Universidades estaduais demandam orçamento vinculado
Subfinanciamento tem prejudicado as atividades de ensino, pesquisa e extensão na Uemg e na Unimontes.
09/08/2022 - 15:10 - Atualizado em 11/08/2022 - 11:25Enquanto as universidades estaduais de São Paulo têm recursos vinculados, o que garante autonomia de gestão financeira, as mineiras não contam com qualquer garantia de destinação de verbas. Os orçamentos da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) ficam, então, à mercê dos governos que se sucedem.
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A questão foi ressaltada pelos convidados de audiência pública nesta terça-feira (9/8/22), da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na ocasião, foi discutido o financiamento das instituições universitárias do Estado.
Segundo o presidente da Associação dos Docentes da Uemg (Aduemg), Roberto Kanitz, o orçamento da Universidade do Estado de Minas Gerais é precário, o que dificulta até mesmo o custeio das atividades. Mesmo assim, ainda de acordo com ele, está sujeito ao contingenciamento de recursos, por decisão dos governos. “As universidades estaduais de Minas Gerais não têm sede própria, os docentes não tem gabinetes, os laboratórios são precários”, ressaltou Kanitz.
Para o convidado, o governo de Romeu Zema é “inimigo” das universidades públicas. Como exemplo, ele citou proposta de avaliação global dos docentes que utiliza parâmetros de empresas privadas, tratando as relações de professores e alunos como se fossem relações comerciais. A avaliação poderá ter como resultado, segundo ele, ainda mais redução de recursos para todos.
Convidada apresenta modelo de financiamento paulista
Como modelo de financiamento de universidades públicas relativamente bem-sucedido, foi apresentada durante a reunião a situação das instituições paulistas. Como foi apresentado pela presidenta da Associação de Docentes da Universidade Estadual de São Paulo (USP), professora Michele Ramos, desde a década de 1990 essas instituições têm verba vinculada ao ICMS.
Atualmente, 9,75% da contrapartida estadual desse imposto é destinada à USP, à Unicamp e à Unesp, as três universidades estaduais paulistas. “A luta para autonomia nas universidades paulistas remonta à década de 1970 e as conquistas mais importantes vieram no fim da década de 1980 com uma grande greve realizada no período”, explicou.
Ainda assim, segundo a convidada, essas instituições também têm sido alvo de ataques que têm resultado em subfinanciamento. Uma das formas que tem sido utilizadas para se retirar recursos das universidades paulistas é a de descontar indevidamente algumas rubricas do valor bruto sobre o qual a porcentagem vinculada deveria recair.
Segundo Michele Ramos, o ICMS arrecadado com juros e mora da dívida pública, por exemplo, não tem entrado no cálculo. Descontos como esse retiraram das instituições de ensino cerca de R$ 77 bilhões em 2022, de acordo com a convidada.
A professora da USP também demonstrou preocupação com as iniciativas no sentido de facilitar a entrada de capital privado nas universidades públicas, iniciando assim um processo de privatização.
O deputado Professor Cleiton (PV) lamentou que, mesmo com um modelo de financiamento como o de São Paulo, que já tem mais de 33 anos de história, Minas Gerais ainda não tenha trilhado caminhos em direção à autonomia universitária. Segundo ele, as instituições de ensino universitárias mineiras estão entre as que têm o menor investimento por aluno do País.
Falta de recursos traz obstáculos para professores e estudantes
Como resultado do subfinanciamento, os convidados citaram dificuldades enfrentadas no dia a dia por professores e alunos. Uma das questões apontadas foi a ausência de recursos para garantir condições mínimas para funcionamento dos campi estendidos, ou seja, dos cursos oferecidos em outros municípios que não aquele que é sede da universidade.
O professor da Unimontes Danilo Barcelos, por exemplo, explicou que ele tem a carga horária dividida entre atividades em Montes Claros e em Januária, mas não recebe qualquer ajuda de custo para o deslocamento entre as cidades. Também não há, segundo ele, qualquer auxílio para o deslocamento dos estudantes, que muitas vezes precisam cursar disciplinas em outros municípios.
Os convidados citaram a importância de se garantir a capilaridade das universidades, dada a importância das instituições para o desenvolvimento regional.
Um dos exemplos citados foi a oferta de assistência jurídica por professores e alunos em cidades onde não há Defensoria Pública. Além disso, trabalhos voltados à garantia de segurança alimentar, de acesso à habitação e outros destinados a ampliar a cidadania também foram ressaltados.
Outra questão salientada foi a precarização das condições de trabalho dos professores. Segundo a professora Lais Godoi Lopes, da Uemg, eles seriam constrangidos a aumentarem o número de horas dedicadas às aulas, retirando, assim, a carga horária de atividades de pesquisa e extensão.
Além disso, os docentes não seriam pagos conforme sua titulação, com doutores sendo remunerados como mestres.
Como ressaltou Roberto Kanitz, acordo homologado em 2016 na Justiça ainda não foi cumprido, de forma que há grande defasagem salarial.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento que deu origem à reunião, destacou que o governador Romeu Zema entrou com ação judicial para cancelar tal acordo feito com a categoria.
Sem apoio, permanência de alunos nas universidades é dificultada
Representantes de alunos também estiveram presentes e ressaltaram a falta de condições de permanência dos estudantes nas universidades, o que inclui a questão do transporte, mas vai além e trata de demandas de moradia e alimentação, por exemplo.
Segundo a vice-presidenta do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Unimontes, Nicolly de Souza, apenas 600 discentes foram beneficiados com assistência estudantil na universidade até julho em 2022. Ela ressaltou que, em alguns casos, os alunos acabam sendo obrigados a abandonar os estudos por não conseguirem se manter durante o curso.
Também foram citadas precariedades como falta de bibliotecas e laboratórios precários. Segundo o professor Magno Borges, da Unimontes, esses problemas não podem ser superados sem previsibilidade financeira. "Não adianta chegar no fim do ano e empenhar uma verba para equipar laboratório como se fóssemos uma mercearia. Essas compras são complexas e precisam ser planejadas, o que leva tempo", explicou.
Reitoras defendem discussão legal sobre o financiamento
Para a vice-reitora e reitora em exercício da Unimontes, Ilva Ruas de Abreu, a única alternativa possível para acabar com a penúria das instituições estaduais de ensino superior é ter finalmente autonomia de gestão financeira, sem vinculação com o orçamento geral do Estado. “Isso pode inclusive ser proposto pela Assembleia Legislativa”, defendeu.
Na mesma linha, a reitora da Uemg, Lavínia Rosa Rodrigues, lembrou que a própria existência das duas instituições está associada à iniciativa do Parlamento mineiro. Portanto, o debate sobre o financiamento das atividades de ambas também passa pela ALMG, em sua opinião. “O nosso partido é a Uemg e estamos abertos a debater isso com quem estiver disposto a defendê-la”, apontou a reitora.