Na opinião do professor Fernando Aith, o Poder Judiciário não é a melhor arena para se resolver as questões relacionadas com a saúde, mas sim o Executivo
Segundo Fernando Aith, em São Paulo, o médico deve argumentar o pedido de medicamentos indisponíveis
A desembargadora Vanessa Andrade disse que, para reduzir erros ao fundamentar decisões, o TJMG passou a solicitar relatórios do Nats

Demandas judiciais na saúde exigem soluções diferenciadas

Professor da USP aborda o papel do Poder Judiciário na garantia do direito à saúde.

14/09/2015 - 14:03 - Atualizado em 14/09/2015 - 15:20

No primeiro painel do Ciclo de Debates Judicialização da Saúde, realizado na manhã desta segunda-feira (14/9/15) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o professor da Faculdade de Medicina da USP, Fernando Aith, defendeu que os diferentes tipos de demandas judiciais na área da saúde exigem soluções diferenciadas. Com o tema “Cenário atual da judicialização da saúde e o direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro”, o painel contou com uma explanação do professor sobre as diferentes categorias de demandas judiciais.

A primeira diz respeito aos produtos e serviços que já constam nas listas e protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS), mas que por alguma razão foram negados. Ele salientou que essa questão deveria ser resolvida de forma administrativa pelo Poder Executivo e não deveria nem chegar ao Judiciário.

A segunda categoria seria a de produtos e serviços já permitidos pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que já estariam disponíveis no sistema privado, mas ainda não teriam chegado ao SUS. “O que precisamos fazer é reduzir o tempo entre a chegada do tratamento no sistema privado e sua adoção no SUS”, disse. Ele disse, ainda, que é preciso avaliar a real eficiência e a impossibilidade de substituir tal tratamento.

De acordo com ele, em São Paulo foi determinado que o médico precisa argumentar muito bem o pedido de medicamentos e serviços não disponíveis, inclusive tendo que justificar para o juiz sua necessidade. Segundo ele, isso teria reduzido as prescrições de tratamentos não disponíveis, que muitas vezes poderiam ser substituídos por outros, já incorporados ao sistema.

Por fim, a terceira categoria seria a de produtos e serviços ainda não aprovados no Brasil, mas já aceitos por agências internacionais. Fernando Aith citou, nesse ponto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na qual o relator, ministro Luiz Fux, teria dito que, se o cidadão tem a esperança de cura e existe em algum lugar do mundo essa possibilidade, então deve ser garantido a ele o direito de tentar. Nesse caso, Aith defende um debate amplo com a sociedade para definir até onde o acesso a tais produtos e serviços deve ser garantido.

Aith ressaltou, ainda, que o Poder Judiciário não é a melhor arena para se resolver as questões relacionadas com a saúde, que deveriam ser resolvidas no âmbito do Executivo. Ele afirmou, porém, que na falha de outras esferas o cidadão tem o direito de recorrer ao Judiciário e a este cabe garantir os direitos de cada um. E citou, ainda, iniciativas que estariam reduzindo a procura do Judiciário para resolver tais questões, como comitês formados por secretarias de saúde e defensorias públicas, que têm permitido a solução das demandas ainda em âmbito administrativo.

Construção de direitos - O professor também traçou um panorama histórico do direito à saúde. Ele demonstrou que tal direito, da forma como o conhecemos hoje, existe no Brasil desde a Constituição da República de 1988. Aith explicou que o direito à saúde, entendido como um direito social, começou a ser construída no mundo a partir do início do século 20, inicialmente com questões previdenciárias. No Brasil, esse processo teve início na década de 1920, quando foram criadas as caixas previdenciárias, mantidas por fundos solidários entre trabalhadores e empregadores. Em 1966, tais caixas foram unificadas e passaram a ser geridas pelo Estado, por meio do Instituto Nacional de Previdência Social. “Esse modelo era contributivo; só tinha direitos quem contribuía”, explicou.

Segundo o professor, a Constituição mudou radicalmente esse modelo, ao garantir que o acesso à saúde deveria ser universal e integral. Essa previsão constitucional foi apontada por juízes, em uma pesquisa feita nos tribunais de São Paulo, como principal justificativa na garantia de liminares àqueles que recorrem à Justiça para demandar do Estado soluções relacionadas à saúde.

O conceito de direito à saúde também foi abordado por Fernando Aith, que salientou que se trata de algo maior do que a ausência de doenças. “Quando falamos de direito à saúde, estamos falando de bem-estar social – do direito a ter acesso a saneamento básico e água potável, a estudo, à segurança, a lazer”, disse.

Sobrecarga dos municípios e abusos em ações

A desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Vanessa Verdolim Hudson Andrade, explicou que a responsabilidade na garantia do direito à saúde é dos três entes da federação: União, Estados e municípios. Esse último, porém, tem sido, segundo ela, um dos mais demandados judicialmente, apesar de ter, entre os três, os menores orçamentos.

“Aos municípios caberia oferecer a farmácia básica, o que alguns fazem muito bem e outros nem tanto; mas às vezes chegam aos tribunais pedidos de medicamentos de alto custo para municípios com orçamento muito pequeno”, disse. “Dizer 'não' é muito difícil, mas dizer 'sim' em todos os casos seria irresponsabilidade”, completou.

Outro questionamento feito por ela diz respeito aos casos em que há abuso nos pedidos, como nas situações em que se pretende beneficiar um laboratório, por exemplo, e forçar a entrada de um medicamento no SUS. Ela ressaltou que durante muito tempo a prescrição médica era o principal documento que fundamentava as decisões judiciais e que, para reduzir os erros, o TJMG começou a solicitar relatórios do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats), órgão vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A desembargadora mostrou casos em que tais relatórios falavam sobre a ineficiência dos tratamentos propostos pelas receitas ou da possibilidade de substituição por outro tratamento. “Claro que não seguimos esses relatórios de olhos fechados, mas é mais um documento que ajuda a formar a convicção do juiz e reduzir os erros”, disse.

Programação - As atividades do Ciclo de Debates Judicialização da Saúde prosseguem no período da tarde, com os painéis “O Direito à saúde e a atuação do sistema da Justiça” e “Apoio técnico ao sistema de Justiça”. Na terça-feira (15), as atividades também serão ao longo de todo o dia, com os painéis “Impactos da judicialização na gestão e no orçamento” e “Perspectivas e possíveis soluções para o excesso de demandas judiciais na área da saúde”.