Preocupação com leite importado do Uruguai domina debate
público
A preocupação com a entrada no País de um grande
volume de leite importado, principalmente do Uruguai, foi a tônica
do Debate Público Política Nacional para a Cadeia Produtiva do
Leite. Proposto pela Comissão de Política Agropecuária e
Agroindustrial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o debate
foi realizado no Plenário, na tarde desta segunda-feira (12/9/11),
com a presença de parlamentares estaduais e federais, além de
representantes da cadeia produtiva do leite.
Segundo o presidente da comissão, deputado Antônio
Carlos Arantes (PSC), que pediu a reunião, outro foco do evento foi
o de subsidiar a Subcomissão do Leite da Comissão de Agropecuária da
Câmara dos Deputados. Presidida pelo deputado federal Domingos Sávio
(PSDB-MG), ela busca avaliar e propor políticas e ações para ampliar
a produção leiteira no País.
O presidente da Comissão Nacional de Leite da
Confederação Nacional da Agropecuária, Rodrigo Alvim, elogiou a
reunião, afirmando que a subcomissão chegava em boa hora. Ele mostrou-se preocupado com o efeito da importação do
leite do Uruguai e da Argentina, lembrando que "nos anos 90,
política semelhante foi muito danosa para o País". Para ilustrar,
ele mostrou que, em apenas oito meses deste ano, a balança
comercial brasileira em relação aos outros países do Mercosul está
deficitária em US$ 500 milhões, "situação próxima à ocorrida na
década de 90".
Contribui para agravar esse quadro a
sobrevalorização do Real em mais de 50%, de acordo com Alvim. "Nessa
conjuntura, torna-se muito difícil exportar e fácil demais
importar", constatou. Para amenizar o problema, Alvim defendeu que o
Brasil faça um acordo comercial com os uruguaios, assim como fez com
a Argentina, estabelecendo quantidades e valores para as importações
brasileiras do Uruguai. "Temos que nos defender de práticas desleais
de comércio; do jeito que está, sem nenhum controle, vamos passar
por grandes dificuldades", alertou.
Denúncias - O deputado
federal Márcio Reinaldo (PP-MG) fez denúncias contra um importador
de leite que, segundo ele, teria livre trânsito no Ministério da
Agricultura. "O grosso do leite vem não só do Uruguai, mas também da
Nova Zelândia, e toda a negociação é comandada por Salomão
Teixeira", denunciou. E em troca, o importador teria transferido uma
grande propriedade rural sua no município de Natalândia (Noroeste) a
uma "figurona do Governo Federal", a qual ele não identificou. Ainda
de acordo com Márcio Reinaldo, prefeituras importam o leite para
programas sociais, além de Exército, Marinha e até a rede de
supermercados Carrefour.
O presidente da Confederação Brasileira das
Cooperativas de Leite, Paulo Bernardes, registrou que a guerra
contra o leite importado não é nova. Num de seus "rounds", no início
desta década, cita ele, os principais exportadores do produto -
Austrália, Nova Zelândia, Uruguai e Argentina - foram condenados
pela Organização Mundial do Comércio (OMC), por prática de
dumping. Ele considerou altamente desfavorável a negociação do
Brasil com o Uruguai em relação às trocas comerciais: a
contrapartida pela imprtação de leite do Uruguai, que passou a ter à
disposição um mercado de quase 200 milhões de consumidores, seria a
exportação ao país vizinho de 100 toneladas de carne de frango
brasileira por mês.
O deputado federal Vítor Penido (DEM-MG), que é
também produtor de leite, reclamou do grande estrago provocado pelas
importações do produto, principalmente do Uruguai. "Não é possível
que nossas autoridades não percebam isso: o Uruguai, um país de
apenas 4 milhões de habitantes, está fornecendo leite para o Brasil,
que só de produtores rurais tem mais de 1,3 milhão", criticou,
lembrando que a subcomissão está tentando uma audiência com o
ministro da Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, para discutir o
assunto.
Aumentar produção e qualidade é desafio
Apesar de concordar com a luta pela redução das
importações do leite, o presidente da Itambé, Jacques Gontijo,
analisou que outros três pontos merecem atenção do setor:
tributação, produtividade e qualidade. "A briga com o pessoal do
Mercosul não vai acabar nunca. Mas se fizermos o dever de casa e
olharmos esses três aspectos, temos condições de suportar a
pressão", concluiu. Na avaliação dele, há grande espaço para avançar
no aumento da qualidade e melhoria da produtividade do leite
brasileiro, utilizando-se entidades de ponta, como a Embrapa e a
Emater. Sobre a tributação, ele defende a redução da carga
tributária de toda a cadeia produtiva do leite.
Custos - Para o pesquisador
da Embrapa Lorildo Aldo Stock, o custo de produção do leite
brasileiro é um dos mais altos do mundo. O litro chega a custar 58
centavos de dólar, patamar inferior apenas ao do Canadá e dos países
escandinavos. A produção nacional de leite cresce a um ritmo de 8%
ao ano, graças principalmente a melhoramentos genéticos, de acordo
com o pesquisador. "Mas esse crescimento não é suficiente para
resolver essa questão, se não houver uma política de aumento da
produtividade", alertou.
Essa política de incentivo deve contemplar também a
assistência técnica e a modernização tecnológica do setor, como
reivindicou o produtor rural Zeuler Ramires, da região de
Divinópolis. Já o representante do Sindicato da Indústria de
Laticínios (Silemg), Celso Costa Moreira, cobrou o estabelecimento
de quotas de importação, não só para o leite em pó, mas também para
os queijos produzidos na Argentina e no Uruguai.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) defendeu
uma nova política nacional para o setor leiteiro. "Temos que dar
mais proteção a esse produtor rural. Não dá para o coitado do
produtor rural pagar a conta, como vem acontecendo sempre, nesse
sistema de remuneração em que ele vive numa gangorra", sugeriu.
Domingos Sávio defendeu ainda que os programas
sociais que incluam o leite sejam obrigados a comprar o produto
nacional. Ele lamentou que, pela regra atual, "importadores entram
em licitações, colocam leite perto do prazo de vencer e acabam
ganhando concorrências por oferecerem preço mais baixo, mas por um
produto de qualidade duvidosa".
O relator da Subcomissão do Leite, deputado federal
Alceu Moreira (PMDB-RS), também condenou a forma de tributação do
leite. "Tributamos leite pelo custo e não pelo lucro; ainda quando o
leite não saiu do úbero da vaca, o governo já é sócio de 24%",
registrou. Ele defendeu um tratamento diferenciado para a cadeia
produtiva do leite, na parte tributária, de subsídios e de
assistência. "Precisamos de um técnico ou extensionista rural para
atuar em no máximo 60 propriedades. Hoje, esse número é de mais de
mil propriedades por técnico", lamentou.
O deputado federal Zé Silva (PDT-MG) reivindicou um
programa de garantia de preço mínimo para o leite. E também que
dobre a quota de entrega de leite para os programas do Ministério do
Desenvolvimento Social, dos atuais 32 litros por dia e R$ 4 mil
reais por ano por produtor. Sobre a extensão rural, ele defende que
o Governo Federal contribua com mais recursos, uma vez que hoje 90%
das atividades são custeadas pelos governos estaduais.
Para melhorar a cadeia produtiva do leite, o
deputado Fabiano Tolentino (PRTB) sugeriu a redução da tributação, a
ampliação de programas sociais com leite e derivados, a redução de
importações e da tributação no setor, o fortalecimento de
cooperativas, a melhoria genética do rebanho, entre outros.
O deputado Antônio Carlos Arantes (PSC) defendeu a
adoção de medidas protecionistas para os produtores de leite. "Um
milhão e 200 mil produtores de leite no Brasil têm vivido de forma
escrava. Se algum deles acha que está lucrando, é porque não sabe
fazer conta", afirmou.
O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT) lembrou a
situação difícil vivida pelos produtores de queijo minas artesanal,
que enfrentam barreiras sanitárias à comercialização do produto
feito com leite cru. "Minas tem 30 mil produtores de queijo
artesanal, e menos de 200 credenciados para vender para outros
estados", reclamou.
Já o deputado Bosco (PTdoB) chamou de afronta o
lobby que vem sendo feito pelos importadores para aumentar as
compras de leite em pó do Mercosul.
Participantes criticam instrução do Ministério da
Agricultura
Outra medida federal criticada
na reunião foi a Instrução Normativa 51, do Ministério da
Agricultura e Pecuária, criada para melhorar a qualidade do leite
produzido no Brasil. Ela traz critérios de higiene, manejo
sanitário, armazenamento e transporte. O deputado Domingos Sávio disse
que a medida deveria entrar em vigor no dia 1º de julho deste ano,
mas por intervenção da Subcomissão do Leite foi adiada para 1º de
dezembro. "Seria uma tragédia a entrada imediata em vigor dessa
instrução normativa. Vários pequenos produtores não conseguiriam se
adequar. E o leite é um produto de alto valor social, que garante a
sobrevivência de muitas famílias", reforçou.
Também o secretário de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, Elmiro Nascimento, criticou a IN 51: "Vai
ser muito difícil o pequeno produtor se adequar a ela". O deputado
federal Reginaldo Lopes considerou inviáveis as exigências da IN 51,
levando-se em conta a extensão territorial do Brasil.
Também participaram os deputados federais Raimundo
Gomes de Matos (PSDB-CE), Carlos Magno (PP-RO), Celso Maldaner
(PMDB-SC), Júlio Delgado (PSB-MG) e Paulo Piau (PMDB-MG); além de
José Américo Simões, da Organização das Cooperativas do Estado
(Ocemg) e Vilson Luiz da Silva, presidente da Federação dos
Trabalhadores da Agricultura e Pecuária do Estado (Fetaemg).
Presenças - Deputados
Antônio Carlos Arantes (PSC), presidente; Fabiano Tolentino (PRTB),
vice; Adelmo Carneiro Leão (PT), Bosco (PTdoB) e deputada Liza Prado
(PSB).
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