Lei nº 24.619, de 27/12/2023

Texto Original

Institui a política estadual para a população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS,

O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu, em seu nome, promulgo a seguinte lei:

Art. 1º – Fica instituída a política estadual para a população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados.

Parágrafo único – Para os fins desta lei, considera-se, independentemente do seu status migratório e documental:

I – migrante a pessoa que se desloca de seu lugar habitual, de sua residência comum ou de seu local de nascimento para outro lugar, região ou país;

II – refugiada:

a) a pessoa que, devido a perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de nacionalidade e não pode ou não quer manter-se sob a proteção desse país;

b) a pessoa que, não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não pode ou não quer regressar a ele em função dos motivos de perseguição a que se refere a alínea “a”;

c) a pessoa que, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país;

III – apátrida a pessoa que não é considerada como nacional por nenhum país, de acordo com o inciso VI do art. 1º da Lei Federal nº 13.445, de 24 de maio de 2017;

IV – retornada a pessoa que, após ter vivido no exterior, retorna ao seu país de origem de forma voluntária ou forçada.

Art. 2º – São objetivos da política de que trata esta lei:

I – garantir à população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados o acesso igualitário a direitos fundamentais;

II – impedir violações dos direitos da população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados;

III – proporcionar à população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados a integração social, cultural, política e econômica;

IV – assegurar o direito à reunião familiar e promover a convivência familiar e comunitária;

V – promover o respeito à diversidade e à interculturalidade;

VI – fortalecer a prevenção e o enfrentamento da xenofobia, do racismo, do preconceito e de quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 3º – São princípios da política de que trata esta lei:

I – universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;

II – isonomia de direitos e oportunidades, respeitadas as necessidades específicas da população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados;

III – equidade no tratamento e atenção às singularidades;

IV – direito ao trabalho decente, com igualdade de tratamento e oportunidades;

V – proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante, refugiado, apátrida e retornado no Estado.

Art. 4º – São diretrizes da política de que trata esta lei:

I – observância dos acordos e tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário;

II – abordagem interseccional, com respeito às especificidades individuais relativas a gênero, raça, etnia, orientação sexual, idade, religião e deficiência;

III – garantia de acesso universalizado aos serviços e equipamentos públicos;

IV – transversalidade nas ações do poder público;

V – priorização dos direitos e do bem-estar da criança e do adolescente, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente;

VI – fomento à participação social, com ações coordenadas entre as esferas de governo e a sociedade civil;

VII – diálogo social na formulação, na execução e na avaliação da política de que trata esta lei, com a promoção da participação cidadã;

VIII – garantia à população de que trata esta lei de atuação em instâncias de gestão participativa, com direito de voto.

Art. 5º – Na implementação da política de que trata esta lei, poderão ser adotadas as seguintes medidas em relação à população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados:

I – acolhida emergencial, com ações humanitárias e práticas de convivência, reforçando a colaboração entre gestores públicos e representantes da sociedade civil;

II – reconhecimento oficial dos documentos originais da população de que trata esta lei para fins de acesso aos serviços públicos;

III – simplificação e celeridade na emissão de documentos e na revalidação de diplomas de graduação e pós-graduação nas universidades estaduais mineiras;

IV – divulgação de informações sobre os serviços e equipamentos públicos estaduais, com distribuição de materiais informativos acessíveis;

V – apoio a lideranças e organizações que desenvolvam ações voltadas para a população de que trata esta lei;

VI – acesso da criança e do adolescente à educação na rede pública de ensino, independentemente de sua situação documental;

VII – inclusão no mercado formal de trabalho e fomento ao empreendedorismo individual e cooperativo, à economia solidária e à economia criativa;

VIII – acesso aos serviços de assistência social e saúde, observadas as necessidades relacionadas ao processo de deslocamento e as diversidades culturais;

IX – acesso a programas e benefícios sociais, serviços bancários e assistência jurídica;

X – acesso a programas habitacionais, promovendo o direito à moradia digna, seja provisória ou definitiva;

XI – inclusão nos programas e nas ações de esporte, lazer e recreação, com acesso aos equipamentos esportivos;

XII – realização de atividades de valorização da diversidade cultural, com o incentivo à ocupação de espaços públicos e à produção intercultural;

XIII – reparação de danos causados por deslocamentos em função de desastres naturais ou tecnológicos;

XIV – desenvolvimento de ações afirmativas para migrantes, refugiados, apátridas e retornados negros e indígenas, em consonância com as normativas nacionais e internacionais de promoção à igualdade;

XV – formação de agentes públicos voltada para:

a) a sensibilização para a realidade da migração, do refúgio, da apatridia e do retorno no Estado, com orientação sobre direitos humanos e a legislação pertinente;

b) a acolhida qualificada, humanizada, intercultural e multilíngue, com ênfase nos equipamentos em que se realiza um número maior de atendimentos;

XVI – capacitação de servidores das áreas que realizam atendimento e acolhimento da população migrante, refugiada, apátrida e retornada;

XVII – capacitação dos conselheiros tutelares para a proteção da criança e do adolescente migrante, refugiado, apátrida e retornado, observadas suas especificidades étnico-culturais;

XVIII – capacitação de servidores e sensibilização da comunidade escolar no âmbito das redes estadual e municipal de ensino para o atendimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos migrantes, refugiados, apátridas e retornados de acordo com suas identidades étnico-culturais e linguísticas;

XIX – capacitação de mediadores culturais com atuação nos equipamentos públicos com maior afluxo de migrantes, refugiados, apátridas e retornados;

XX – promoção de parcerias com municípios, órgãos públicos, sociedade civil e instituições de ensino superior, para a consecução dos objetivos de que trata esta lei.

Art. 6º – As violações de direitos da população de que trata esta lei, em especial a xenofobia, o racismo, o contrabando de migrante, o tráfico de pessoas, a exploração sexual e o trabalho escravo, deverão ser comunicadas às autoridades competentes.

Parágrafo único – O Poder Executivo poderá instituir canal de denúncias para atendimento em casos de discriminação e de outras violações de direitos fundamentais da população de migrantes, refugiados, apátridas e retornados ocorridas em serviços e equipamentos públicos.

Art. 7º – A coordenação da política de que trata esta lei e a articulação para a elaboração de plano contendo estratégias, programas, metas e ações para a execução dessa política serão realizadas pelo órgão responsável pela política de assistência social.

Parágrafo único – Será realizado monitoramento da implementação da política de que trata esta lei, com divulgação de relatórios periódicos sobre seu cumprimento, respeitadas as hipóteses legais de sigilo.

Art. 8º – Para a implementação da política de que trata esta lei, poderá ser criado colegiado de controle social, composto de maneira paritária por representantes do poder público e da sociedade civil, priorizando-se a participação de migrantes, refugiados, apátridas e retornados no Estado, na forma de regulamento.

Art. 9º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Belo Horizonte, aos 27 de dezembro de 2023; 235º da Inconfidência Mineira e 202º da Independência do Brasil.

ROMEU ZEMA NETO