Famílias de desaparecidos cobram cumprimento de decisão judicial

"Ganhamos mas não levamos". Assim a integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Maria A...

29/08/2011 - 00:01
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
 

Famílias de desaparecidos cobram cumprimento de decisão judicial

"Ganhamos mas não levamos". Assim a integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Maria Amélia de Almeida Teles, definiu a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 14/12/2010 condenou o Brasil pelo desaparecimento de pelo menos 69 guerrilheiros na região do Araguaia (Sul do Pará) entre 1972 e 1974. A afirmação foi feita durante o Debate Público da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizado nesta segunda-feira (29/8/11). O evento teve o objetivo de marcar a passagem dos 32 anos da Lei 6.683, de 1979, chamada Lei da Anistia, com um debate sobre a luta pela anistia no Brasil.

Segundo Maria Amélia, o Estado brasileiro, quase oito meses após a decisão da Corte Interamericana, não mostra qualquer sinal de que esteja disposto a cumpri-la. E o não cumprimento da sentença, de acordo com ela, vai deixar o País desmoralizado diante da comunidade internacional.

A integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos lamentou que o Poder Executivo tenha reafirmado decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou que a anistia prevista pela Lei 6.683, de 1979, beneficia também os torturadores, não cabendo, portanto, punição aos agentes da repressão durante a ditadura. Maria Amélia disse que, enquanto os corpos dos desaparecidos não forem encontrados, os crimes não estão prescritos, e por isso não se pode alegar que seus autores devem ser anistiados.

Maria Amélia afirmou que a sentença da Corte Interamericana diz respeito não apenas às vítimas da repressão no Araguaia, mas a todos os desaparecidos políticos da época da ditadura militar. Ela lembrou ainda o fato de o Brasil reconhecer a Corte desde 1968 e que, por isso, tem a obrigação de cumprir sua determinação. O prazo para que isso aconteça é até 14/12/2011, um ano após a publicação da sentença, que inclui ressarcimento econômico dos familiares das vítimas, reparação de sua saúde física e mental e o restabelecimento da concepção de políticas públicas de Direitos Humanos, para que nunca mais exista tortura no Brasil.

Deputado faz homenagem a dona Helena Greco

O deputado Durval Ângelo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e autor do requerimento para o Debate Público, lembrou que esta é a terceira vez no ano que a comissão debate a condenação do Brasil no caso do Araguaia. Ele citou a memória de dona Helena Greco, militante dos direitos humanos e primeira vereadora de Belo Horizonte, que morreu este ano aos 95 anos.

Além de exibir um vídeo sobre a trajetória de Helena Greco, o deputado mencionou que entrou na ALMG com um projeto de lei criando a Comenda de Direitos Humanos Dona Helena Greco, que vai homenagear anualmente pessoas e entidades que se destacarem na defesa dos direitos humanos.

A filha de Helena Greco, Heloísa, também compôs a mesa dos trabalhos e cobrou do Estado brasileiro o esclarecimento de todos os casos de desaparecimentos políticos, com a abertura dos arquivos da ditadura, e também o desmantelamento do aparato repressivo no Brasil.

Indenização - Durval informou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já recebeu o processo em que é pedida a indenização das famílias Abreu e Hilário, que há 70 anos foram expulsas de suas terras para que o Estado de Minas Gerais construísse a Cidade Industrial, nos municípios de Belo Horizonte e Contagem.

Representantes das famílias que participaram da reunião manifestaram sua indignação com a atitude de sucessivos governos estaduais, que se recusam a cumprir a sentença transitada em julgado desde 1957. Giovana Abreu exigiu que o governador Antônio Anastasia marque uma reunião com as famílias e sugeriu que o Plenário da Assembleia ficasse ocupado por elas até que esse encontro fosse agendado. Durval Ângelo apoiou a proposta. Giovana denunciou ainda que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais está submisso ao Poder Executivo, dizendo que todo juiz que se pronuncia favoravelmente às famílias é promovido ou retirado do processo.

Durval Ângelo informou que o PL 749/11, de sua autoria, autoriza o Poder Executivo a pagar a indenização às famílias. Apresentado em março deste ano, o projeto foi enviado à Secretaria de Estado de Fazenda no dia 1º/7/11 para que ela se manifeste sobre sua viabilidade. Durval informou que, na Legislatura anterior, projeto de lei com o mesmo teor foi apresentado por ele, mas não chegou sequer a receber parecer de 1º turno na Comissão de Constituição e Justiça.

Debatedora defende punição por crimes cometidos contra militantes da ditadura

Não há como por fim à tortura no país e construir uma democracia enquanto não houver a punição dos crimes já cometidos. A opinião é da integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Suzana Keniger Lisboa, uma das debatedoras do evento desta segunda-feira.

"Aprendi a renovar minha indignação a cada dia. Foi assim que conseguimos resgatar a história do nosso país", afirmou Suzana, que defendeu a responsabilização do governo brasileiro pelos crimes cometidos contra os militantes na época da ditadura militar.

Suzana, que disse ter acompanhado o julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil pelo desaparecimento de quase 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia, lamentou a postura adotada pelo Estado brasileiro, que, segundo ela, teria declarado uma guerra contra os familiares das vítimas da ditadura. Na sua avaliação, o Estado matou sob tortura e escondeu os corpos de diversas pessoas, sepultando também a história dos militantes e do Brasil. "O que fica depois desses anos é que ainda não foi possível encarar a história de frente e acabar com o aparato da repressão", afirmou.

Suzana também lembrou que muitas pessoas do Exército brasileiro ainda têm, nos dias de hoje, o mesmo pensamento que alimentava os agentes da ditadura, baseado na violência e na tortura. Ela se disse assustada com essa realidade e considerou que a impunidade do governo estimula que esse tipo de postura se perpetue.

Caso de tortura - A coordenadora do Observatório das Violências Policiais (Cehal/PUC), Angela Mendes de Almeida, relatou o caso de tortura e morte de seu companheiro, Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971, que motivou a abertura de um processo contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna), como responsável pela sua morte.

Segundo Angela, ao voltar de uma viagem da França, Luiz Eduardo Merlino teria sido preso, torturado, colocado em uma solitária e, posteriormente, teria morrido em decorrência das torturas. De acordo com Angela, testemunhas afirmaram que Ustra teria torturado pessoalmente muitos militantes, entre eles seu marido.

Conforme explicou a debatedora, atualmente corre na Justiça um processo contra o comandante Ustra, no qual Angela pede uma indenização por danos morais. Ela alegou que, caso ganhe a ação, que espera decisão da juíza que cuida do caso, o dinheiro pago será destinado a organizações que lutam pela defesa dos direitos humanos.

Violência - A coordenadora do Observatório das Violências Policiais também denunciou a existência, ainda nos dias de hoje, de torturas e execuções sumárias em presídios do país. Ela apresentou dados que mostram que no 1° semestre de 2011 , São Paulo teria registrado uma média de 1, 85 pessoas assassinadas por dia pela polícia.

Para debatedor, condenação da Corte Interamericana deve ser cumprida

"A anistia não é clemência, mas uma conquista do povo", afirmou o doutor em Direito pela Universidade Degli Studi di Lecce (Itália) e mestre pela UFMG, Virgílio Mattos, que também participou do debate desta segunda. Para ele, a Lei da Anistia pode ser considerada uma conquista das forças de resistência da ditadura militar, apesar das suas falhas.

Mattos fez ainda um contraponto entre as Decisões da Corte Interamericana e do Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com ele, a Lei da Anistia, considerada constitucional pelo STF em 2010, concede a anistia não apenas aos militantes que cometeram crimes políticos e eleitorais, mas também aos militares punidos com fundamento nos Atos Institucionais Complementares. Com isso, os torturadores da ditadura não estariam submetidos ao cumprimento da sentença da Corte Interamericana, que determina, entre outras coisas, a indenização de familiares das vítimas, bem como a punição dos agentes do Estado envolvidos em torturas, desaparecimentos e mortes de militantes.

Ele considerou que a condenação da Corte Interamericana é inédita e diz respeito a obrigações internacionais que devem ser cumpridas pelo Brasil, enquanto as decisões do STF referem-se às leis infraconstitucionais brasileiras. "Não podemos abrir mão da verdade, da justiça e da responsabilização dos que foram acobertados pelo poder da época da ditadura", afirmou.

Para Mattos, a sentença da Corte significa que é possível que o Estado Brasileiro seja condenado e que a democracia seja praticada no país. Ele ainda afirmou que o Estado Democrático de Direito é incompatível com a ocultação de informações, podendo ser considerado um Estado de Polícia aquele que assim procede, uma vez que só produz mais conflito e confronto.

 

 

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