase metade do Orçamento da União em 2010, cerca de 45%, foi usada para pagamento de juros e amortização da dívida”. Ao mesmo tempo, apenas 9% dos recursos, cinco vezes menos, foram destinados aos Estados brasileiros, sendo que Minas recebeu apenas 0,25% desse total. As informações foram prestadas pela coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, que participou de reunião da Comissão Especial da Dívida Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, nesta segunda-feira (28/11/11). Na avaliação dela, vários fatos que se encadeiam mostram que toda a política governamental joga no sentido de se privilegiar o pagamento da dívida pública em detrimento dos investimentos sociais.
Maria Lúcia Fattorelli exemplifica com o contingenciamento de R$ 50 bilhões proposto pela presidente Dilma Rousseff para investimentos sociais, a proposta no Congresso de voltar com a Desvinculação de Receitas da União (DRU), o congelamento dos salários do setor público e a continuidade da política neoliberal de privatizações. De acordo com ela, há todo um arcabouço político, econômico e legal que referenda a atual política de privilegiar o pagamento da dívida, classificada como “um ralo por onde escorrem os recursos públicos”.
Esse processo, continua a auditora, teve início ainda na década de 1970, quando o governo militar centralizou a gestão tributária na União e esvaziou os governos subnacionais. A partir daí, a estrutura tributária no Brasil vem cada vez mais concentrada arrecadação no âmbito federal, reduzindo as competências dos Estados e municípios. Nessa mesma direção, as transferências legais para esses entes federados têm sido reduzidas gradativamente ao mesmo tempo em que as responsabilidades são ampliadas, o que leva a uma crônica falta de recursos para investimentos sociais.
Como explica Fattorelli, muitas das mudanças vieram no bojo das políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao Brasil, a partir de l983. Desde então, uma série de leis aprovadas vem aprofundando o processo de favorecimento do setor financeiro pelos governos. Nesse sentido, foi aprovada em l987, a Lei 7.614, que permitiu que os estados ampliassem seu endividamento com a emissão de títulos públicos para financiar o déficit público. Já em l997, a Lei 9.496 propôs a renegociação da dívida dos estados com a União, legislação essa aprovada por pressão também do FMI, que impôs ainda um programa de privatizações na União e nos estados.
Incapazes de investirem na área social, devido à sangria de recursos pagos com o serviço da dívida, os estados passaram a se endividar por meio de empréstimos contraídos junto ao Banco Mundial (Bird) e BID, medida permitida no início do governo Collor. Ao mesmo tempo, o FMI também impôs a adoção de uma série de reformas neoliberais, que incluíam cortes de recursos na Previdência, redução de serviços públicos e terceirização desses serviços.
Dívida de MG chega a R$ 68 bilhões
Sobre a dívida de Minas Gerais, que tem como maior credor a União, Maria Lúcia Fattorelli mostrou-se alarmada ao lembrar que o compromisso já está na marca dos R$ 68 bilhões (cerca de R$ 57 bilhões só com o Governo Federal) . Esse valor só chegou a esse patamar, na opinião da convidada, porque foi utilizado um índice completamente inadequado para corrigir a dívida: o IGP-DI (Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna), e ainda com a aplicação de 7,5% de juros reais ao ano.
Em simulação feita pela Auditoria Cidadã, lembrou Fattorelli, se fosse utilizado o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais juros de 6% ao ano, a dívida de R$ 68 bilhões cairia para apenas R$ 2 bilhões. “Essa dívida tem violado os direitos humanos do povo mineiro: são quase 3 milhões de pobres, 645 mil famintos, um déficit habitacional de 474 mil domicílios, 156 mil desempregados na Região Metropolitana, num Estado que é celeiro do País”, alertou. Atualmente, o Estado compromete cerca de 13% do orçamento com o pagamento da dívida.
Maria Lúcia Fattorelli também explicou que parte do que o IGP-DI considera reflete o temor do mercado. “Como vamos usar um índice como esse para atualizar a dívida do Estado? É um absurdo!”, indignou-se. Ela acrescentou que em cima do valor corrigido pelo índice, mensalmente, ainda incide a cobrança de juros reais de 7,5% ao ano, o que seria uma ilegalidade, uma vez que são cobrados juros sobre juros. “Em 2010, os juros nominais atingiram 20% no ano. Com isso, a dívida pública consumiu em 2010 mais que todas os investimentos federais juntos”, informou.
Por todos esses aspectos, Maria Lúcia defende a Auditoria Cidadã da Dívida para responder a diversos questionamentos dos cidadãos brasileiros: “Quanto tomamos emprestado e quanto já pagamos? O que realmente devemos? Quem contraiu tantos empréstimos? Só uma auditoria responderá a esses questionamentos", conclui ela, afirmando que essa ação deve preceder qualquer proposta de renegociação. Essa auditoria teria que contar com a ampla participação da sociedade civil, para garantir transparência e ação concreta sobre os resultados apurados, afirma Fattorelli.
Ela mostrou que essa auditoria é factível, pois já foi aplicada no Brasil. Em l931, Getúlio Vargas, ao assumir a Presidência, assustado com o volume de pagamentos demandados, determinou auditoria da dívida. Indicado por Vargas para o trabalho, Osvaldo Aranha descobriu que só 40% da dívida estava documentada. Fattorelli lembrou também que a auditoria da dívida está prevista na Constituição Federal de 1998, e apesar disso não foi aplicada.
O mesmo não ocorreu no Equador, país onde 70% da dívida foi anulada após a auditoria. “A dívida do Equador era contraída com os bancos privados internacionais e depois foi transformada em títulos, assim como aconteceu no Brasil”, constatou. A partir de decreto do presidente Rafael Correia, a auditoria garantiu total transparência ao projeto, no qual mais de 50 técnicos trabalharam. Com o resultado da auditoria, o presidente submeteu o relatório ao crivo jurídico nacional e internacional. Com o respaldo obtido após essa consulta, Correia determinou que apenas 30% da dívida seriam pagos. “Os credores aceitaram a proposta do governo, em sua grande maioria. Os 5% que não concordaram também nunca apareceram para reclamar”, destacou Fattorelli.
Deputado defende auditoria das dívidas mineira e federal
O presidente da comissão, deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), disse que não via outra saída para a dívida pública brasileira e dos Estados a não ser a auditoria da dívida. “É importante fortalecermos os Estados e a União. Mas ela não pode ter a postura atual de subserviência aos sistema financeiro. Ou os governos nacional e estaduais servem ao sistema financeiro ou ao povo brasileiro, não há meio termo”, disse ele, defendendo ainda que o povo de Minas e do Brasil tem o direito sagrado de saber que dívida é essa.
O relator da comissão, deputado Bonifácio Mourão (PSDB), disse que a comissão tem um valor histórico para Minas Gerais. Para ele, o pagamento da dívida tem impedido o Estado de fazer os investimentos que a sociedade reivindica. “Minas Gerais está pagando mais encargos da dívida do que todos os investimentos. Isso é insustentável”, detectou.
O deputado Duarte Bechir (PSD) elogiou a contribuição de Maria Lúcia Fattorelli aos trabalhos da comissão. Ele questionou a auditora quanto ao valor aceito como dívida pelo Estado, e o valor recebido em pagamento pela liquidação dos bancos estaduais. ‘O que tem de errado ou deveria ser olhado com mais atenção no débito e no crédito dessa questão?”
Maria Lúcia respondeu que não tinha resposta para a questão formulada e por isso mesmo, defendia a auditoria cidadã. “Temos que analisar os contratos e as circunstâncias em que foram assinados. Todo contrato tem que prever o equilíbrio entre as partes, senão ele pode ser considerado nulo”, afirmou ela, referindo-se à renegociação das dívidas. “Tanto no caso do Brasil quanto do Equador, houve articulação entre o Clube de Paris, o FMI e outros credores, de um lado, e de outro, apenas o próprio país. Dívidas do setor público e privado foram absorvidas pelo Banco Central do Equador, em 1983. O mesmo ocorreu no Brasil nesse mesmo ano”, registrou.
Ao final, Fatorelli informou que iria entregar a análise técnica feita para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública, no Congresso Nacional, à Comissão Especial da Assembleia, como forma de subsidiar os trabalhos. Ela se colocou a disposição dos parlamentares para assessorá-los nas ações da comissão.
Ainda na reunião, o deputado Bonifácio Mourão propôs um requerimento que será votado na próxima reunião. Ele requer que a comissão promova cinco encontros regionais entre assembleias legislativas, em um Estado de cada região do Brasil: Pará (Região Norte), Pernambuco (Nordeste), Mato Grosso do Sul (Centro Oeste), Minas Gerais (Sudeste) e Rio Grande do Sul (Sul). Propõe ainda que o Colegiado de Presidentes de Assembleias, a União Nacional dos Legislativos Estaduais (Unale) e a Secretaria de Tesouro Nacional participem.