Especialista da ONU defende acesso universal à água
Para Leo Heller, esse direito humano ainda não é garantido em muitos países, inclusive o Brasil.
29/09/2015 - 22:50 - Atualizado em 30/09/2015 - 12:28O combate à desigualdade no acesso à água encanada e ao saneamento é o ponto prioritário a ser gerenciado pelos países que se preocupam com os direitos humanos. A questão foi destacada na abertura da etapa final do Seminário Legislativo Águas de Minas III: Desafios da Crise Hídrica e a Construção da Sustentabilidade, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na noite desta terça-feira (29/9/15). O seminário prossegue até sexta-feira (2/10), quando ocorre a plenária final, na qual serão votadas propostas de políticas públicas volotadas para a questão hídrica.
Na palestra magna, o relator especial do direito humano à água e ao esgotamento sanitário da Organização a Nações Unidas (ONU), Leo Heller, destacou que, embora o tema não seja novo, esse direito ainda não foi incorporado por todos os países que integram a ONU, inclusive o Brasil. Segundo ele, a despeito de ter apoiado o projeto de resolução das Nações Unidas sobre o tema em 2010, o Brasil ainda não o incorporou na prática.
O especialista alertou para as duas faces desse direito: de um lado, obrigações e atribuições dos países, seus prestadores de serviço e agentes reguladores; do outro, a prerrogativa da sociedade civil de recorrer quando sofre violações em seu direito humano à água e ao esgotamento sanitário. De acordo com ele, esses recursos devem ser assegurados a todos, e cabe ao poder público garanti-los, priorizando o uso pessoal e doméstico, em quantidade e qualidade suficiente, além de acessíveis cultural, física e economicamente.
“Pensar nesses direitos é lembrar a necessidade de respeitar os princípios da igualdade e não-discriminação, da participação e inclusão, da responsabilidade e prestação de contas. Os governos têm de ser transparentes em seus planejamentos e na execução de ações, mostrando comprometimento em universalizar a disponibilidade de água e saneamento”, avaliou.
Leo Heller ainda salientou que a disponibilidade e a gestão sustentável de abastecimento de água e esgoto sanitário, de forma acessível para todos e sem discriminação, constam nas perspectivas globais da ONU. Esse documento prevê metas a serem cumpridas pelos países membros nos próximos 15 anos. O especialista alertou, ainda, que as médias de fornecimento de água e saneamento apontadas pelos países mascaram a realidade.
Gestores abordam atual realidade e perspectivas futuras
Lembrando as condições climáticas severas dos últimos quatro anos, Gisela Forattini, diretora da Agência Nacional de Águas (ANA), acentuou que apenas 10% dos rios são de domínio federal e cabe também aos Estados gerir os recursos, de forma articulada com a União. Abordando a importância dos planos de contingência, ela enfocou a necessidade de melhorar a integração na gestão das águas e estabelecer metas progressivas, “de forma que os Estados e órgãos envolvidos deixem ser reativos à seca e passem a ser proativos”, ponderou.
Segundo a gestora, a oferta de água dos reservatórios permanece baixa e as perspectivas futuras continuam a ser de atenção. Por fim, ela elogiou as ações iniciadas em Minas Gerais, avaliando que o Estado saiu na frente na busca de soluções para a escassez de água.
O vice-prefeito de Belo Horizonte, Délio Malheiros, lembrou que o problema da escassez é mundial e exige uma gestão eficiente dos recursos hídricos. Segundo ele, já houve uma redução em 30% no consumo de água nos órgãos da Prefeitura de Belo Horizonte.
O presidente da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), João Lúcio Faria de Oliveira, exibiu um vídeo sobre o trabalho da empresa e abordou o Plano Estratégico de Águas do Ceará. Segundo ele, o plano prevê estratégias de logo prazo para cada bacia hidrográfica do Ceará. Ele também destacou a redução nas reservas de água do Estado, além de apontar as principais ações emergenciais previstas para gerir a segurança hídrica da região.
Para Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a crise ambiental é planetária, e a falta de água decorre desse problema. Ele alertou, ainda, que sem uma gestão eficaz dos recursos, a crise hídrica tende a se aprofundar. Por fim, destacou a necessidade de um pacto que envolva todos os Estados da bacia do São Francisco e a União, para trabalhar pela sustentabilidade do rio.
Hideraldo Buch, do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, lembrou que essas entidades já alertavam para a escassez de água há tempos. De acordo com ele, o seminário vai apontar propostas concretas para amenizar a crise hídrica, e cabe à ALMG se empenhar para que as proposições aprovadas sejam cumpridas na prática.
Deputados manifestam preocupação com a crise hídrica
O presidente da Comissão Extraordinária das Águas, deputado Iran Barbosa (PMDB), alertou para a importância de o seminário resultar em propostas que culminem num marco regulatório para a gestão dos recursos hídricos em Minas Gerais. “Vamos consolidar um marco para que o Estado mantenha o seu estoque hídrico e a qualidade da água. A crise não é de falta de água, mas de gestão. Todos somos responsáveis não apenas pela boa administração dos recursos, mas também por trazer ideias que integrem a meta de perpetuar o bom uso da água”, ponderou.
Para o deputado Doutor Jean Freire (PT), a questão primordial é oferecer água de qualidade, priorizando o consumo humano em detrimento de outros usos, como o que beneficia mineradoras e produtores de eucalipto. O parlamentar destacou a sua preocupação com as comunidades mais carentes, lembrando que a segunda maior causa de morte de crianças no mundo é a diarreia, geralmente decorrente da má qualidade da água ingerida.
Já o deputado Gil Pereira (PP) destacou sua preocupação com a falta de investimentos, lembrando barragens não concluídas ou com a implementação atrasada por falta de recursos. Ele enfatizou a necessidade de mais verba destinada a novas usinas de energia solar. Segundo o parlamentar, essa fonte alternativa de energia poderia gerar uma economia de R$ 150 bilhões em cinco anos, além de poupar as águas devido à redução de uso nas usinas hidrelétricas.