Redes sociais são debatidas por professores na Comissão do
Trabalho
Para divulgar e instrumentalizar a Lei 18.716, de
2010, cujo projeto é de sua autoria, a deputada Rosângela Reis (PV),
presidente da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Ação Social
da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, realizou nesta
quarta-feira (17/3/10) uma audiência pública com palestra dos
professores Walter Ernesto Ude, da Faculdade de Educação da UFMG, e
Lucimar Albuquerque, da Pró-Reitoria de Extensão da PUC Minas, que
trabalham com os conceitos de rede social.
A Lei 18.716 institui a Política Estadual de
Fomento ao Voluntariado Transformador e foi sancionada pelo
governador Aécio Neves no dia 8 de janeiro, e trata da articulação
de órgãos do Estado, entidades do terceiro setor, empresas e
cidadãos para a prática desse tipo de voluntariado. Estabelece
também programas de capacitação e sistemas de acompanhamento.
"Ao iniciarmos a discussão do projeto, levantamos
informações sobre redes sociais e voluntariado já existentes na
Assembleia", lembrou a deputada Rosângela Reis. "Notamos que muitas
pessoas atuantes estavam desmotivadas para permanecer no
voluntariado. Nossa iniciativa, que é precursora no País, procura
resgatar o valor e o papel do voluntário, sua contribuição como
cidadão e fiscalizador para complementar o que falta à sociedade",
continuou.
A deputada elogiou o projeto estruturador
Travessia, do Governo do Estado, que vem ao encontro de seu ideal de
formar cidadãos críticos, criativos, questionadores, construtores de
um mundo melhor.
Walter Ude, psicólogo com longa carreira de
educador de meninos de rua, trabalhou os conceitos de rede social a
partir do pensamento de renomados filósofos, e fez afirmações
contundentes, segundo ele, para desestabilizar a plateia.
"Assistencialismo causa dependência. O indivíduo nunca se torna
sujeito de suas próprias ações", disse ele. "Soube de uma mãe que é
assistida por 16 programas de governo. Em cada um busca uma migalha
e não tem tempo de criar os filhos", ajuntou.
Comprar o sofrimento dos pobres para merecer o
céu
"Na época da escravatura já existia voluntariado.
Os brancos adotavam filhos de escravos por 15, 16 anos, até que
estes se tornassem adultos e pudessem pagar-lhes com trabalho
escravo. O pobre vendia o seu sofrimento ao rico para ser salvo e
entrar no céu. O rico comprava o sofrimento do pobre para ser salvo
e merecer o céu. A moral judaico-cristã avançou através do tempo e
gerou a máxima governamental de fazer, para os pobres, coisas
pobres. Por extensão, digo que, para os abandonados, resta o
abandono", afirmou o professor.
Na casa da Febem na Rua Ubá, bairro Lagoinha, no
final da década de 70, Walter Ude participou da experiência de
trabalhar com portas abertas, onde os meninos de rua entravam e
saíam na hora que desejassem. Ali tinham cama, alimento, banho,
assistência e orientação. "Sempre apareciam voluntários da burguesia
que desejavam 'fazer alguma coisa pelos carentes', como diziam. Em
pouco tempo notei que os carentes eram os voluntários", critica,
para em seguida amenizar: "Todos somos incompletos".
O mote da incompletude foi usado por Ude para
criticar a fragmentação das especialidades e das profissões. "Pensar
em redes é pensar que tudo tem conexão com tudo. Segundo Edgar
Morin, o homem é um ser bio-antro-psico-social. Todos temos saberes,
que são insuficientes. A proposta é enxergar tudo interligado.
Precisamos procurar acordos e consensos para nos aproximarmos ao
máximo da verdade. Ou conectamos tudo o que foi desconectado pela
realidade ou vamos nos extinguir como raça humana", alertou.
Para ele, o voluntário tem que ser qualificado,
assim como todo trabalhador social precisa ter formação, estudar
projeto político-pedagógico da instituição, a história da infância e
da juventude, para desenvolver sua cidadania. O professor criou um
modelo esquemático de rede social em formato de mandala, através do
qual investiga os vínculos e as vulnerabilidades das pessoas, das
entidades e das instituições. Ali aparecem os isolamentos e as
lacunas, que devem ser trabalhadas em espaços públicos através de
grupos intersetoriais de negociação.
"Nesses espaços, que não podem ser a sala de um
professor ou o gabinete de um deputado, os atores primeiro se
reconhecem, depois se conhecem, depois compartilham experiências e
recursos, abrindo mão do narcisismo e do individualismo, para chegar
a resultados éticos e morais", concluiu.
Motivação religiosa é uma das principais para
voluntariado
A professora Lucimar Albuquerque reforçou a ideia
de que as civilizações humanas, apesar de tantos erros cometidos e
admitidos, não aprenderam a não fragmentar. Ela descreveu uma
experiência que vem sendo conduzida há quatro anos pela PUC Minas
com entidades de voluntariado no bairro Lindéia, abrangendo também
outros bairros do Barreiro, em Belo Horizonte, como Regina e Nossa
Senhora da Conceição.
A primeira constatação foi de que havia muitos
valores, muitos esforços e poucos resultados. O serviço foi
oferecido por seis áreas da universidade: Administração, Ciências
Contábeis, Ciências Econômicas, Enfermagem, Nutrição e Psicologia.
Foram montadas incubadoras de empreendimentos nas áreas de
alimentação, ateliê e serviços, dentro dos princípios da economia
solidária.
"Havia 90 grupos organizados em torno da Paróquia
Jesus Ressuscitado, todos de forte tradição cristã, incluindo três
pastorais, mas sem diálogo entre si. Fizemos vários trabalhos com
eles, inclusive a criação de um catálogo de recursos sociais. A
nossa ideia de rede é um 'como', um rizoma que se intercomunica pelo
solo", explicou.
Lucimar identificou vários tipos de motivação para
voluntários, a principal delas a religião, mas discorreu também
sobre aqueles que participam com um interesse específico: a
construção de uma escola, o aumento dos pontos de ônibus, e depois
de atingir esse objetivo se desmobilizam. "O que é realmente
importante é retirar a capa de indiferença para defender a vida",
concluiu.
Presenças - Deputada
Rosângela Reis (PV), presidente da comissão.
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