Aumento do uso do crack preocupa Divinópolis
Em audiência da Comissão do Crack no município, especialistas, autoridades e população buscam soluções para o problema.
05/06/2013 - 18:41A disseminação do uso do crack e outras drogas no Centro-Oeste de Minas é preocupante, como mostram dados da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). As informações foram apresentadas em Divinópolis na audiência pública realizada pela Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (5/6/13). Solicitada pelos deputados Vanderlei Miranda (PMDB), presidente da comissão, Fabiano Tolentino (PSD) e deputada Maria Tereza Lara (PT), a reunião teve com o objetivo debater o enfrentamento ao crack e outras drogas na região.
O professor da UFSJ Richardson Miranda Machado alertou para os novos rumos que a dependência química tem tomado nos últimos tempos. “Antes, predominavam entre os usuários de drogas homens e desempregados. Hoje isso mudou”, disse. Segundo ele, atualmente o número de mulheres usuárias de drogas está quase igual ao de homens.
Outra mudança apontada pelo professor foi o aumento do consumo do crack por adolescentes da região. Os motivos seriam a falta de acesso a esporte, cultura e lazer e a escolas em tempo integral, a desagregação familiar e a falta de empregos. Também é crescente o uso de drogas na faixa etária de 26 a 38 anos. Para o professor universitário, o uso da bebida alcoólica e do cigarro, na maioria das vezes, é porta de entrada para outras drogas, principalmente no caso de adolescentes.
Com essa opinião concordou o sargento Ronaldo Jardim, instrutor do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) da Polícia Militar em Divinópolis. Ele apresentou conteúdos de prevenção às drogas que são mostrados a crianças e adolescentes nas palestras realizadas nas escolas locais. Nesses encontros, esse público é alertado quanto à periculosidade tanto das drogas lícitas, como o álcool, quanto das ilícitas. Sobre o álcool, o militar afirmou que ela é a droga mais consumida no mundo e responsável por inúmeros danos, como os acidentes de trânsito. Ele lembrou que o motorista alcoolizado tem cinco vezes mais chances de provocar acidentes.
A deputada Maria Tereza Lara, que presidiu a reunião, destacou artigo do escritor Frei Beto, publicado no jornal Estado de Minas, sobre as drogas. Ele afirmou no texto que a causa básica da entrada no mundo das drogas seria a carência de autoestima. “O viciado grita: eu quero ser amado!”, relatou a parlamentar, lembrando o artigo. Nesse sentido, ela acredita que um dos caminhos para reverter o vício é o trabalho de prevenção nas famílias, nas escolas e na sociedade como um todo.
Também o deputado Fabiano Tolentino avaliou que o problema das drogas tem como uma das causas a desestruturação das famílias. Ele realçou ainda que, dos 600 homicídios registrados no Estado em 2012, 50% tiveram relação com as drogas. Ele também reivindicou mais recursos para se trabalhar a prevenção ao uso de drogas e sugeriu investimentos em cultura e esporte de qualidade, visando resgatar a dignidade das pessoas.
Cerca de 85% dos detentos são envolvidos com drogas
Na avaliação do promotor Marco Antônio Costa, “as drogas têm transformado seres humanos em pessoas imprestáveis”. Ele lembrou que 85% dos reclusos do sistema carcerário de Minas tem envolvimento com drogas. “Não passo um dia sequer sem fazer uma audiência envolvendo drogas; e nas outras, relacionadas a roubos e mortes, também há essa relação, especialmente com o crack”, testemunhou.
O promotor reforçou que, dentre as drogas, o crack é a mais democrática, pois atinge todos os segmentos sociais – jovens, velhos, negros, brancos, ricos e pobres. Para combater esse mal, Marco Antônio Costa defende toda a estrutura possível para tentar recuperar o usuário. “As casas de recuperação devem ser oferecidas fartamente, como água em dia de verão”, advogou. Sobre a internação involuntária de usuários, ele avaliou que ela não deve ocorrer numa primeira abordagem. “O viciado tem que ser responsável pela sua própria recuperação, pelo seu tratamento”, acrescentou, defendendo a internação involuntária somente se o usuário persistir no vicio.
Bafômetros - O secretário municipal adjunto Antidrogas de Divinópolis, Luiz Gonzaga Militão, destacou sua ida ao município vizinho de Nova Serrana, onde se encontrou com o secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo Ferraz. Ele anunciou que serão liberados para o Centro-Oeste de Minas 80 kits de bafômetro, como forma de combater o uso do álcool ao volante. “Ninguém começa nas drogas pelo crack. O álcool é uma droga depressora e é porta de entrada para outras drogas”, acrescentou.
Resgate de usuários do mundo das drogas
O prefeito de Carmo da Mata, Almir Resende Junior, deu um depoimento sobre o trabalho de combate às drogas realizado no município. “Comecei a fazer levantamentos e descobri que algumas lojas da cidade funcionavam como pontos de drogas. Junto com o Ministério Público e as polícias, conseguimos fechar cinco desses estabelecimentos”, relatou.
Almir Resende registrou que visitou todas as escolas do município e numa dessas visitas, deparou-se com uma criança de 9 anos muito inquieta. “Subia em árvores, trombava nos professores e até me deu um empurrão”, ressaltou ele, que identificou o menor como usuário de drogas. A partir daí, o prefeito tomou para si a responsabilidade de retirar do vício essa criança, que tinha o pai preso e a mãe dependente de drogas. A prefeitura passou a acompanhá-lo com psiquiatra e psicólogo o menor e ele se curou. “Quem vê hoje essa criança acha que não é a mesma pessoa. Nós, como políticos, temos também que fazer esse papel de resgatar essas pessoas no início, porque depois é muito mais difícil”, testemunhou.
Comunidades terapêuticas - O presidente do projeto Quero Viver, pastor Wilson Fernandes Botelho, ex-viciado, disse que desenvolve trabalho de recuperação de drogados há 23 anos. Segundo ele, em muitos casos, é preciso tratar não só os usuários, mas também suas famílias, desestruturadas.
Também Rui Faria Campos, presidente da Casa Dia, afirmou que trabalha com dependentes químicos há 12 anos. Ele disse que a entidade tem um déficit de R$ 40 mil há vários anos e cobrou mais recursos para poder atender melhor esse público. “Só amor e boa vontade para esse trabalho é pouco. Atualmente é preciso medicamento, médico, psicólogo, assistente social para tratar desses usuários, porque as drogas são muito mais potentes do que antigamente”, ressaltou.
Um depoimento marcante coube ao ex-usuário de drogas Márcio de Freitas Moreira, tratado pela Casa Dia. Ele disse que passou a usar drogas ainda na adolescência, por se sentir rejeitado, uma vez que tinha sido deixado pelos pais, sendo criado pela avó. “Eu não suportava viver comigo mesmo e por isso fugi de mim. Vários amigos meus morreram, muitos por suicídio”, disse ele, lembrando do tempo em que se drogava. “Foi a Casa Dia que acreditou em mim, e isso permitiu que hoje eu esteja aqui dando o meu testemunho para vocês”, concluiu.