Usina hidrelétrica de Itapebi é alvo de reclamações
Empreendimento em Salto da Divisa prejudica pescadores, lavadeiras e garimpeiros.
02/07/2014 - 15:54Associações de lavadeiras, pescadores, pedreiros e moradores de Salto da Divisa (Vale do Jequitinhonha) reivindicaram ajuda para que sejam indenizados pela empresa Itapebi, que administra uma usina hidrelétrica no Rio Jequitinhonha. Durante a audiência pública realizada no município na manhã desta terça-feira (2/7/14) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), eles relataram as dificuldades sofridas desde a instalação do empreendimento.
Estavam em maior número as lavadeiras, que chegaram entoando cantos nos quais reivindicavam serem ouvidas. A representante do grupo, Jovecília Maria de Jesus, disse que um dos principais problemas trazidos pela Itapebi, que iniciou as conversas para instalação da barragem em 1997, é a poluição. Segundo ela, o rio tinha águas cristalinas e está agora poluído. “Era limpo e todos usavam; agora o lago da represa está lá, imundo”, afirmou.
O representante dos pescadores, Ademir Ribeiro de Souza, por sua vez, salientou que não teria sido construída a escadaria de peixes – ferramenta que possibilita o trânsito dos peixes pela barragem. Por isso, segundo ele, de onde saíam 43 toneladas anuais de peixes, hoje não sai nada. Ele afirmou, ainda, que foram introduzidas espécies exóticas como o pintado, que comem os pequenos peixes, e até piranhas, que estariam machucando os pescadores. Ainda segundo Souza, apenas 42 dos 170 pescadores do local foram reconhecidos pela Itapebi.
Os garimpeiros, por sua vez, foram representados por João Leôncio Santos, que disse que a represa cobriu os antigos locais utilizados para o garimpo. O vice-presidente da Associação Comunitária dos Extratores de Pedra e Areia, Reinaldo Oliveira, completou que eles retiravam do leito do rio a matéria-prima para a construção de casas. “Aí eles fecharam o acesso ao rio durante a construção e disseram que em cinco anos tudo voltaria ao normal e, caso isso não acontecesse, seríamos indenizados. Não aconteceu nem uma coisa nem outra”, disse. Ele afirmou que propuseram à Itapebi que comprasse para os trabalhadores uma pequena porção de terras onde pudessem plantar, mas a proposta não foi aceita. “Estamos brigando não por dinheiro, mas por sobrevivência”, disse.
Também foram relatados danos sofridos pelas residências próximas à represa. “Alguns moradores tiveram que abandonar suas casas porque elas estavam caindo”, disse Waldinei Xavier Rodrigues. Segundo ele, os problemas começaram a surgir quando o reservatório foi construído. O representante da Secretaria do Patrimônio da União em Minas Gerais, José Osmar Coelho Lins, citou um trabalho de mestrado apresentado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), segundo o qual a causa desses danos às casas seria o impacto da barragem no lençol freático da região.
Além disso, os participantes da audiência reivindicaram indenizações e terras onde possam viver e plantar.
Associação - O advogado da Associação dos Atingidos pela Barragem de Itapebi, Bruno de Souza Ronconi, reclamou que as reuniões de representantes da Itapebi com a população local foram feitas sem a sua presença. “Eles faziam a ata do jeito que queriam e apresentavam-na para o Ibama alegando que estavam negociando”, disse. Ele orientou a população a não assinar mais documentos da empresa.
Segundo o advogado, há um processo judicial em andamento na comarca de Teófilo Otoni, e já foi feita uma perícia favorável à população de Salto da Divisa, porém sem tratar separadamente de cada grupo atingido pela barragem. Ele também reclamou da falta de um juiz titular, o que estaria atrasando o processo. “A perícia entregou o relatório em janeiro e nós só conseguimos acesso a ele em junho”, afirmou.
Projeto da hidrelétrica começou a ser discutido em 1997
Um breve histórico do empreendimento foi apresentado pela secretária do Grupo de Apoio de Defesa dos Direitos Humanos de Salto da Divisa, Maria de Fátima Pereira dos Santos. Segundo ela, os primeiros contatos com a prefeitura e com representantes de movimentos sociais foram feitos pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e pela empresa Odebrecht em fevereiro de 1997. Logo do início, teria sido questionado o andamento da obra sem a realização de audiências públicas.
Diante das cobranças, a primeira audiência teria sido realizada em julho do mesmo ano. As reivindicações dos diversos grupos atingidos pela barragem teriam sido incluídas nas condicionantes para a obtenção das licenças. Assim, o primeiro estudo de impacto ambiental estimou que o empreendimento atingiria 50 famílias e não afetaria as cachoeiras locais, segundo Maria de Fátima.
“Mas em fevereiro de 1998, apareceram com uma licença prévia diferente, que dizia que todas as cachoeiras seriam inundadas e 100 famílias seriam atingidas”, disse. O novo projeto teria ampliado a capacidade de geração de energia e, assim, agravado os impactos ambientais, mas não foram feitas novas audiências com a população. Diante desse quadro e da pressão dos moradores, uma lei municipal tombou as cachoeiras locais como patrimônio histórico, mas ela foi revogada um ano depois, de acordo com Maria de Fátima. O mesmo teria acontecido com a legislação federal que tombou as cachoeiras. “O que pedimos é a correção do projeto, para que seja executado conforme a proposta original”, disse.
Empresa afirma, por carta, que não há problemas
A Itapebi não enviou representantes para a reunião, mas se pronunciou por meio de uma carta. No documento, a empresa afirma que repudia qualquer ato de violação de direitos humanos nas suas operações e que todas as demandas controversas já estão sendo resolvidas. Além disso, diz que acredita ter provido todas as informações necessárias e, portanto, não viu necessidade de comparecer à reunião.
A postura da empresa foi criticada pela presidente do Conselho Estadual de Assistência Social, Maria Albanita Roberta de Lima. “O empreendimento e o Ibama precisavam estar aqui para ouvir esses relatos, porque aqui estamos falando para nós mesmos. Mandar uma carta dizendo que está tudo bem não é suficiente”, disse. Ela ressaltou, ainda, que o conselho atua em uma centena de casos semelhantes ao de Salto da Divisa, porém, não está trabalhando no caso específico da cidade porque o empreendimento atinge dois Estados: Minas Gerais e Bahia.
O representante da Secretaria do Patrimônio da União, José Osmar Coelho Pinto, se disse sensibilizado com a situação, mas também afirmou que o órgão não é responsável pelas margens do lago, apesar de o Rio Jequitinhonha ser federal.
A Itapebi é controlada pelo grupo Neoenergia, que também é responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Outros acionistas da empresa são o grupo Iberdrola, o Banco do Brasil (BB) Investimentos e a 521 Participações. O grupo Neoenergia, por sua vez, tem como acionistas a Caixa de Previdência dos Funcionários do BB (Previ), a Iberdrola e o BB.
Deputados vão cobrar providências
O deputado federal Padre João (PT-MG) sugeriu a criação de um grupo de trabalho que inclua os representantes dos movimentos sociais, a Itapebi, o Ibama, a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Ministério Público, para discutir as questões envolvendo os impactos da hidrelétrica.
O deputado Rogério Correia (PT) se disse convencido de que vários direitos têm sido violados em Salto da Divisa. Ele apoiou a ideia da criação de um grupo de trabalho. “A Justiça demora muito para decidir sobre questões que precisariam ser rápidas. Vocês não devem desistir das ações judiciais, mas essa mesa de trabalho pode fazer a empresa cumprir alguns acordos”, disse.
Na próxima reunião da comissão, serão votados vários requerimentos de providências. O deputado Rogério Correia disse que vai pedir que o Ministério de Minas e Energia cobre da Cemig que as populações ribeirinhas sejam avisadas da abertura das comportas da barragem de Itapebi. Ele também vai pedir que as notas taquigráficas da reunião sejam encaminhadas para a empresa e para os órgãos responsáveis e que o Ibama condicione a renovação da licença ambiental ao atendimento das demandas apresentadas.
Sem-terra relata ameaça de morte
Um dos moradores do acampamento Dom Luciano Mendes de Almeida, Aldemir Silva Pinto, relatou, durante a reunião, ter sofrido uma ameaça de morte. Segundo ele, o gerente da fazenda Monte Cristo teria ameaçado matar aqueles que moram no assentamento, que reivindicam reforma agrária. Quando ele disse que procuraria a polícia, o gerente teria feito nova ameaça, dessa vez individualmente. Aldemir registrou um boletim de ocorrência na delegacia local.
O deputado Rogério Correia disse que vai pedir à polícia a apuração do caso e proteção de Aldemir. Ele também deve pedir que a Secretaria de Estado de Defesa Social investigue denúncias sobre a matança a tiros de jumentos pertencentes aos moradores do assentamento Dom Luciano.