Debatedoras defendem mais participação feminina na
política
A dificuldade de se conseguir financiamento para
campanhas eleitorais é um dos grandes desafios que as mulheres
enfrentam na arena política brasileira. A saída para isso pode ser o
financiamento público de campanha. A opinião foi defendida nesta
segunda-feira (20/6/11), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais,
pela deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG) e pela pesquisadora
Marina Pinheiro, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da
UFMG.
As duas participaram do II Debate Público Minas
na Reforma Política, promovido pela Comissão Extraordinária de
Acompanhamento da Reforma Política. "Hoje o mercado é o maior
eleitor, pois são as grandes empresas que possibilitam e viabilizam
as campanhas eleitorais", afirmou a deputada Jô Moraes, para quem a
sociedade tem uma dívida com as mulheres. "O financiamento público
de campanha é fundamental para diminuir essa desigualdade, tanto com
as mulheres quanto com os afrodescendentes e outros grupos sociais",
completou Marina Pinheiro.
Jô Moraes exibiu alguns números que comprovam a
fraca participação da mulher no cenário político nacional. Ela
lembrou que o voto feminino só foi consagrado no Brasil em 1932, 108
anos depois da implantação do voto masculino, em 1824. Na Alemanha,
essa defasagem foi de 52 anos, segundo a deputada.
Ela comparou também o número de homens e mulheres
em atuação nas diversas instâncias legislativas no Brasil: na Câmara
dos Deputados, são 45 mulheres e 468 homens; no Senado, 12 mulheres
e 69 homens; e nas Assembleias Legislativas, 137 mulheres e 922
homens. Nos Executivos municipais, existem 5.024 prefeitos para
apenas 506 prefeitas em todo o Brasil, de acordo com Jô Moraes.
Marina Pinheiro completou que, a despeito da
reserva de candidaturas femininas incluída na minirreforma política
de 2009, o número de mulheres na política vem caindo. Isso ocorre
porque os partidos não sofrem nenhum tipo de punição se não
cumprirem a determinação legal de destinar 30% das vagas para as
mulheres. Como exemplo, ela cita a própria Assembleia de Minas, que
já contou com dez deputadas, número reduzido à metade na atual
legislatura.
Sistema proporcional -
Tanto Jô Moraes quanto Marina Pinheiro defenderam também o sistema
de voto proporcional como garantia de representação democrática.
Marina observou que a lista fechada, com intercalação de nomes
masculinos e femininos, assegura mais igualdade de gêneros. Lembrou,
como exemplo, o caso da Argentina, onde o sistema é adotado e a
representação feminina no Parlamento é das maiores do mundo,
oscilando entre 40% e 50%. As duas defenderam também as ações
afirmativas e a ampliação do acesso da mulher ao fundo partidário e
ao tempo de rádio e TV na propaganda eleitoral.
Para a deputada Luzia Ferreira (PPS), relatora da
comissão, assim como no Congresso Nacional, os debates promovidos
pela Comissão Extraordinária da ALMG também mostraram a falta de
consenso no debate dos principais pontos. Luzia adiantou que
pretende concluir o seu relatório a tempo de encaminhá-lo à comissão
da Câmara de Deputados, que pretende apresentar suas conclusões,
segundo ela, até final de julho.
Incentivadora da realização do debate sob o ponto
de vista da participação das mulheres, a deputada Maria Tereza Lara
(PT) destacou que o desafio agora é abrir a discussão para os
municípios, "mesmo sendo o tema árido, precisa ser disseminado. E a
baixa participação feminina na política não é problema só das
mulheres, como querem alguns, mas de toda a sociedade",
completou.
Especialistas condenam voto distrital
A possibilidade de adoção do voto distrital nas
eleições proporcionais foi criticada por dois especialistas da UFMG:
o professor da Faculdade de Direito, Rodolfo Viana Pereira, e o
pesquisador do Centro de Estudos Legislativos, Carlos Ranulfo. Ambos
acreditam que essa mudança não será suficiente para corrigir
distorções e fortalecer a identidade programática dos partidos.
Para Rodolfo Viana Pereira, é possível manter o
sistema proporcional com algumas correções, a fim de garantir o que
ele chamou de "efeito majoritário", ou seja, o fortalecimento
institucional dos partidos políticos. "É preciso diminuir o
personalismo pulverizado, que tem origem num processo em que os
candidatos não conseguem construir bandeiras programáticas",
justificou.
Para corrigir as distorções do atual sistema
eleitoral, Rodolfo Pereira propôs o fim das coligações nas eleições
proporcionais, a democratização interna dos partidos, a cláusula de
barreira e o financiamento público de campanha. O professor defendeu
que as mudanças no sistema eleitoral sejam voltadas para o
fortalecimento do Poder Legislativo, como forma de corrigir o que
ele chama de presidencialismo imperial, em que o Executivo tem
grande prevalência sobre o Parlamento.
Representação limitada - Para Carlos Ranulfo, a adoção do voto distrital é uma "bobagem".
"No sistema distrital, o deputado é eleito com 30% dos votos. Quem
ele representa?", provocou. Na avaliação do professor, o argumento
de que o voto distrital contribui para aproximar representantes e
representados não se justifica. Com a adoção do voto distrital, o
número médio de eleitores para cada representante na Câmara dos
Deputados seria de 370 mil. No caso de São Paulo, maior colégio
eleitoral do País, cada distrito teria cerca de 500 mil eleitores,
segundo Ranulfo.
Outro problema seria a divisão de cada Estado em
distritos, uma vez que o número de deputados federais não coincide
com o de estaduais. Em Minas Gerais, por exemplo, são 53 deputados
federais e 77 estaduais. Como o Estado teria que ser dividido em 53
distritos (um para cada deputado federal), a solução seria conceder
a alguns distritos o direito de eleger mais de um deputado estadual.
"Imaginem a briga para fazer essa divisão em distritos",
comentou.
Carlos Ranulfo também defendeu a cláusula de
barreira, mecanismo que exige uma porcentagem mínima de votos para a
Câmara dos Deputados para que um partido tenha direito a
representação nas demais casas legislativas. "Todos os partidos com
alguma expressão passariam por uma cláusula de barreira de 2%, que
eliminaria as legendas que se aproveitam da indústria de cargos, que
torna proveitoso criar uma sigla que não representa nada",
afirmou.
Mesmo duvidando da possibilidade de mudanças
profundas, o pesquisador acredita que a reforma política pode
contribuir para aprimorar o atual sistema eleitoral. "O sistema vai
continuar com muitos partidos, vai haver certa inconsistência
programática, mas a reforma seria uma alternativa para reforçar o
sistema de representação partidária", arrematou.
Professor propõe mudanças pontuais no financiamento
O terceiro e último tema discutido no debate
público foi o financiamento eleitoral. O professor do Departamento
de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Bruno Speck, fez um diagnóstico das regras atuais de financiamento
de campanhas no Brasil e propôs algumas correções. Disse acreditar,
no entanto, que não são necessárias mudanças profundas. "Olhando o
Brasil de fora e olhando o Brasil no contexto da América Latina, o
País está numa boa situação em termos de financiamento eleitoral e
avançou muito nos últimos 20 anos", declarou.
Ele relativizou uma das principais queixas da
sociedade, que diz respeito ao elevado custo das campanhas. Segundo
Speck, diante das dimensões do Brasil e do grande número de cargos
em disputa, as campanhas não são caras. Entretanto, o professor
afirmou concordar com as críticas ao desequilíbrio nas disputas, por
causa do volume desigual de recursos à disposição dos diferentes
candidatos. Outra queixa pertinente, de acordo com Speck, é quanto à
dependência dos legisladores em relação a seus doadores
privados.
Teto - Para minimizar
esses problemas, Speck propôs a adoção de um teto máximo para
doações, sejam elas de pessoas físicas ou jurídicas. Segundo ele, a
regra atual acaba permitindo que um empresário doe mais que um
cidadão comum. "É uma regra extremamente perversa e, no fim,
inconstitucional, porque torna os cidadãos desiguais perante a lei,
no que diz respeito ao financiamento eleitoral", disse. O professor
também sugeriu um teto igual de gastos de campanha, diferenciado
apenas pelo tipo de cargo em disputa e pelo local. Pela lei atual,
as próprias campanhas definem seus limites, muitas vezes
fictícios.
O professor da Unicamp também pôs em dúvida as
vantagens de um financiamento exclusivamente público das campanhas.
"O instrumento do financiamento público não tem um impacto ou
direção única", afirmou. Mesmo assim, num primeiro momento, Speck
disse acreditar que pode ser positiva a adoção de um sistema misto,
com o candidato podendo optar pelo financiamento privado ou público.
Importância da campanha -
Responsável por comentar a exposição de Bruno Speck, o sociólogo
Paulo Victor Melo, do grupo de pesquisa "Opinião Pública, Marketing
Político e Comportamento Eleitoral", da UFMG, concordou com a
posição do professor do Unicamp quanto à necessidade de pequenos
ajustes nas regras do financiamento de campanhas. Assim como Speck,
disse não ver com bons olhos uma mudança profunda. Melo preferiu
destacar a importância da campanha eleitoral como principal
instrumento de decisão do eleitor.
O sociólogo também aproveitou sua fala para elogiar
a iniciativa da Assembleia de incluir a sociedade no debate da
reforma política, por meio de consulta pública e da participação de
entidades nos eventos da Comissão Extraordinária.
Nos debates, o público manifestou, principalmente,
preocupação coma questão do financiamento público das campanhas,
como foi destacado por representantes da Câmara de Pouso Alegre, no
Sul de Minas.
Comissão promoveu mais de 20 reuniões
Minas na Reforma Política
foi o segundo debate público promovido pela Comissão Extraordinária
da Reforma Política. Na abertura, o presidente da comissão, deputado
Carlos Mosconi (PSDB), manifestou a sua satisfação por ver o
Plenário "ocupado majoritariamente por mulheres" e destacou a
importância do debate. "Existe uma desproporção gigantesca no que
diz respeito à participação da mulher na política", comentou.
O parlamentar lembrou que a comissão já promoveu
mais de 20 reuniões, ouvindo segmentos diversos da sociedade, e
destacou o papel da consulta pública feita pelo site da Assembleia,
que, até o início do debate, já contabilizava 579 sugestões.
Presenças - Deputados
Carlos Mosconi (PSDB), coordenador da comissão; deputada Luzia
Ferreira (PPS), relatora; deputada Maria Tereza Lara (PT) e
deputados Antônio Júlio (PMDB) e Dalmo Ribeiro Silva (PSDB). Também
participaram o promotor Edson Resende de Castro e o presidente do
Instituto dos Advogados de Minas Gerais, José de
Anchieta.
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