Criado em 2007, o Aterro de Itajubá é o primeiro construído por meio do consórcio público intermunicipal na área de gestão de resíduos por meio de fomento do Governo de Minas
Para Célio Moreira, os municípios não têm recursos necessários para cumprir a norma
Renato Brandão acredita que os consórcios públicos permitem muitas economias
Professor e pesquisador Cláudio Cançado, do Igtec e da Feamig
O aterro sanitário regionalizado atende Itajubá, Delfim Moreira, Piranguçu, Piranguinho, São José do Alegre e Wenceslau Brás
“Até agosto deste ano é inviável chegar a 100% de municípios sem lixões”, afirma Edicleusa Moreira

Lixo produzido

Gestão compartilhada de resíduos é arma contra os lixões

Consórcios intermunicipais proporcionam compartilhamento de aterro sanitário e redução de custos para prefeituras.

Por Fabrício Marques
09/06/2014 - 08:00 - Atualizado em 26/06/2014 - 14:08

Os municípios de Minas Gerais, como os de todo o País, correm para cumprir a legislação federal, mas desde já muitos admitem que não conseguirão cumprir o prazo para acabar com os locais inadequados de destinação final de lixo, os famosos lixões. “A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) acredita que esse prazo será prorrogado até o final do ano, tendo em vista que mais de 500 projetos de destinação de resíduos sólidos foram encaminhados pelas prefeituras ao Ministério do Meio Ambiente e apenas oito foram aprovados”, diz o presidente da CNM, Valtemir Goldmeier. Contudo, o Ministério do Meio Ambiente já avisou que não irá estender a data-limite.

Norma federal fixou 2 de agosto de 2014 como prazo para que os municípios erradiquem os lixões.

O artigo 54 da Lei Federal 12.305, de 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), fixou 2 de agosto de 2014 como prazo para a erradicação dos lixões, que causam grande impacto ambiental e trazem risco para a saúde pública. Já o aterro sanitário é o meio mais adequado, de acordo com os especialistas, para receber os resíduos, pois permite o confinamento seguro do lixo domiciliar, diminui a poluição ambiental e protege a saúde pública.

Devido ao alto custo de um aterro sanitário - da ordem de mais de R$ 1 milhão -, uma solução para resolver o problema dos resíduos sólidos domiciliares de maneira ecologicamente correta pode ser a adotação do modelo de consórcio intermunicipal, aquele que une municípios para viabilizar a sua instalação e com isso reduzir seus custos de operação e manutenção.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Célio Moreira (PSDB), entende que o Governo Federal deu responsabilidades aos municípios, mas não foram disponibilizados recursos para cumpri-las. “O Plano Nacional de Resíduos Sólidos é uma ferramenta indispensável para a gestão ambiental municipal. O que falta é maior compromisso do Governo Federal no sentido de alocar os recursos necessários para que os prefeitos possam cumprir a lei, e com isso melhorar a qualidade ambiental de nossos municípios”, afirma o parlamentar.

A legislação atual prevê duras sanções aos gestores que descumprirem os prazos, entre elas até mesmo a prisão (um a cinco anos de reclusão), no caso de comprovação de que a omissão do prefeito é injustificada. Quanto às multas, elas variam de R$ 5 mil a R$ 50 milhões.

Ganho de escala é trunfo dos consórcios entre cidades

Os consórcios proporcionam o chamado “ganho de escala”, ou seja, o custo final de implantação e operação de um único aterro sanitário cai de forma acentuada quando diversas cidades se reúnem em torno dele, como afirma o diretor de Resíduos Sólidos da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Renato Teixeira Brandão. De acordo com ele, essa alternativa permite outras economias, como o fato de dispor de apenas um engenheiro por consórcio. “A operação de destinação do resíduo é cara, não é só a construção que tem alto custo”, afirma.

O diretor da Feam explica que há três níveis de consórcios: aqueles em formação, que tem de passar pelas câmaras municipais; os já formados, mas não em operação; e os que já operam, como o de Itajubá (Sul de Minas).

Um problema que um consórcio intermunicipal público pode enfrentar é a falta de continuidade nos governos municipais, o que leva até à perda de licença concedida pela Feam. Atualmente, quatro prefeituras perderam as suas licenças por não cumprirem os prazos estabelecidos.

Na Feam, a diretriz seguida até 2010 era a de enfatizar apenas a eliminação dos lixões. A partir de 2010, isso mudou: é preciso investir também na coleta seletiva, entre outras ações.

Pesquisador aponta pontos positivos e negativos dos consórcios

As dificuldades dos municípios em administrar a destinação dos resíduos sólidos está ligada à falta de uma política pública que fomente, de modo mais incisivo, os consórcios intermunicipais. A afirmação é do professor e pesquisador Cláudio Cançado, do Instituto de Geoinformação e Tecnologia (Igtec) e da Faculdade de Engenharia de Minas Gerais (Feamig). Em entrevista, ele também comenta os pontos positivos e negativos desses consórcios.

Qual a sua avaliação sobre a utilização de consórcios intermunicipais de uso de aterro sanitário como forma de combater os lixões?
Analisando a questão no âmbito da realidade técnica e econômica da maioria dos municípios brasileiros, acho que a questão da utilização de consórcios intermunicipais para a destinação final dos resíduos sólidos urbanos se apresenta necessária. A grande maioria dos municípios brasileiros tem problemas financeiros, pois dependem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para arcar com suas despesas. Além da questão econômica, existe também a dificuldade técnica, visto que esses municípios, na grande maioria dos casos, não possuem um corpo técnico adequado para realizar a gestão dos resíduos sólidos urbanos. Dessa maneira, o consórcio intermunicipal se apresenta como uma solução viável, pois viabiliza a gestão da destinação final dos resíduos sólidos urbanos do ponto de vista técnico e financeiro.

Como se dá essa viabilidade financeira?
Ela está ligada ao rateio das despesas do aterro entre os consorciados, fato que alia um custo proporcional ao volume de resíduos que é gerado por cada município ao cumprimento da legislação ambiental. Já a viabilidade técnica está ligada à possibilidade de criação de um ente municipal (autarquia ou agência) ou até mesmo a utilização de um órgão já existente entre os consorciados mediante o mesmo conceito de rateio das despesas, o qual poderá gerir a destinação final dos resíduos de maneira adequada.

Como assim?
O rateio proporcional das despesas pode viabilizar a solução de aterramento para os municípios com poucos recursos, visto que eles possivelmente não teriam como arcar com a construção e manutenção adequada de um aterro sanitário do ponto de vista técnico e financeiro. Cabe salientar que os custos de manutenção do aterro a longo prazo ultrapassam os gastos com a sua construção. Em vários casos, mesmo com a concessão de recursos a fundo perdido para a construção do aterro, sua gestão e manutenção se mostram inviáveis economicamente.

Quais os pontos positivos dos consórcios intermunicipais?
Possibilidade de viabilidade econômica para municípios menores; possibilidade de diminuição de custos com a gestão de resíduos sólidos urbanos para os municípios maiores; possibilidade de uma gestão técnica adequada de resíduos sólidos urbanos; eliminação dos lixões; possibilidade de construção de um Sistema de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos Urbanos; possibilidade de maior integração entre os consorciados em outras estratégias de tratamento e destinação final, como por exemplo a compostagem, a coleta seletiva e campanhas de conscientização em relação a um consumo mais sustentável (os 3R’s: reduzir, reutilizar e reciclar); possibilidade de envolvimento da sociedade com a questão; e possibilidade de cumprimento da legislação ambiental, dentre as quais destaca-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Quais as dificuldades apresentadas e os pontos negativos dos consórcios?
Dificuldade política de interlocução por parte dos municípios para se consorciar; dificuldades jurídicas na concepção, trâmite e aprovação do consórcio na câmaras municipais; dificuldades na mobilização da sociedade para com a questão; dificuldades de acesso a recursos públicos para viabilizar o consórcio devido a projetos inadequados; falta de pessoal técnico qualificado do ponto de vista operacional e jurídico; falta de recursos disponíveis para viabilizar a construção e manutenção do aterro sanitário; e dificuldade política e administrativa para acessar recursos públicos do Estado.

Os municípios tiveram quatro anos para se adaptar à nova legislação. Por que a maioria deles não consegue cumprir o prazo?
A resposta para esta questão se apresenta de maneira muito simples. Em primeiro lugar, existe uma carência de recursos por parte da maioria dos municípios para a gestão do dia a dia, fato que dificulta um investimento em uma solução adequada de destinação final dos resíduos sólidos urbanos e favorece a existência de lixões. Em segundo lugar, existe uma carência muito grande de profissionais qualificados nas prefeituras para a gestão adequada dos resíduos sólidos urbanos, fato este que contribui para a má gestão e para a dificuldade das administrações municipais em desenvolver projetos e acessar recursos públicos, dependendo, muitas vezes, do apoio do Estado, o qual nem sempre pode prestar tal assessoria. E, por fim, o fato que considero mais crítico é a falta de uma política pública no que tange à gestão dos resíduos sólidos urbanos, a qual deveria fomentar, de maneira mais incisiva, financeira e tecnicamente, os consórcios intermunicipais e conscientizar a população e as prefeituras sobre a importância de se ter uma política pública ligada a este tema dentro do planejamento das prefeituras, fato que se mostra ligado à pressão da sociedade, do Ministério Público e do aparato de fiscalização do Estado.

Aterro de Itajubá é o primeiro consórcio de Minas com apoio do Governo do Estado

O Consórcio Intermunicipal dos Municípios da Microrregião do Alto Sapucaí (Cimasas) foi o primeiro consórcio público criado em Minas Gerais para acabar com os lixões com o apoio do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru). O aterro sanitário do Cimasas foi implantado no bairro Rancho Grande, em Itajubá (Sul de Minas). É destaque em âmbito nacional – atraindo interesse dos governos de outros Estados.

Criado em 2007 para construir um aterro sanitário regionalizado que atendesse seis municípios da região (Itajubá, Delfim Moreira, Piranguçu, Piranguinho, São José do Alegre e Wenceslau Brás), o Cimasas é o responsável pela gestão e destinação final dos resíduos sólidos produzidos nessas cidades.

Cada município incluído em um consórcio dessa natureza significa menos um lixão no Estado. O preço da tonelada de resíduos sólidos no Cimasas é de R$ 57,35, contra preços praticados por serviços terceirizados de disposição final que chegam a R$ 220 em Vespasiano (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e Frutal (Triângulo Mineiro), por exemplo, de acordo com dados de 2010 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis).

Após seis anos de funcionamento, a secretária executiva do Cimasas, Caroline Fernandes Nunes de Moura, avalia que os resultados alcançados até hoje são muito positivos. “Os municípios ganharam muito com a implantação do consórcio e a deposição ambientalmente correta dos resíduos sólidos. Os próximos passos são a inclusão de mais cinco municípios, para fortalecimento do consórcio e para a implantação de um centro de triagem para aumento da vida útil do aterro sanitário”, diz a gestora.

Atualmente, está em andamento o processo de ampliação do consórcio, com a inclusão dos municípios de Cachoeira de Minas, Brazópolis, Marmelópolis, Santa Rita do Sapucaí e Maria da Fé. Com a entrada desses cinco novos integrantes no consórcio, a previsão é de que o aterro sanitário em Itajubá atenda uma população de aproximadamente 208 mil habitantes, recebendo cerca de 3 mil toneladas de resíduos por mês. Com isso, a vida útil do aterro será de 40 anos.

Além da eliminação dos lixões na região, outra vantagem dessa ampliação é a diminuição de custos administrativos para cada prefeitura, como folha de pagamento dos funcionários do consórcio e gastos com a manutenção do aterro.

“Não haverá diminuição do custo de operação do aterro sanitário do Cimasas, pois, com a entrada dos novos municípios e consequente aumento de deposição de resíduos, serão necessários mais equipamentos e mão de obra para operar o aterro”, diz Caroline Fernandes.

No modelo de consórcio intermuncipal, a coleta de lixo continua sendo de responsabilidade de cada município. “O Cimasas se responsabiliza apenas pela destinação final dos resíduos, ou seja, pelo aterro sanitário”, explica a gestora.

Outras iniciativas - Segundo a Sedru, os dois primeiros consórcios públicos nessa área em Minas Gerais foram o de Conselheiro Lafaiete - Congonhas - Ouro Branco (Região Central do Estado) e o de João Monlevade - Nova Era - Bela Vista de Minas - Rio Piracicaba (Região Central do Estado). Foram criados em 2005 a partir da iniciativa dos prefeitos. Esse primeiro não está operando, uma vez que o aterro foi embargado. Já o Cimasas foi o primeiro em Minas que contou com apoio do Governo do Estado.

Em Minas, 278 municípios ainda convivem com lixões

O objetivo da Política Mineira de Resíduos Sólidos é ampliar o número de municípios servidos com sistemas adequados de disposição final de resíduos sólidos urbanos. A meta é acabar com os lixões do Estado até 2014, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em 2003, apenas 19% da população urbana no Estado era atendida por disposição adequada desses resíduos.

Em 2013, esse número subiu para 59,14%, de acordo com a gerente do projeto estratégico de saneamento de Minas Gerais, Edicleusa Veloso Moreira, que é mestre em engenharia sanitária e assessora especial da Sedru. Ela acrescenta que, nesse período de dez anos, houve a erradicação de 107 lixões, 65% dos que havia em Minas Gerais em 2003. “Hoje, 575 municípios mineiros não utilizam mais os lixões”, afirma. Restam, portanto, 278 municípios com lixões. “Até agosto deste ano é inviável chegar a 100% de municípios sem lixões”, admite.

De acordo com a assessora da Sedru, dentro dessa política, os recursos utilizados para implantação das obras têm como prioridade as que forem executadas por meio dos consórcios intermunicipais. Os recursos são utilizados para diversas ações, tais como planejamento, apoio à formatação de consórcio intermunicipal, captação de verbas para estudos e projetos, execução de obra, apoio no licenciamento ambiental e apoio no processo licitatório.

“Os consórcios intermunicipais são política prioritária do Governo do Estado, que incentiva a união de municípios para otimizar recursos para a solução de problemas comuns em escala regional, em especial a questão do lixo”, afirma Edicleusa Moreira.

Além do Cimasas, já estão em funcionamento mais oito consórcios. Entre 2007 e 2013, a Sedru iniciou a formação de 68 agrupamentos (ou seja, consórcios que ainda não têm CNPJ), atendendo 576 municípios. Atualmente, 26 consórcios já estão formatados com CNPJ e sede própria, mas ainda não estão funcionando.

Edicleusa Moreira destaca como vantagens dos consórcios públicos, os ganhos crescentes de escala, a maior facilidade na captação de recursos e a ampliação de receitas. Como incentivo, os municípios ganham aumento da cota do ICMS Ecológico, que é repassado pelo Estado.

“Podemos afirmar que o aterro sanitário é o único meio para receber adequadamente os resíduos sólidos urbanos. O grande problema é gerenciar, e sozinha a prefeitura não consegue gerir. Isso sem contar os gastos com pessoal (a mão de obra é escassa e específica) e equipamentos como retroescavadeira, por exemplo”, diz.

Nesse contexto, ela acrescenta, participar de um consórcio intermunicipal envolve uma mudança de cultura, pois nem as prefeituras nem a comunidade estão acostumadas com esse modelo. O custo é de R$ 58,56 por tonelada, em média. Além disso, o município que participa do consórcio ganha de 10% a 30% do ICMS Ecológico.

Esta matéria é a primeira de uma série especial sobre o problema dos resíduos sólidos e uma das soluções existentes atualmente para solucioná-lo, o modelo de consórcio intermunicipal. A próxima será publicada nesta quinta-feira (12/6/14).