Proposta de privatização do sistema carcerário é alvo de
críticas
A privatização do sistema carcerário não pode ser
uma alternativa para solucionar os problemas atuais. Contra essa
iniciativa do Governo de Minas, falaram o professor da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) e da PUC Minas, José Luiz Quadros de
Magalhães, e a presidente do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas
em Privação de Liberdade, Maria Teresa dos Santos. Ambos foram
enfáticos sobre o tema, ao falarem durante o segundo debate da tarde
desta terça-feira (6/10/09) do Ciclo de Debates Alternativas à
Privação de Liberdade - Outras formas de promover justiça,
promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
O secretário de Estado de Defesa Social, Maurício
Campos Júnior, afirmou que não há privatização do sistema prisional,
e que tudo "é uma questão de melhor entendimento" da iniciativa. "Há
sim um grande esforço para melhorar o sistema. Falta muito, mas já
não é igual ao que víamos antes", disse. Ele destacou a valorização
das penas alternativas e o emprego de tecnologias entre os desafios
para melhorar a eficiência do sistema carcerário.
"Sabemos que isso é apenas uma parte do problema e
que a prevenção social permeia todo o processo", comentou o
secretário, que apresentou programas como o Fica Vivo, o programa
para egressos do sistema prisional, a Central de Acompanhamento às
Penas Alternativas e o método Apac. "Tenho convicção que o modelo
mineiro, visto de forma sistêmica, tem apresentado resultados
importantes", finalizou.
Após a apresentação de um vídeo com depoimentos de
familiares de presos denunciando humilhações e maus tratos de
agentes durante a revista que precede a entrada nos presídios, Maria
Teresa dos Santos afirmou: "Se com a família é assim, imagine com o
preso. A meu ver, eles são colocados lá para morrer". Segundo ela,
para melhorar basta cumprir o que manda a lei "e tirar a maldade"
das direções prisionais. "As Apacs recuperam. Se já temos esse
modelo, por que importar do inferno as privatizações?"
Largamente aplaudida, ela também foi elogiada pelo
deputado Durval Ângelo (PT), que presidiu o debate. "Escola mais
importante é a da vida. Sua voz é uma luz para todos nós", falou.
Ele cobrou do secretário um canal eficiente para apresentação de
denúncias do sistema carcerário. Durval elogiou a participação de
todos os convidados e considerou um "avanço importante" o fato de
140 entidades se reunirem para tratar de um tema tão
importante.
Desembargador elogia atuação de Apacs
O desembargador Herbert Carneiro, do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), também saiu em defesa das Apacs,
que, segundo ele, são exemplos a serem seguidos em todo o País. Para
o desembargador, as associações conseguem envolver a coletividade e
a família, criam no condenado a noção de responsabilidade e a
consciência da punição, coisa que o tradicional sistema de privação
de liberdade não faz.
Minas tem 47 mil condenados, mas pouco menos de mil
estão em alguma das pouco mais de 40 Apacs mineiras. "Por incrível
que pareça, ainda há juízes e promotores contrários às penas
alternativas e resistentes às Apacs, por isso o TJ deve incutir na
cabeça desses agentes a noção de responsabilidade social. A tarefa
do juiz não é só proferir sentenças e cumprir metas para dar
satisfações ao Conselho Nacional de Justiça", afirmou.
O desembargador criticou ainda o Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD) aplicado a presos de alta periculosidade, e
lembrou que em Minas a prática não é aceita. "Os juízes mineiros,
com coragem, entenderam que vai contra a Constituição. Infelizmente,
outros estados não fazem o mesmo. São Paulo, que tem a maior
população carcerária do País, é o que mais adota o regime",
explicou. Herbert Carneiro considerou o RDD "famigerado" e disse
esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste sobre o
tema o mais rápido possível. "Para corrigir uma falha da Lei dos
Crimes Hediondos, em relação à progressão de regime, o Supremo
precisou de 16 anos", reclamou.
Privatização nos EUA só aumentou a população
carcerária
"Estamos fazendo de novo o que já foi feito no
século XIX", disse o professor José Luiz Quadros de Magalhães. "A
criação do controle pretensamente resolveria o problema. Não é
atacado o fato gerador, a causa", disse, ao falar sobre desigualdade
econômica e insatisfação social. "Por que só os pobres são presos?
Porque quem diz o que é crime é quem tem o poder, e eles são
minoria", afirmou.
Sobre a privatização das cadeias, ele comentou: "Os
investimentos serão altos. Para ter lucro é preciso encarcerar. Se
não prender, há prejuízos, que de acordo com o edital apresentado, o
Estado vai pagar." Segundo ele, "as pessoas não estão enxergando
além da ideologia na própria cabeça". "A privatização nos Estados
Unidos só aumentou a população carcerária. Mais que ilegal, essa
iniciativa é gravemente imoral. Já lucraram com guerra, com doença,
e agora será com encarceramento."
O procurador Mário Antônio Conceição e o defensor
público Guilherme Tinti de Paiva defenderam a mudança de modelo
atual. Mário Antônio ressaltou que, em uma perspectiva realista,
opções como a limitação do final de semana, a efetiva aplicação de
penas restritivas, como atendimento à comunidade, e o fim da ação
penal obrigatória podem auxiliar efetivamente a resolver o problema
carcerário. Para ele, são utópicas as penas de multa e de prestação
pecuniária a favor da vítima. "Na maioria das vezes, os infratores
são pobres", salientou.
A criação de centros de mediação de conflitos
voltados para a violência doméstica e a aplicação de penas
alternativas aos condenados por tráfico de drogas foram sugestões
apontadas por Tinti de Paiva. "A maior parte das pessoas condenadas
por tráfico são primárias e poderiam estar cumprindo penas
alternativas", disse. "Precisamos construir novos modelos de
justiça."
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