Especialistas defendem adoção de penas
alternativas
A implantação de um modelo de justiça baseado em
medidas alternativas em detrimento do endurecimento do sistema penal
brasileiro foi defendida por especialistas no segundo dia do Ciclo
de Debates Alternativas à Privação de Liberdade - Outras formas
de promover justiça, promovido pela Assembleia Legislativa de
Minas Gerais. Os debates aconteceram durante o painel "Punir ou
responsabilizar? Ressignificando a Justiça", realizado na
manhã desta terça-feira (6/10/09) no Plenário.
A coordenadora de Fomento das Penas e Medidas
Alternativas do Departamento Penitenciário Nacional, Márcia Alencar
Araújo Mattos, lembrou que a pena não deve ter o intuito de punir,
mas de reabilitar. Segundo ela, é preciso responsabilizar as
instituições de justiça, o sistema policial e a sociedade para a
questão das penas no País. "O diferencial é focar o controle da
execução no ilícito, e não na punição. O trabalho tem que estar na
causa da infração, e não na repressão", alertou.
Para ela, os programas de inclusão, que são de
responsabilidade das redes sociais, são fundamentais nesse processo
de diálogo e ressocialização dos que cometem atos ilícitos. Ainda em
seu discurso, a representante do Ministério da Justiça criticou o
sistema processual brasileiro. "O déficit penitenciário é um reflexo
da burocracia do sistema penal. Temos que construir uma justiça de
paz, que valorize as políticas sociais de base e entenda que a
punição é efeito de um processo repressor e desumano", disse.
Radicalização - O
consultor da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e
do Adolescente, Wanderlino Nogueira Neto, defendeu a necessidade de
radicalizar os discursos e práticas de direitos humanos no Brasil.
Para ele, há um senso comum que defende o endurecimento das penas e
a exclusão das crianças e adolescentes. "É preciso desmitificar o
Direito Penal, que não atua em favor da ressocialização. Nossas leis
são marcadas pela seletividade, pois punem principalmente os menos
favorecidos", salientou. O expositor criticou ainda a proposta de
redução da maioridade penal, e reforçou a ideia de que as penas
alternativas são o melhor caminho para uma sociedade mais humana.
Sistema de controle é considerado irracional e
sombrio
A juíza aposentada Maria Lúcia Karam afirmou que a
realidade penal brasileira troca a democracia pelo totalitarismo.
Segundo ela, o processo penal da era digital retrocede ao período da
Inquisição, quando valoriza a confissão como prova maior do sistema
de controle social. A ex-magistrada criticou também o sistema
penitenciário, que estaria favorecendo o impulso do poder punitivo,
sem, com isso, promover a redução no número de indivíduos
infratores. "É preciso radicalizar o sistema penal, que hoje é
irracional. Afinal, retribui-se o sofrimento com mais sofrimento. As
leis penais não protegem, mas asseguram o poder punitivo, não
aliviam a dor de quem sofre com a violência e incentivam o
sentimento de vingança", reforçou. Ainda em sua fala, Maria Lúcia
Karam lembrou que as novas formas de monitoramento e punição crescem
sob a máscara da humanização. "É preciso romper com o totalitarismo,
a desigualdade e a exclusão", finalizou.
Regras de Tóquio são tema do segundo painel
Uma palestra que começou com alguns desafios à
plateia e prosseguiu na defesa do modelo restaurativo de Justiça.
Foi assim que a professora da Escola Paulista de Direito Paula
Elias, mestre em Direito Penal, abordou o tema "As regras de Tóquio
e o contexto brasileiro de alternativas à prisão", no segundo painel
de debates desta terça (6). Ela ressaltou que a sociedade se vê
muito distante dos encarcerados, quando deveria se colocar, na
verdade, na posição daqueles submetidos à Justiça. "Nós nos
consideramos melhores, pois somos incapazes de praticar crimes,
temos conduta ilibada, não cometemos calúnia, injúria ou difamação e
não usamos drogas", provocou. Em seguida, respondendo à própria
alegação de que esses crimes seriam de baixo potencial ofensivo,
Paula desafiou a plateia: "será que você pode levantar a mão e dizer
que jamais vai matar alguém?"
Após a provocação inicial, a professora explicou
que as Regras de Tóquio preconizam medidas não privativas da
liberdade, como as penas restritivas de direito. Elas foram
definidas em 1990 e constituem as regras mínimas das Nações Unidas
para a elaboração de medidas não privativas de liberdade. O
documento da ONU estabelece que as autoridades competentes podem
implementar medidas como multa, restituição ou indenização à vítima,
prestação de serviços à comunidade ou qualquer outra forma de
tratamento em meio aberto.
Professora comenta experiência da justiça
restaurativa
Lembrando que a justiça restaurativa é um conceito
em construção, Paula entende que ela está mais próxima do modelo
ético de resolução de conflitos. Respondendo ao promotor Rodrigo
Filgueira, a professora explicou que a equipe que trabalha na
justiça restaurativa é integrada por profissionais como psicólogos e
assistentes sociais, além de figuras como o juiz e o promotor.
Segundo Paula Elias, o modelo restaurativo tem conseguido bons
resultados, exemplificando com o caso de funcionários que furtam
agências bancárias.
Saiba mais - Em 2007,
Minas sediou evento internacional para discutir a aplicabilidade da
justiça restaurativa no Brasil. A ALMG foi parceira do Ministério
Público, do Governo do Estado e do Tribunal de Justiça na realização
do seminário. O modelo restaurativo reformula o modo convencional de
definir crime e justiça, pois entende que não só a vítima e o autor
são afetados, mas também a comunidade. Assim, na justiça
restaurativa, além do autor, vítima e comunidade são ouvidas e
participam ativamente na construção de uma solução negociada para o
conflito.
Ao comentar a tentativa de implementação do modelo
restaurativo em vara da infância e juventude de Porto Alegre (RS),
Paula Elias criticou que isso tenha ocorrido na fase de execução da
pena e não em momento anterior, além de lamentar a resistência da
magistratura e do Ministério Público à inovação.
Projeto no Congresso - No
evento de 2007 realizado em Minas Gerais, foi discutido o Projeto de
Lei (PL) 7.006/06, da Comissão de Legislação Participativa, que
tramita no Congresso Nacional e altera dispositivos processuais
penais para facultar o uso de procedimentos restaurativos no sistema
de justiça criminal brasileiro. Entre os programas restaurativos
previstos na proposição, estão a reparação, a restituição e a
prestação de serviços comunitários.
O PL 7.006/06 foi comentado nesta terça (6) pelo
consultor Wanderlino Nogueira Neto, que destacou alguns pontos que
merecem ser aprimorados. Segundo ele, o projeto estabelece que o
juiz é quem decidirá se o procedimento restaurativo será implantado
ou não. "Esta seria uma medida facultativa, o que é um dificultador,
pois estamos falando da perda do poder corporativo", ponderou,
repercutindo a fala de Paula Elias sobre a resistência dos
magistrados. Wanderlino também afirmou que o projeto acaba
desqualificando a comunidade, quando não prevê a participação de
entidades na equipe de facilitadores da justiça restaurativa e
determina que ela será preferencialmente formada por profissionais
como assistententes sociais e psicólogos.
Evento em Salvador - Para
a representante do Ministério da Justiça Márcia Mattos, o Brasil
terá, daqui seis meses, uma importante oportunidade de inserir
tópicos relativos à justiça restaurativa nas Regras de Tóquio. É que
nessa data será realizado o 12º Congresso Mundial de Prevenção do
Crime, em Salvador, quando ocorrerá a revisão do documento da ONU.
"Esse é o momento de o Brasil bancar a agenda pública da justiça
restaurativa, das penas restritivas de direito e da redução do
encarceramento", concluiu.
As atas do ciclo de debates serão publicadas no
Minas Gerais/Diário do Legislativo do dia 17 de outubro. A TV
Assembleia também apresentará reprises do evento, em horários e
datas a serem definidos.
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